São Paulo, domingo, 12 de novembro de 2000

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NO PLANALTO

O caixa-dois da reeleição

JOSIAS DE SOUZA
DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Surgiu uma boa explicação para a implicância do alto tucanato com a idéia do financiamento público das campanhas políticas. Está na Folha de hoje.
A reeleição de FHC, que já ofendera os costumes no varejo da compra de votos no Congresso, foi lubrificada por um caixa-dois. Para cada R$ 5 arrecadados no oficial, pingou R$ 1 no paralelo.
Choveram pelo menos R$ 10,120 milhões do lado de fora da contabilidade levada pelo PSDB ao TSE. Deve-se aos repórteres Andréa Michael e Wladimir Gramacho a revelação dos arquivos eletrônicos do comitê reeleitoral de FHC.
Desde o estouro dos computadores da firma EPC, em cuja memória PC Farias enterrava os cifrões que logrou arrebanhar, não se tinha notícia de material tão útil ao estudo do submundo financeiro de uma campanha no Brasil.
As planilhas digitais do tucanato registram um conjunto impressionante de dados: além de valores, os documentos trazem anotações variadas -nomes de doadores e de arrecadadores, por exemplo.
Há muito o que investigar. Isso, evidentemente, se houver interesse em seguir a trilha dos vestígios.
Ainda que se fique apenas no constrangimento, em honra à tradição de empurrar assuntos como esse para baixo do grande tapete nacional, algo muito desagradável irá ocorrer: uma nova nódoa grudará na biografia de FHC.
Pela lei, o cabeça de chapa é o responsável final pela escrituração de campanha. Assim, conhecendo ou não a numeralha de seu comitê (admita-se que não conhecesse), o presidente não fica em posição confortável.
As planilhas do tucanato não poderiam ter escolhido momento mais oportuno para começar a falar. Discute-se em Brasília a reforma política.
Pelo lado do governo, quem conduz a negociação é Marco Maciel. Na condição de vice-presidente da República, ele é responsável solidário pela prestação de contas carunchada que aportou no TSE.
A proposta do financiamento público das eleições foi levada à mesa pelo PT. O Palácio do Planalto torceu o nariz para a idéia. A exposição da contabilidade paralela talvez leve o governo a refletir melhor. Quem sabe FHC se anime agora a adotar um discurso vigoroso em favor da moralização das campanhas. Como, aliás, era comum antes de ter virado presidente.
O uso de dois tipos de dinheiro na eleição -o com recibo, à luz do dia, e o sem recibo, à sombra- é prática disseminada entre os políticos. Historicamente, os partidos fingem que prestam contas ao TSE e o tribunal finge que as audita.
Passa da hora de mudar o enredo desse samba. De resto, a fantasia de coelho cego à caça de cenouras no deserto não combina com o corte clássico das togas da Justiça Eleitoral.
Antes de abrir a bolsa da Viúva aos candidatos, é preciso montar um esquema de fiscalização que possa ser levado a sério. O pior que poderia acontecer seria a instituição de um sistema de financiamento misto. Algo que introduza o dinheiro do contribuinte na roda das campanhas, sem pôr fim às doações espúrias. Trocaríamos o ruim pelo impensável.
O fenômeno do caixa-dois não é exclusividade do Brasil. A diferença é que, em outras plagas, a divulgação de uma caixinha secreta pode fazer ruir mesmo as reputações mais festejadas. A do alemão Helmut Kohl, por exemplo.
Se FHC não tivesse lançado o próprio currículo no vale-tudo da reeleição, talvez até já tivesse assegurado um bom verbete na enciclopédia. Teria feito a desvalorização cambial no tempo próprio, antes que a Tailândia fosse à breca, em 1997. E teria preparado o terreno para que o sucessor levasse as principais estatais ao martelo sem os atropelos que conduziram o seu governo ao "limite da irresponsabilidade".
Sabia-se que o desejo do professor Cardoso de demorar-se no Palácio do Planalto além da conta lhe custaria algo. Poucos imaginaram que a fatura seria tão alta.
  Outro assunto: o STF decidiu, na última quinta-feira, acomodar no colo da Justiça Eleitoral de São Paulo o processo referente ao chamado dossiê Caribe. Nele, FHC pede a condenação, por calúnia e difamação, de Paulo Maluf, Lafaiete Coutinho e Caio Fábio. Acusa-os de terem difundido uma mentira: a de que, junto com Serra, Covas e Serjão, manteria uma conta bancária de US$ 368 milhões em Cayman.
O promotor que vier a se ocupar do caso terá diante de si duas alternativas: ou dá curso automático ao processo de calúnia, ou pede a reabertura das investigações da PF, interrompidas quando o presidente optou por impetrar a ação judicial. Os advogados de Caio Fábio convocarão o cliente para uma reunião. Querem saber se tem algo mais a dizer sobre o assunto além de palavras vãs.


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