São Paulo, domingo, 12 de outubro de 2008

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JANIO DE FREITAS

Nossa própria confusão


Não precisamos de pasmos externos para nossa própria perplexidade; o governo Lula está criando a sua confusão

AINDA poupado pela crise, o governo Lula está criando a sua própria confusão. Ou expondo outra vez as incoerências encobertas desde o ano passado. Parte delas, agora reanimada, a ameaçar-nos por sua capacidade de atrair alguns dos maus efeitos da crise.
A ministra Dilma Rousseff oferece, em pessoa, um realce para a face política da confusão governamental. Em sua rigorosa exposição do que é, ou deveria ser, a postura do governo em relação a possíveis problemas decorrentes da crise externa, Dilma Rousseff preveniu, sobre um ponto delicado no capitalismo à brasileira: não haverá socorro do governo, disse ela, para empresas em dificuldades decorrentes de variações do câmbio, dos valores de real e dólar.
De 2003, início do primeiro mandato, até o ano passado, porém, a política econômica de Lula deu prioridade plena às conveniências do empresariado -particularmente, é verdade, o financeiro- em relação às demais prioridades possíveis e necessárias. Não o fez para incentivar o tão prometido e esperado crescimento econômico, repelido pelos juros de Henrique Meirelles e o marcar passo de Antonio Palocci, mas com finalidade política. E na medida desta finalidade: aplacar, e mesmo reverter, as hostilidades do empresariado influente, proporcionando-lhe vantagens alternativas ao crescimento econômico. Assim foi todo o primeiro mandato.
A advertência de Dilma Rousseff corresponde ao que se conhece de suas concepções e de sua firmeza, não ao que se deve esperar, com a dose possível de certeza, da conduta de Lula. Esta, além de sua inspiração sempre utilitária, fortalecida pelo rumo único de Henrique Meirelles. A tendência, pois, é de divergência aguda entre a posição governamental definida por Dilma Rousseff e o Lula ainda mais embevecido com a hábil aceitação que lhe dá o empresariado graúdo. Coisas que lançam mais ressalvas à veracidade da candidatura de Dilma Rousseff, ao menos como propósito de Lula.
Do plano político ao da economia percorre-se outra situação confusa no governo. Esteja a perspectiva de Lula em uma sucessão vitoriosa ao final de 2010 ou no já imaginado espichamento do mandato, só lhe convém exibir um país com boa resistência à crise, sem manifestações de recessão. Ou seja, com crescimento econômico, que é, afinal, o eixo das aspirações nacionais. É o que explica, em grande parte, a movimentação e a repetitiva oratória de Lula, nas últimas semanas, dedicadas à pretensa imunidade do Brasil e à recusa de recessão.
Independente na prática, o Banco Central condiciona a economia a seguir em outra direção. Sua providência imediata, ante os sintomas iniciais de crise, foi a volta à política de juros em altitudes planetariamente recordistas. Logo, à contenção dos meios de crescimento econômico, quer dizer, política de vocação recessionista. Como a grande ameaça contida na crise é a de levar à recessão, temos que o Banco Central induz no Brasil uma política que se alia à recessão temida, e facilita-lhe a vinda para cá.
As políticas de Dilma Rousseff e Lula em contraposição potencial. As políticas de Lula e Henrique Meirelles em contraposição efetiva. Não precisamos dos pasmos externos para a nossa própria perplexidade.


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