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Brasilianista pede política pró-classe média
Historiador Kenneth Serbin vê Bolsa Família como insuficiente e afirma que país precisa aumentar seu mercado interno
Americano diz que êxito da economia dos EUA resultou da expansão do mercado interno e da criação de uma classe média majoritária
MÁRIO MAGALHÃES
DA SUCURSAL DO RIO
O Brasil deveria se concentrar em uma política de desenvolvimento da classe média. É a
opinião do historiador americano Kenneth Serbin, professor da Universidade de San
Diego, na Califórnia. "O grande
sucesso da economia americana foi aumentar o mercado interno e criar uma classe média
majoritária. O Brasil precisa
disso também", diz Serbin, 46.
O Bolsa Família e outros programas de distribuição de renda são insuficientes, diz Serbin:
"Isso nunca vai fazer com que
os pobres virem membros da
classe média. Vão comer melhor, começar a melhorar, mas
precisam de empregos e escolas melhores, de oportunidades. Só assim o Brasil vai virar
um país de classe média".
Serbin assumiu no mês passado a presidência da Brasa
(Brazilian Studies Association), entidade com sede nos
EUA que congrega pesquisadores dedicados a temas brasileiros. Ele acaba de lançar um novo livro nos EUA, que será traduzido aqui com o título de
"Gritos do Coração: uma História Social e Cultural do Clero e
dos Seminários brasileiros", e é
o autor de "Diálogos na Sombra" (2001), sobre a relação da
igreja com a ditadura militar.
FOLHA - Que balanço o sr. faz da vitória de Lula?
KENNETH SERBIN - O brasileiro
comum votou segundo suas necessidades econômicas. Com
Bolsa Família e aumento do valor real do salário mínimo, o
povo marginalizado sentiu uma
melhora de vida.
FOLHA - Sob esse mesmo governo,
os bancos obtêm lucros recordes.
SERBIN - A retórica do PT nos
últimos quase 30 anos foi bastante radical: prega a justiça social. O governo Lula está tentando praticar a justiça social,
ao distribuir dinheiro do governo. Mas não é um programa
que muda a estrutura social.
Alivia a pobreza, mas não cria
grandes mudanças na estrutura. É uma contradição, porque
o PT sempre pregou mudanças
profundas. Na macroeconomia
é um governo conservador.
FOLHA - Quais são os desafios de
Lula?
SERBIN - Lula tem aliviado a pobreza. É coisa de elogiar, não de
menosprezar. Mas o Brasil precisa mais. Precisa melhorar as
escolas, os salários dos professores. O Brasil precisa treinar
os novos trabalhadores, os novos operários para o século 21.
A base histórica de Lula tem
mudado. Ele não é mais o líder
sindical do ABC. Agora é o líder
das camadas pobres não inseridas no sistema de trabalho.
FOLHA - O sr. costuma dizer que, se
o Brasil quer avançar, tem que pensar na classe média e em maneiras
de fazê-la crescer.
SERBIN - O grande sucesso da
economia dos EUA no pós-guerra foi aumentar a classe
média, para que ela fosse maioria. Esse é o grande segredo da
estabilidade política e econômica do país. A classe média virou maioria, embora nos últimos anos venha sendo ameaçada. O grande sucesso da economia americana foi aumentar o
mercado interno e criar uma
classe média majoritária. O
Brasil precisa disso também.
Não é só dar Bolsa Família para
os mais pobres. Isso nunca vai
fazer com que os pobres virem
membros da classe média. Vão
comer melhor, começar a melhorar, mas precisam de empregos e escolas melhores, de
oportunidades. Só assim o Brasil vai virar um país de classe
média. Ainda é um país majoritariamente de pobres.
FOLHA - O desenvolvimento da
classe média deveria ser um foco do
segundo mandato?
SERBIN - Não é programa para
um mandato só. É programa
para vários. Fernando Henrique Cadoso terminou uma etapa importante ao domar a inflação. Lula continuou fazendo isso. A mesma coisa tem de acontecer com a política de crescimento da classe média. Precisa
ser um foco não só do governo
Lula, mas dos que virão depois.
FOLHA - O primeiro mandato foi
marcado por denúncias de corrupção. A corrupção ainda será um tema recorrente?
SERBIN - Como historiador eu
sei prever muito bem o passado
[risos]. Mas acho que haverá
mais problemas. Pode haver
mais revelações na investigação dos casos já conhecidos.
Tudo o que houve terá decorrências no segundo mandato.
Não é um problema só do PT,
mas de todo o sistema eleitoral.
O Brasil não fez a reforma política. Precisa dela. Não sei se vai
ser possível. Lula terá de negociar com políticos que não querem mudar o sistema porque
foram eleitos nesse sistema.
FOLHA - Que itens da reforma seriam mais importantes?
SERBIN - O voto distrital. Acho
o voto distrital primordial para
aprimorar a democracia. Você
mora em Jales e vota em um
candidato a deputado federal
que mora em São Paulo. Não
tem sentido. É preciso um sistema no qual o eleitor saiba
exatamente quem é seu representante. O representante precisa ser responsável por uma área e grupo de eleitores. Outra
parte da reforma é acabar com
as vantagens que o Nordeste
tem no sistema. Não é justo.
Por que o voto no Norte-Nordeste deve valer mais?
FOLHA - A campanha de Lula preparou (sem levar ao ar) um anúncio
comparando-o a Getúlio Vargas,
João Goulart e Juscelino Kubitschek.
Procede a comparação de Lula a Vargas e Jango como vítimas das elites?
SERBIN - Não. Lula é o presidente dos marginalizados, mas
também o dos grandes banqueiros. Não ameaça o sistema.
Quer melhorar o sistema, mas
não mudá-lo. Ele fez a reforma
da Previdência, fez coisas positivas, tudo para aprimorar o capitalismo. Ele próprio declarou
que nunca foi de esquerda. Lula
é pragmático. Tem flexibilidade, sabe pegar a onda política.
Não vai ameaçar o sistema.
FOLHA - Isso quer dizer que o sistema também não vai ameaçar Lula?
SERBIN - Se fosse para ameaçar,
já teria ameaçado. Lula poderia
ter sofrido processo de impedimento: com todas as acusações,
era para ter uma investigação
do que estava ocorrendo no
Planalto, mas não houve. O sistema e Lula não se ameaçam.
Têm uma relação simbiótica.
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