São Paulo, domingo, 12 de novembro de 2006

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Brasilianista pede política pró-classe média

Historiador Kenneth Serbin vê Bolsa Família como insuficiente e afirma que país precisa aumentar seu mercado interno

Americano diz que êxito da economia dos EUA resultou da expansão do mercado interno e da criação de uma classe média majoritária

MÁRIO MAGALHÃES
DA SUCURSAL DO RIO

O Brasil deveria se concentrar em uma política de desenvolvimento da classe média. É a opinião do historiador americano Kenneth Serbin, professor da Universidade de San Diego, na Califórnia. "O grande sucesso da economia americana foi aumentar o mercado interno e criar uma classe média majoritária. O Brasil precisa disso também", diz Serbin, 46. O Bolsa Família e outros programas de distribuição de renda são insuficientes, diz Serbin: "Isso nunca vai fazer com que os pobres virem membros da classe média. Vão comer melhor, começar a melhorar, mas precisam de empregos e escolas melhores, de oportunidades. Só assim o Brasil vai virar um país de classe média". Serbin assumiu no mês passado a presidência da Brasa (Brazilian Studies Association), entidade com sede nos EUA que congrega pesquisadores dedicados a temas brasileiros. Ele acaba de lançar um novo livro nos EUA, que será traduzido aqui com o título de "Gritos do Coração: uma História Social e Cultural do Clero e dos Seminários brasileiros", e é o autor de "Diálogos na Sombra" (2001), sobre a relação da igreja com a ditadura militar.  

FOLHA - Que balanço o sr. faz da vitória de Lula?
KENNETH SERBIN
- O brasileiro comum votou segundo suas necessidades econômicas. Com Bolsa Família e aumento do valor real do salário mínimo, o povo marginalizado sentiu uma melhora de vida.

FOLHA - Sob esse mesmo governo, os bancos obtêm lucros recordes.
SERBIN
- A retórica do PT nos últimos quase 30 anos foi bastante radical: prega a justiça social. O governo Lula está tentando praticar a justiça social, ao distribuir dinheiro do governo. Mas não é um programa que muda a estrutura social. Alivia a pobreza, mas não cria grandes mudanças na estrutura. É uma contradição, porque o PT sempre pregou mudanças profundas. Na macroeconomia é um governo conservador.

FOLHA - Quais são os desafios de Lula?
SERBIN
- Lula tem aliviado a pobreza. É coisa de elogiar, não de menosprezar. Mas o Brasil precisa mais. Precisa melhorar as escolas, os salários dos professores. O Brasil precisa treinar os novos trabalhadores, os novos operários para o século 21. A base histórica de Lula tem mudado. Ele não é mais o líder sindical do ABC. Agora é o líder das camadas pobres não inseridas no sistema de trabalho.

FOLHA - O sr. costuma dizer que, se o Brasil quer avançar, tem que pensar na classe média e em maneiras de fazê-la crescer.
SERBIN
- O grande sucesso da economia dos EUA no pós-guerra foi aumentar a classe média, para que ela fosse maioria. Esse é o grande segredo da estabilidade política e econômica do país. A classe média virou maioria, embora nos últimos anos venha sendo ameaçada. O grande sucesso da economia americana foi aumentar o mercado interno e criar uma classe média majoritária. O Brasil precisa disso também. Não é só dar Bolsa Família para os mais pobres. Isso nunca vai fazer com que os pobres virem membros da classe média. Vão comer melhor, começar a melhorar, mas precisam de empregos e escolas melhores, de oportunidades. Só assim o Brasil vai virar um país de classe média. Ainda é um país majoritariamente de pobres.

FOLHA - O desenvolvimento da classe média deveria ser um foco do segundo mandato?
SERBIN
- Não é programa para um mandato só. É programa para vários. Fernando Henrique Cadoso terminou uma etapa importante ao domar a inflação. Lula continuou fazendo isso. A mesma coisa tem de acontecer com a política de crescimento da classe média. Precisa ser um foco não só do governo Lula, mas dos que virão depois.

FOLHA - O primeiro mandato foi marcado por denúncias de corrupção. A corrupção ainda será um tema recorrente?
SERBIN
- Como historiador eu sei prever muito bem o passado [risos]. Mas acho que haverá mais problemas. Pode haver mais revelações na investigação dos casos já conhecidos. Tudo o que houve terá decorrências no segundo mandato. Não é um problema só do PT, mas de todo o sistema eleitoral. O Brasil não fez a reforma política. Precisa dela. Não sei se vai ser possível. Lula terá de negociar com políticos que não querem mudar o sistema porque foram eleitos nesse sistema.

FOLHA - Que itens da reforma seriam mais importantes?
SERBIN
- O voto distrital. Acho o voto distrital primordial para aprimorar a democracia. Você mora em Jales e vota em um candidato a deputado federal que mora em São Paulo. Não tem sentido. É preciso um sistema no qual o eleitor saiba exatamente quem é seu representante. O representante precisa ser responsável por uma área e grupo de eleitores. Outra parte da reforma é acabar com as vantagens que o Nordeste tem no sistema. Não é justo. Por que o voto no Norte-Nordeste deve valer mais?

FOLHA - A campanha de Lula preparou (sem levar ao ar) um anúncio comparando-o a Getúlio Vargas, João Goulart e Juscelino Kubitschek. Procede a comparação de Lula a Vargas e Jango como vítimas das elites?
SERBIN
- Não. Lula é o presidente dos marginalizados, mas também o dos grandes banqueiros. Não ameaça o sistema. Quer melhorar o sistema, mas não mudá-lo. Ele fez a reforma da Previdência, fez coisas positivas, tudo para aprimorar o capitalismo. Ele próprio declarou que nunca foi de esquerda. Lula é pragmático. Tem flexibilidade, sabe pegar a onda política. Não vai ameaçar o sistema.

FOLHA - Isso quer dizer que o sistema também não vai ameaçar Lula?
SERBIN
- Se fosse para ameaçar, já teria ameaçado. Lula poderia ter sofrido processo de impedimento: com todas as acusações, era para ter uma investigação do que estava ocorrendo no Planalto, mas não houve. O sistema e Lula não se ameaçam. Têm uma relação simbiótica.


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