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ELIO GASPARI
Átila capturou o Rio disfarçado de Cesar
Presidente do Iphan corre o risco de liberar canibalização de um parque tombado por Rodrigo Mello Franco
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NÃO SE SUSTENTA a tese segundo a
qual a obra do marina-shopping do aterro do Flamengo é
necessária para o êxito dos jogos Pan-Americanos.
Isso porque o Rio de Janeiro dispõe,
há mais de um século, de um porto capaz de receber porta-aviões, garagens e
equipamentos náuticos. Ele fica logo
ali, na praça Mauá.
A marina-shopping é parte de um
projeto de canibalização do aterro.
Tombado pelo Patrimônio Histórico
em 1965, o parque traçado pelo arquiteto Afonso Eduardo Reidy (ele assina
o MAM e as passarelas), é uma área onde não se pode fazer novas edificações.
Onde não se pode construir, construir
não se pode.
Para se entender o que a decisão de
preservar o aterro deu ao Brasil basta
percorrer a orla do Rio que vai do fim
de Botafogo ao início da ponta do Calabouço. Nas extremidades do parque, há
áreas que não foram protegidas.
Ambas foram arruinadas pela selvageria, com galpões e monstrengos, inclusive uma piscina aérea, embaixo da
qual há um posto de gasolina.
É possível equipar o velho porto da
cidade com todas as obras necessárias
ao Pan.
Mais: em vez de desfigurar uma jóia
do urbanismo brasileiro que não precisa de barcos nem de lojinhas, revitaliza-se uma área degradada.
Em vez de mexer (para pior) no que
dá certo, a administração do doutor Cesar Maia devia pensar em interferir no
que está estagnado. Era no porto que
ele queria espetar uma franquia financeira do Museu Guggenheim.
O atual presidente do Iphan, Luiz
Fernando de Almeida, caiu numa
enrascada. Ocupa um cargo honroso.
Senta-se na cadeira onde esteve Rodrigo Mello Franco de Andrade, o intelectual que deu ao Brasil a noção de patrimônio cultural. Almeida corre o risco
biograficamente devastador de autorizar a canibalização de um parque cujo
tombamento foi assinado exatamente
por Rodrigo Mello Franco.
A CONDESSA NEGRA DE VASSOURAS
Está nas livrarias "A cegueira e o Saber", de Affonso Romano de Sant'Anna. É uma
coletânea de 57 pequenos artigos que publicou entre 2001
e 2005. Alegra, informa e educa. Dois textos tratam de
obras-primas recusadas por
editores. Três casas rejeitaram Marcel Proust, que se
oferecia para custear a publicação de "Em Busca do Tempo Perdido". Dois patrulheiros fizeram época: O poeta T.
S. Eliot rebarbou "1984", de
George Orwell, e o romancista
Elio Vittorini chuçou "O Leopardo", de Tommasi di Lampedusa.
O livro preserva seis artigos
nos quais Affonso Romano
tratou da história do conde
russo Maurice Haritoff. Ele
veio ao Brasil para uma festa,
na segunda metade do século
19, e acabou casando-se com
Nicota Breves, sobrinha dos
irmãos Breves, os homens
mais ricos do país (37 fazendas, 6.000 escravos).
Para desgosto de Nicota,
Haritoff enrabichou-se por
Regina Angelorum, uma escrava da fazenda. A herdeira
morreu jovem, os Breves perderam a fortuna com a abolição e, em 1906, Haritoff casou-se com Regina. Explicou
que, como cavalheiro, não podia proceder de outro jeito,
pois tinham filhos. Acabaram
seus dias numa chácara. O
conde virou nome de rua em
Copacabana e mais tarde cassaram-no, para homenagear
Ronald de Carvalho. Iwan, o
caçula da dinastia Angelorum-Haritoff, viveu em Vassouras até 2002. Tinha 92
anos e duvidava das histórias
que lhe contavam. Affonso
Romano conseguiu documentação e memórias inéditas
dessa história. O livro impedirá que seus achados durmam
nas coleções de jornais velhos.
O F..ÃO E O F...INHO
Numa rara entrevista, João
Cerqueira Santana, o marqueteiro da reeleição de Nosso Guia,
contou ao repórter Fernando
Rodrigues sua estratégia vitoriosa. A alma do negócio foi aproveitar a existência de dois Lulas no
imaginário do eleitorado do andar de baixo. Segundo a versão
light da fala de Santana, um Lula
"fortão" e outro, "fraquinho", alternavam-se em posições de força ou de vítima. A duas palavras
não eram exatamente essas mas
também começavam com a letra
"F".
DESFALQUE
O economista José Roberto
Afonso, principal cabeça econômica (com números) do PSDB,
encerrou colaboração na assessoria técnica do tucanato.
GRATIDÃO
Nos Estados Unidos, banqueiro que se mete em malfeitorias
acaba mal e quem o apanha tem a
gratidão da escumalha. O ex-procurador-geral Eliot Spitzer elegeu-se governador de Nova York
quatro anos depois de ter encurralado a corretora Merrill Lynch
e outras dez grandes papeleiras,
acusadas de manipular o mercado e prejudicar os investidores.
Os banqueiros pagaram US$ 1,5
bilhão para encerrar o processo.
Rudolph Giuliani, ex-prefeito de
Nova York, está na disputa pela
candidatura a presidente pelo
partido Republicano. (Tem poucas chances.) No final dos anos
80, ele encarcerou o banqueiro
Tony Guebauer, por ter desviado
dinheiro da conta de seus clientes no banco Morgan. Não foi
tanto quanto alguns deles disseram, mas essa é outra história.
Guebauer foi o primeiro chefe
da equipe de negociadores da
banca internacional com o governo brasileiro depois da bancarrota de 1982.
REGISTRO
Para o registro do segundo governo Lula: em julho, ao saber
que o tumor extraído de seu abdome era maligno, o vice-presidente José Alencar telefonou
para Nosso Guia informando-o.
Disse-lhe que podia liberá-lo da
condição de candidato a vice-presidente em sua chapa. Lula
decidiu mantê-lo.
FILANTROPIA
País rico é outra coisa. No Brasil, a USP cedeu um terreno de
seu campus Leste para que a siderúrgica Belgo-Mineira (controlada pela Arcelor) o usasse
como estacionamento. A leite de
pato. A Arcelor é o maior grupo
siderúrgico do mundo, com 330
mil empregados. Na França e na
Bélgica, países miseráveis, a empresa sustenta cinco cátedras
nas Universidades de Paris,
Louvain e Liège (alma mater de
Carlo Panunzio, o vice-presidente no Brasil) . Para fazer as
coisas direito, a reitoria da USP
devia inaugurar a placa: "Estacionamento Arcelor, filantropia
da patuléia brasileira".
ABAFA
O tucanato não se emenda.
Está em vigor um grande acordo
em proveito do sossego de Nosso Guia. É falta de educação repetir a pergunta: "Lula, de onde
é que veio o dinheiro?"
REVELAÇÃO
Saiu nos Estados Unidos uma
nova (e boa) biografia de Dean
Acheson, o elegantíssimo secretário de Estado norte-americano entre 1945 e 1952. Foi escrita
por Robert Beisner, professor da
Universidade de Chicago. Conta
que, logo depois do fim da guerra, Acheson pensou "vagamente" em conseguir do Brasil uma
área que viria a ser uma pátria
para os judeus que estavam na
Palestina.
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