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Gustavo Ioschpe
Voto virgem
CADA PATOLOGIA tem
as suas posologias.
No mundo político, a
estranheza de ambas costuma estar correlacionada.
Assim, no momento em
que nos vimos diante de um
Parlamento para o qual o
epíteto "300 picaretas" soaria como elogio, surge a
idéia do voto virgem: votar
para deputado num candidato que nunca tenha sido
eleito, de forma que o próximo Congresso seja todo
de virgens políticos.
A idéia tem duas lógicas
que são sedutoras à primeira vista. A primeira é de que
pior do que está não pode ficar. Qualquer agrupamento
humano seria mais ético do
que os congressistas que
hoje estão no poder. A segunda é de que, já que as
CPIs e o sistema judicial
não punem os corruptos,
então que sejam punidos
pelo voto. Assim, os virgens
que ora entram saberiam
que, em caso de corrupção,
na próxima eles também
iriam para a guilhotina.
Apesar da sedução inicial,
a idéia não resiste a um escrutínio mais cuidadoso.
Em primeiro lugar, não é
verdade que é impossível ficar pior do que está. Diz o
ditado que o pessimista é
aquele para o qual tudo está
perdido, enquanto que o
otimista tem fé que as coisas ainda podem piorar. No
Brasil, é preciso ser otimista. Nós que achávamos que
chegáramos ao fundo do
poço com os Anões do Orçamento podemos olhar
para aquela época com saudosismo. Passamos da explicação risível (loteria) para a criminosa (caixa dois).
Ainda podemos avançar para a falta da explicação
("roubei, e daí?"). Sou brasileiro e não desisto nunca.
A idéia de que qualquer
"virgem" seria melhor do
que aqueles parlamentares
que estão aí seria justificada
se os líderes fossem escolhidos aleatoriamente dentre
os cidadãos, como na Atenas antiga. Ocorre que hoje
mesmo os virgens precisam
se candidatar para ser eleitos. E há que se desconfiar
muito tanto da sanidade como da ética de quem opta
pela vida pública justo nessa conjuntura.
O segundo problema com
o voto virgem é que há, sim,
bons e sérios parlamentares, gente que não só lutou
pela lisura como defende
projetos importantes para
o país. São poucos, mas são
encontráveis em todo o espectro ideológico, e acredito que todo Estado tenha
pelo menos um deles. Perdê-los seria uma lástima e
um retrocesso.
Fundamentalmente, o
problema do voto virgem é
sua idéia subjacente de que
nossas agruras se devem à
desfaçatez do brasileiro e
do político. Ledo engano. Se
devem a uma estrutura institucional que recompensa
o roubo e a corrupção na
atividade pública. Enquanto essa estrutura não for
mudada, a maioria dos seres humanos inserida nesse
caldo de cultura assumirá
sua fantasia colifórmica e
aproveitará sua temporada
no ambiente fecal com
grande desenvoltura.
O problema, claro, é que
essas instituições são criadas, em grande medida, justamente pelos corruptos
que deveria banir. Mais
uma razão para deixar os
defloramentos para a vida
privada e tratar com redobrada seriedade as escolhas
da vida pública.
GUSTAVO IOSCHPE é mestre em
desenvolvimento econômico pela
Universidade Yale (EUA)
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