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NO ESCURINHO DO CINEMA
FHC vê "Cidade de Deus", mas não fala de eleição
Exibição foi no sábado à noite, no Alvorada, com a presença, além dos convidados, do elenco do filme brasileiro
DANUZA LEÃO
COLUNISTA DA FOLHA
O presidente Fernando Henrique Cardoso e a primeira-dama
Ruth Cardoso receberam sábado, no Palácio da Alvorada, para
cineminha com direito a jantar.
O filme era "Cidade de Deus",
e os convidados eram amigos do
casal como Mary Lafer, que além
de ser professora de grego antigo
é casada com o ministro Celso
Lafer, Catarina e Pedro Malan,
Sergio Amaral, -eles sem gravata- mais a patota do filme
-toda de gravata: o diretor, Fernando Meirelles, a co-diretora,
Katia Lund, e os atores Alexandre Rodrigues e Jonathan Haagensen. Tinha também Daniel
Filho, amigo de Ruth Cardoso
dos tempos em que a primeira-dama participou da equipe de
criação do "Malu Mulher", e Cati
Almeida Braga, que, como não
pôde ver o filme no Rio, foi vê-lo
em Brasília -bem simples, não?
O casal Cardoso, que recebe
muito bem, deixou os convidados perfeitamente à vontade
-até fumar eles podiam.
Foram servidos prosseco e uísque, sem exageros, empadinhas
e folheados, e o embaixador Frederico Araujo contou que o projecionista do palácio, ao testar o
filme, perguntou, apavorado:
"Mas é um filme pornográfico?",
o que fez a primeira-dama rir
muito, quando soube.
Às 9h começou a projeção; na
sala, 40 confortabilíssimas poltronas, sendo que três delas
-apenas três- com uma banqueta na frente para botar os pés.
O presidente se sentou numa delas, esticou as pernas, e os dois
atores do filme, que têm 19 anos
-um deles mora na favela do
Vidigal e o outro na do Pavão
Pavãozinho e estavam elegantíssimos, de terno preto e gravata,
fizeram igualzinho: se espicharam e descansaram os pés no
pufe. Ah, e tinha pipoca.
O filme não é exatamente um
musical açucarado da Metro: é
forte, fortíssimo, e os personagens se comunicam o tempo todo com palavras que todo brasileiro conhece, mas não costuma
dizer nos salões.
A platéia assistiu mu-da e,
quando o filme acabou, as palmas foram vigorosas.
Fernando Henrique levantou
os dois polegares e disse: "É um
grande filme!". Os elogios foram
muitos, e só se ouvia "parabéns"
para cá, "parabéns" para lá -e
aí foram todos jantar.
Eram cinco mesas redondas
com lugares marcados e um bufê delicioso e simples -desses
de sábado, quando os empregados deixam tudo pronto e saem
de folga.
Havia travessas com mortadela e presunto cru, porções de tabule sobre folhas de alface da
horta do palácio, uma vitela fria
com frutas secas, pedaços de
queijo parmesão, e só.
De sobremesa, compotas de
goiaba e carambola, queijinhos
brancos e uma torta de morangos. De bebida, água e vinho tinto. Tudo tão gostoso que as pessoas se levantaram várias vezes
para se servir de novo, inclusive
o presidente.
Paulo Lins, autor do livro "Cidade de Deus", do qual foi tirado
o filme, bateu um longo papo
com Fernando Henrique durante o jantar, e assunto havia: como
ele foi aluno de um ex-aluno e de
um ex-professor do presidente,
o papo foi um belo duelo de inteligências.
Enquanto isso, em outra mesa,
o ator Jonathan, sentado entre
Ruth Cardoso -que a-do-rou o
filme- e sua filha Bia, monopolizou as duas. Falaram sobre o
quê? Educação.
Depois do jantar, café e licores
na varanda, e o assunto dominante continuou sendo o filme,
claro. Alguém indagou como e
quando foi criada a "Cidade de
Deus", e o presidente lembrou:
"Foi no governo Carlos Lacerda,
com a ajuda de Sandra Cavalcanti".
Quando se soube que o filme
havia sido classificado para
maiores de 18 anos, houve quase
que uma indignação entre os
presentes; o ministro Malan,
Ruth e o próprio Fernando Henrique acharam um absurdo, e todos concordaram que a classificação ideal seria 16 anos; afinal,
se aos 16 anos um jovem pode
escolher o presidente da nação,
como não pode ver um filme
desses?
Perguntado sobre se iria ter
saudades de Brasília, o presidente respondeu: "Mas eu não vivo
em Brasília, vivo aqui e no Palácio do Planalto"; prosseguiu dizendo que vai pedir o usucapião
para continuar morando no Alvorada, mas não como presidente. Já Ruth Cardoso foi mais concisa e quando alguém lhe fez a
mesma pergunta, respondeu
apenas: "Eu?"
Só de um assunto não se falou,
nessa longa noite que terminou
às 2 da manhã: de eleições.
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