São Paulo, sábado, 12 de agosto de 2006

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ARTIGO

Vitória política, só a do "JN'

MARCELO COELHO
COLUNISTA DA FOLHA

SE ALGUÉM saiu politicamente vitorioso nesta semana de campanha eleitoral, não foi Lula, nem Heloísa Helena, muito menos Geraldo Alckmin; foi a Rede Globo. Para quem ainda associava a imagem da emissora ao escândalo do Proconsult em 1982, ao abafamento da campanha pelas Diretas-Já em 1984 e à manipulação do debate entre Collor e Lula em 1989, a mudança deste ano não poderia ser maior, no sentido da seriedade e da isenção jornalística.
Não foi uma conversão instantânea. Há um bom tempo o "Jornal Nacional" abandonava não apenas o oficialismo dos anos de Cid Moreira mas também a irritante política, em vigor durante certo período, de privilegiar amenidades, histórias humanas e partos de animais no zôo em seu noticiário. Seja como for, poder-se-ia dizer em tom de blague que, nesta semana, caiu mais um mito da esquerda: o do papel alienante do jornalismo global.
As entrevistas de William Bonner e Fátima Bernardes com os candidatos à Presidência foram ganhando, a cada dia, um ritmo e uma agressividade jornalística poucas vezes visto pelo telespectador brasileiro. Se a primeira entrevista, com Geraldo Alckmin, teve ainda um tom cinza e enfadonho, isso se deveu ao próprio candidato, inabalável monstro de tranqüilidade em pleno incêndio do PCC. As perguntas dos entrevistadores não lhe deram trégua: política de segurança, escândalo da Nossa Caixa, comprometimento de Eduardo Azeredo com o valerioduto, maus índices do Estado de São Paulo na educação, tudo recebia de Alckmin respostas convencionais, típicas do horário gratuito. Não foi um desempenho desastroso, mas o candidato do PSDB não conseguiu projetar-se nem um ponto sequer além da mediania tecnocrática que o mantém confinado nos índices eleitorais de sempre.
Nos dias seguintes, é como se Bonner e Bernardes se entusiasmassem mais e mais com a função pública de que estavam revestidos. Partiram como tigres em cima de Heloísa Helena, que se encarregou de tentar domá-los alternando, metaforicamente, berros e torrões de açúcar. Com Cristovam, deu-se a oportunidade de uma discussão sobre política educacional mais detalhada do que é comum na imprensa se o espetáculo foi menor, a seriedade saiu ganhando.
O casal chegou cheio de si à biblioteca do Planalto, onde o aspecto de Lula parecia o de um derrotado por antecipação. Nunca um presidente brasileiro foi submetido a perguntas tão certeiras e a tal nível de descontentamento com as respostas recebidas. Os tempos em que presidentes da República iam ao "Roda Viva" como a um baile de gala, ou se refestelavam em longas coletivas sem réplica, começam a fazer parte do passado. Em meio a uma campanha singularmente insossa e a um clima de desmoralização generalizada na política brasileira, as entrevistas do "Jornal Nacional" tiveram o paradoxal efeito de fazer surgir, diante das câmeras, um país mais sério, e mais adulto, do que o telespectador podia imaginar.


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