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São Paulo, quarta-feira, 12 de novembro de 2003

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OPERAÇÃO ANACONDA

Law Kin Chong, apontado por deputados como contrabandista, revela que liberava presentes para policial federal preso

Empresário admite "favores" a delegado

GILMAR PENTEADO
DA REPORTAGEM LOCAL

O empresário chinês naturalizado brasileiro Law Kin Chong, 43, apontado pela CPI da Pirataria da Câmara como um dos principais contrabandistas do país, admitiu ontem aos deputados que fazia "favores" ao delegado da Polícia Federal José Augusto Bellini, preso na Operação Anaconda.
Segundo Chong, em depoimento prestado em São Paulo, os favores consistiam apenas em liberar presentes em lojas suas e de sua família para o delegado, com pagamento posterior. A CPI acredita, porém, que os dois estejam envolvidos em atividades ilícitas, como venda de sentenças judiciais e proteção policial ao contrabando.
Chong e Bellini foram flagrados em escutas telefônicas feitas pelo Ministério Público Federal. Preso na PF de São Paulo, o delegado foi denunciado por supostamente participar de um esquema que beneficiaria criminosos, em troca de dinheiro, por meio de falsificação de documentos, liberação de cargas ilegais e até a concessão de sentenças de liberdade.
Nove pessoas, entre eles o juiz federal João Carlos da Rocha Mattos, estão presas. Dos acusados de participar da quadrilha, Chong admitiu conhecer apenas Bellini.
Réu em um processo na 7ª Vara Criminal de São Paulo que apura descaminho, segundo denúncia da Procuradoria da República que embasou a Operação Anaconda, Chong negou ontem que esses favores fossem ilegais. Ele disse que recebia ligações telefônicas de Bellini, que pedia brinquedos e até pedras semipreciosas da loja de uma de suas tias.
Os brinquedos seriam distribuídos em um festa beneficente realizada nos finais de ano. "Ele [Bellini] era uma pessoa de expressão. Pediu um favor, e eu atendi. Por que não? Não vejo problema algum", disse o empresário.

Revelação só no final
Chong só admitiu os favores prestados ao delegado no final do depoimento, quando passou a ser questionado pelos deputados sobre os grampos telefônicos.
No início, Chong disse que encontrava casualmente Bellini em almoços em um restaurante árabe na região da rua 25 de Março, no centro da capital paulista. Depois, passou a dizer que recebia ligações do policial convidando apenas para os almoços. Por último, reconheceu a prática de favores.
Chong afirmou, no entanto, não se lembrar de trechos das conversas grampeadas pela Procuradoria da República. "Como eu posso me lembrar de conversas de mais de um ano atrás?"
Em uma das escutas, segundo denúncia da Procuradoria, Bellini teria dito que está ansioso "porque é a última carruagem que vai passar". "Eu não tenho mais carruagem não, meu irmão", diz o trecho da escuta, feita no dia 21 de janeiro deste ano.
O empresário não soube dizer aos deputados o que significava a palavra carruagem no diálogo. "Ele [o delegado] é cheio de gírias. Tem hora que não dá para entender o que está falando", afirmou. Para a CPI, a carruagem pode significar um carregamento de material contrabandeado.
Em outro grampo, gravado no dia 17 de dezembro de 2002, Bellini teria dado seu endereço para "deixar a mercadoria", "tratando da divisão depois". No final da conversa, o delegado se despede recomendando que o empresário tenha cuidado. Chong disse que essa recomendação era apenas a advertência de um amigo em relação à violência de São Paulo.
Em uma terceira escuta, Bellini teria dito que iria "apanhar uns presentes" em uma loja do empresário. Só que, ao contrário do que disse Chong à CPI, Bellini não seria cobrado.
Ele disse à CPI ter um patrimônio de R$ 6 milhões e ser dono de três shoppings na região central de São Paulo. Ele negou envolvimento com contrabando e afirmou que é mentira a acusação de que deu TVs importadas pra Bellini e Rocha Mattos.
Policiais federais e civis, promotores e deputados vistoriam ontem dois depósitos que pertenceriam ao empresário. Foram apreendidos centenas de produtos supostamente falsificados ou contrabandeados, entre eles bolsas de marcas famosas, eletroeletrônicos e CDs virgens. A Receita Federal analisará o material.
Chong foi liberado pela CPI no final do depoimento, mas deve ser ouvido novamente pelos deputados na semana que vem. Apesar de vários processos, ele não foi condenado. Segundo a CPI, ele pode ter se beneficiado do suposto esquema envolvendo policiais e membros do Judiciário.
Em 1997, Chong recebeu o título de Cidadão Paulistano pela Câmara Municipal. A indicação foi do ex-vereador e deputado cassado Hanna Garib, acusado de chefiar um suposto esquema de cobrança de propina a camelôs. "Ele é apenas um amigo pessoal", disse o empresário.


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