São Paulo, terça-feira, 12 de novembro de 2002

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TRANSIÇÃO

Premiê português diz que seu país deve diversificar investimentos, após despejar mais de US$ 10 bi no Brasil na era FHC

FHC "vende" Lula, mas Portugal não investe

CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A SINTRA

O presidente Fernando Henrique Cardoso deu enfáticas garantias ao governo português de que o governo de Luiz Inácio Lula da Silva respeitará os contratos, a estabilidade da economia e a responsabilidade fiscal e expandirá "a boa acolhida aos investimentos portugueses no Brasil".
O primeiro-ministro José Manuel Durão Barroso comprou as explicações. "O governo português continuará confiando no Brasil, na sua economia, nas suas instituições democráticas e continuará a trabalhar no caminho que nos foi apontado pelo presidente Fernando Henrique Cardoso", disse o premiê, em entrevista coletiva ao lado de seu colega brasileiro, ao término da 6ª Cúpula Brasil/Portugal (ou "Cimeira", como preferem os portugueses).
Mas, declarações de amor e de confiança à parte, o fato é que muito dificilmente haverá novos investimentos portugueses no Brasil, depois dos mais de US$ 10 bilhões despejados na era FHC, porque Durão Barroso acha necessário diversificar o investimento. "Não é correto um país como Portugal concentrar quase exclusivamente num só país o seu investimento no exterior", disse.
Como o capital é escasso, ainda mais em um país de economia relativamente pequena como Portugal, a diversificação significará menos aportes para o Brasil, país em que cerca de 300 empresas portuguesas já têm mais de 370 subsidiárias e movimentam algo em torno de US$ 20 bilhões.
A diversificação -fez questão de dizer o primeiro-ministro- "não é contra o Brasil nem exprime qualquer reserva (em relação ao novo governo). Exprime, sim, a vontade de diversificar, política que o Brasil também tem".
Em todo o caso, o fato é que, como Durão Barroso admitiu, o governo Lula "vai ter outra orientação ideológica, diferente da que tem o atual governo português". Mas, sempre segundo o premiê português, "isso não prejudica em nada as nossas relações, desde que haja, como estou seguro que vai haver, um sentido de Estado".
Os dois governantes reuniram-se primeiro a sós no Palácio da Pena, construído no século 19 pelo genro de Dom Pedro 1º, Fernando Saxe-Coburgo-Gotha, na cidade de Sintra, Patrimônio da Humanidade situada a 25 km de Lisboa.
Depois, com as respectivas comitivas, foram para o Hotel Palácio de Seteais, jóia da arquitetura portuguesa do século 18.
Tanto nas conversas fechadas como na entrevista coletiva, FHC fez as vezes de avalista de Lula. Primeiro, reafirmou a Durão Barroso a sua "plena confiança na continuidade de um relacionamento positivo entre Brasil e Portugal com o novo governo".
Depois, numa mensagem implícita aos investidores portugueses, afirmou: "Aqueles que confiaram no Brasil confiaram em um país que é sério, um país que respeita contratos, um país que, pela voz de seu governo e de seu futuro governo, reafirmou o seu compromisso com contratos, com a estabilidade da economia, um país que compreendeu que a inflação é um flagelo que afeta os mais pobres e que, portanto, a responsabilidade fiscal passa a ser bússola do comportamento dos dirigentes".
Por fim, enfatizou não ter "nenhuma razão para duvidar de quem, antes das eleições, declarou que esses compromissos seriam mantidos e, depois das eleições, reafirmou que assim será".
Durão Barroso comprou a tese, mas manifestou mais confiança nas instituições e no Brasil do que no novo governo. "Portugal confia nas instituições democráticas brasileiras. Portugal tem confiança na força da economia brasileira. Os princípios fundamentais em que se assenta a economia brasileira são princípios sólidos. É uma economia exportadora, vigorosa, uma das maiores economias do mundo", disse.

Visita
De todo modo, Lula também foi caloroso com o primeiro-ministro, quando Durão Barroso telefonou para cumprimentá-lo pela vitória. "Lula me garantiu a sua vontade de dar a Portugal um papel especial e me disse de seu carinho e admiração por nosso país", reproduziu o premiê ontem.
O presidente eleito do Brasil disse também que Lisboa seria a primeira capital européia a ser por ele visitada. "Vamos cobrar essa promessa se ele não cumprir", afirmou Durão Barroso.
Tal como na véspera FHC havia confidenciado a interlocutores que Lula estava espantado com a quantidade de pedidos de cargos que vem recebendo, Durão Barroso afirmou que, no telefonema a Lula, sugerira que o novo presidente fizesse como ele próprio, ao ser eleito em abril: "Fugisse para um sítio onde estivesse sozinho, para não receber pressões".
A sugestão chegou tarde. Lula confessou ao premiê que já havia, àquela altura, mais candidatos do que lugares no governo do PT.


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