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REELEIÇÃO
Planilha eletrônica obtida pela Folha informa que R$ 10,120 milhões não foram declarados ao TSE
Documento secreto revela doações não registradas para campanha de FHC
ANDRÉA MICHAEL
WLADIMIR GRAMACHO
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Planilhas eletrônicas sigilosas
do comitê eleitoral de Fernando
Henrique Cardoso revelam que
sua campanha pela reeleição, em
1998, foi abastecida por um caixa-dois, expediente ilegal. Pelo menos R$ 10,120 milhões deixaram
de ser declarados ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral).
Os documentos trazem à tona,
pela primeira vez, detalhes do
subterrâneo financeiro da campanha presidencial. Ali, descobre-se
que R$ 1 em cada R$ 5 arrecadados foi parar numa contabilidade
paralela, cujo destino final ainda é
desconhecido.
A leitura dessas planilhas também desvenda um poderoso esquema de arrecadação de fundos.
Um grupo de alto nível -composto pelo hoje ministro Andrea
Matarazzo (Secretaria de Comunicação), pelo empresário Eduardo Eugênio Gouvêa Vieira (Ipiranga) e pela banqueira Kati Almeida Braga (Icatu), entre outros- visitava empresários e negociava doações.
Nos bastidores, o trabalho era
reforçado por pessoas ligadas ao
ex-secretário presidencial Eduardo Jorge Caldas Pereira. Entre
elas: Jair Bilachi (ex-presidente da
Previ), Pedro Pereira de Freitas
(presidente da Caixa Seguros) e
Mário Petrelli (ex-sócio de EJ).
As planilhas foram criadas por
Sérgio Luiz Gonçalves Pereira.
Serviam para sistematizar informações obtidas por seu irmão, o
ex-ministro Luiz Carlos Bresser
Pereira, presidente do comitê financeiro de FHC nas duas campanhas presidenciais (1994 e
1998).
Procurado pela Folha, Bresser
admitiu haver utilizado planilhas
para organizar a contabilidade da
campanha. Mas disse tê-las jogado fora e não se lembrar exatamente de seu conteúdo.
O ex-ministro, no entanto, negou a autoria da principal e mais
completa planilha, que faz parte
de oito arquivos obtidos pelo Ministério Público durante as investigações sobre o caso EJ. A Folha
tem cópia dos documentos.
Os recursos não declarados ao
TSE estão descritos em 34 registros existentes na planilha principal. Eles indicam que o comitê financeiro de FHC recebeu pelo
menos R$ 53,120 milhões.
É mais do que os R$ 43 milhões
declarados oficialmente. Porém
menos do que o limite de gastos
fixado previamente pelo próprio
comitê, de R$ 73 milhões, e informado ao TSE. Havia, portanto,
margem de sobra para que todas
as doações fossem declaradas -o
que não foi feito.
Especialistas ouvidos pela Folha
disseram que o uso de caixa-dois
numa campanha eleitoral pode
motivar ações por falsidade ideológica, corrupção eleitoral, sonegação fiscal e evasão de divisas.
Segundo o artigo 21 da Lei Eleitoral (9.504/97), "o candidato é o
único responsável pela veracidade das informações financeiras e
contábeis de sua campanha".
A soma de R$ 10,120 milhões no
caixa-dois da reeleição é um cálculo conservador. Deixa de fora
outros R$ 4,726 milhões, doados
por empresas que constam da lista do TSE, só que com valores menores do que os da planilha mais
completa. Ou ainda por um grupo
de empreiteiras cujos valores foram lançados nessa planilha sob a
rubrica de uma associação de
classe.
Nos últimos dois meses, a Folha
procurou uma centena de executivos e empresários. A maioria deles não quis falar abertamente sobre o assunto. Mas, em 14 conversas, 11 delas gravadas, pessoas que
estavam dos dois lados do balcão,
arrecadando fundos ou doando
recursos para a reeleição, comprovaram a veracidade das planilhas montadas por Sérgio Pereira
e utilizadas por seu irmão.
Ministro Andrea Matarazzo doou R$ 3 milhões
para a contabilidade paralela, segundo documento
Além de Bresser, dois executivos tinham a chave do cofre da
campanha: Egydio Bianchi e
Adroaldo Wolf. Sob o compromisso de que não tivesse seu nome revelado, um deles confirmou
à Folha que parte das doações não
foi declarada ao TSE.
"Dizer que não há doações que
não passam pelo oficial não tem
cabimento. Mas o grosso está na
contabilidade. Se algo ficou de fora, foi marginal", minimizou o tucano. O executivo, porém, negou-se a quantificar com objetividade
esses recursos paralelos.
A principal planilha obtida pela
Folha tem data de 30 de setembro
de 1998, portanto quatro dias antes da reeleição do presidente. Na
ocasião, a contabilidade de Bresser ainda não havia registrado todas as contribuições feitas à campanha eleitoral de FHC.
Outras doações, no valor de R$
8,2 milhões, foram feitas nos dias
subsequentes à eleição, o que
também contraria a lei. É provável que exista uma planilha mais
atual, com a contabilidade final da
campanha, à qual o jornal não teve acesso.
A tabela obtida pela Folha totaliza R$ 39,521 milhões em doações: parte confere integralmente
com o que está no TSE (R$ 15,224
milhões), outra apenas parcialmente (R$ 14,177 milhões) e uma
terceira não consta da declaração
oficial (R$ 10,120 milhões).
Os responsáveis por este último
valor apresentaram à Folha explicações oblíquas e contradições a
respeito do que está escrito no documento. Em comum, apenas o
desconforto ao tratar de um tema
que virou tabu na política brasileira.
O publicitário Roberto Duailibi,
da agência DPZ, por exemplo, entrou em contradição ao falar sobre as doações feitas por sua empresa. A principal planilha informa que a DPZ contribuiu com R$
200 mil.
Em três conversas com a Folha,
Duailibi começou com uma afirmação categórica: "Colaboramos
dentro dos parâmetros da lei".
Numa segunda conversa, mesmo
não confirmando o dado da planilha, foi específico: "Foram R$
7.500, naquele sistema normal de
partido (recibos eleitorais)". Por
fim, ao saber que isso não estava
no TSE, ligou para o jornal e recuou: "Nós não contribuímos".
O empresário Geraldo Alonso,
da agência Publicis Norton, disse
que não deu dinheiro para o comitê, mas admitiu haver prestado
serviços de publicidade. Exatamente o que informa a planilha,
segundo a qual esse trabalho teria
sido avaliado em R$ 50 mil.
Mais tarde, Alonso também
procurou a Folha para negar a
doação. "Acho que a vontade de
prestar serviços era grande. Mas
nós não prestamos", disse ele, ao
justificar a negativa.
Nem todos os envolvidos negaram doações que escapam aos registros do TSE. A banqueira Kati
Almeida Braga (Icatu), que também ajudou a coletar fundos, admite que uma de suas empresas, a
Atlântica Empreendimentos
Imobiliários, contribuiu para a
reeleição. Segundo a planilha, foram R$ 100 mil. O comitê financeiro não registrou essa doação na
contabilidade oficial.
Kati negou-se a dar entrevistas.
Apenas enviou ao jornal documentos provando que tem recibo
eleitoral do PSDB e que, portanto,
está quite com a lei. Implicitamente, atribuiu a falha ao partido
de FHC.
De Belém, o presidente da Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (ABMES),
Edson Franco, conta como as universidades foram atraídas para a
campanha.
"Fui procurado pelo ex-ministro Bresser Pereira e sei que várias
instituições contribuíram. A (Faculdade) Anhembi-Morumbi
contribuiu, com certeza. Se não
estou enganado, a Universidade
Ibirapuera e a Unip, do (João Carlos) Di Gênio, também", disse Edson Franco. Nenhuma delas está
no TSE.
Reitor da Universidade da
Amazônia (Unama), Franco negou que a instituição tivesse doado R$ 20 mil, como informa a planilha. Quem doou R$ 20 mil foi a
ABMES, o que foi considerado
ilegal pelo TSE. Ainda assim, o
reitor dá outras pistas sobre contribuições paralelas.
"Eu investiguei o negócio. A
contribuição foi de R$ 10 mil, dada por cinco pessoas da Unama,
cada uma com R$ 2.000. Foram
Paulo Batista, Graça Landeira,
Antônio Vaz e não sei os outros
dois", relatou Franco. O TSE também não tem registro de nenhum
deles.
A empresária Nely Jafet, irmã
do ex-prefeito Paulo Maluf, só
doou para a campanha sob a condição expressa de que a contribuição -R$ 50 mil, segundo a planilha -fosse para o caixa-dois.
"Dei uma contribuição pequena. Não lembro de quanto. Foi em
dinheiro e pedi para não registrar
(no TSE), porque eu não queria
aparecer para que outros candidatos não começassem a pedir",
justificou Nely Jafet, que tem relações cortadas com Maluf.
A maior doação não declarada
ao TSE, de R$ 3 milhões, é atribuída pela planilha ao hoje ministro
Andrea Matarazzo, da Secretaria
de Comunicação da Presidência.
Dinheiro sem procedência nem
destino conhecidos, de acordo
com o documento.
"Não pode ser. Não conheço a
planilha. Não tenho idéia. Muito
menos valores desse tamanho",
reagiu Matarazzo. "Eu não fui arrecadador. Não me ponha como
arrecadador. Fiz alguns jantares
com empresários. E só", rebateu o
ministro.
Seus colegas de campanha dizem coisa diferente. "O Andrea
também foi (arrecadador), no começo", lembra Bresser. "Havia
uma certa competição, talvez em
função da vontade dele de ir para
Brasília", conta o publicitário Luiz
Fernando Furquim, outro coletor.
No Rio de Janeiro, Kati Almeida
Braga procurou 18 empresários
para recolher doações. No périplo, bateu à porta da Sacre, onde
obteve R$ 50 mil para FHC. Contou com a simpatia do banqueiro
foragido Salvatore Alberto Cacciola, dono da empresa.
Até mesmo Wagner Canhedo
(Vasp) -que deve R$ 3 bilhões
-foi procurado. A contribuição
dada pelo empresário, de R$ 150
mil, não tem registro no TSE. A
assessoria de Canhedo confirmou
a doação, mas não precisou o valor.
Apesar da soma expressiva recolhida pelo grupo de Bresser
-mais da metade dos R$ 43 milhões declarados ao TSE-, a tarefa não foi fácil. Nada menos que
309 dos contatados frustraram o
assédio.
Dentre as doações obtidas a fórceps, porém, nenhuma se compara à da Coteminas, indústria têxtil
que pertence ao senador José
Alencar (PMDB-MG).
A empresa vendeu 2,1 milhões
de camisetas aos tucanos e, por
causa delas, amargou uma dívida
de R$ 3 milhões, ainda não quitada. Para fechar o negócio, a Coteminas foi instada a entregar como
doação outras 415 mil peças e a
distribuí-las de acordo com indicações da campanha. Algo avaliado em R$ 589 mil, registrado pela
empresa em notas de doação e
que deveria ter sido, obrigatoriamente, declarado ao TSE. Mas
não foi.
O empresário Josué Gomes, vice-presidente da Coteminas e filho do senador, não só reconhece
a doação como reclama a falta dos
recibos eleitorais. "Para minha
surpresa, não recebemos os bônus (recibos). Você faz a doação,
mas o partido é que é responsável
pela entrega dos bônus", disse
Gomes. Agora, ele sabe que não é
o único doador que o comitê de
FHC deixou sem recibo.
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