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Entrevista da 2ª - Ivan Zurita
Nestlé monta plano B para enfrentar risco de falta de gás
Empresa quer evitar o que ocorreu em 2001, com o apagão elétrico; se faltar gás, solução será voltar a utilizar óleo
ASSIM QUE recebeu a notícia, na noite de
terça-feira, de que a Petrobras passaria a
racionar gás, Ivan Zurita, presidente da
Nestlé, tomou duas medidas: ligou para o
ministro do Desenvolvimento, Miguel Jorge, e convocou um comitê de crise. Com o governo, Zurita queria
saber quais as reais ameaças de um novo apagão energético. Com sua equipe técnica, a intenção era montar
um plano B em caso de contingência. "Fiquei preocupado porque temos projetos e investimentos previstos que estão ligados ao "mix" de energia, que, de uma
hora para outra, passa a não valer mais. Garantir energia é obrigação do governo." Segundo Zurita, falta planejamento ao governo, do mesmo modo que faltou
fiscalização no caso do leite adulterado e agressividade comercial na assinatura de acordos bilaterais, que
dêem ao Brasil mais acesso a mercados internacionais. A Nestlé, maior empresa de alimentos no país,
fatura R$ 12,4 bilhões e tem 16 mil funcionários em 28
fábricas.
(GUILHERME BARROS e CRISTIANE BARBIERI)
FOLHA - A Nestlé pretende dobrar
de tamanho em cinco anos. A crise
energética vai atrapalhar?
IVAN ZURITA - Não é a energia
que preocupa, mas o atraso
diante da realidade que vivemos. O PAC [Programa de Aceleração do Crescimento] é uma
iniciativa de recuperação de
terreno perdido. O plano vai
nos atualizar, mas, se demorar
muito, quando o PAC acontecer vamos estar precisando de
outro PAC. O governo prima
pela falta de planejamento. Toda companhia deste país que
não se atualizou buscando eficiência, de 1964 para cá, quebrou. O governo é o mesmo de
1964, só que grande, e quem paga essa diferença somos nós. Só
que não dá mais! O nível da carga tributária exerce uma barreira contra o desenvolvimento
do país.
FOLHA - Mas o sr. não ficou preocupado com o anúncio do racionamento de gás?
ZURITA - Sim, claro. Temos projetos e investimentos previstos
que estão ligados ao "mix" de
energia. De repente, esse "mix"
não vale mais, e o que é pior:
não é a primeira vez. Passamos
apertado durante a crise do petróleo, quando o governo restringiu o consumo de óleo da
indústria. Compramos 20 mil
hectares de floresta para usar o
cavaco na geração de energia.
Substituímos todas as caldeiras
e o preço do petróleo caiu. Voltamos para óleo. Com o gasoduto [ligando Brasil e Bolívia],
fomos incentivados a mudar a
geração para gás. Investimos
R$ 7 milhões, mas, se amanhã
não tiver gás, vamos ter de voltar para o óleo. Aprendemos a
ter um "mix" energético, mas o
governo não melhorou seu planejamento. Energia é o mínimo
que tem de ter num país que requer investimentos. É um problema que o governo tem de resolver, bem como o problema
de infra-estrutura, para que
possamos "comprar" o investimento no Brasil. Se não há estradas, se não há portos, se não
há aeroportos, o que se quer como país?
FOLHA - Já houve alguma mudança na Nestlé por conta da crise?
ZURITA - Liguei para o [ministro do Desenvolvimento] Miguel Jorge e combinamos uma
reunião quando eu for a Brasília. O governo está preocupado
e o ministério está conformando um plano. Também montamos um comitê de crise e já temos alternativas. Estamos
acompanhando as informações, mas já autorizei um plano
B em caso de racionamento, para converter o gás em óleo. No
caso do leite foi a mesma coisa.
FOLHA - Vocês também montaram
um comitê de crise?
ZURITA - Sim, porque com essas
coisas não se pode dormir no
ponto. No apagão de 2001,
montamos uma operação de
guerra. Tivemos de ir a Brasília
para conseguir permissão para
alugar geradores do Chile. Colocamos em carretas que iam
de fábrica em fábrica. Tivemos
de alterar turnos. Com essas situações não dá para perder
tempo.
FOLHA - Faltou fiscalização no caso
do leite adulterado?
ZURITA - Falta fiscalização em
muita coisa. Se fosse um país de
Primeiro Mundo, um funcionário do SIF [Serviço de Inspeção
Federal] em cada lugar seria
suficiente. No Brasil, não é.
FOLHA - A Nestlé comprava de
uma das cooperativas que adulteravam o leite. Houve contaminação?
ZURITA - Somos os maiores
compradores de leite do Brasil.
Neste ano, vamos superar os 2
bilhões de litros e fiscalizamos
todo o leite que processamos
duas vezes: na retirada do campo e na chegada à fábrica. Medimos tudo: proteína, bactérias,
água oxigenada, antibiótico.
Chegamos a comprar dessas
cooperativas há uns dois anos,
mas fazemos todos os testes de
controle. Se deu alguma variação de acidez, nem carregamos
o leite. Se notarmos qualquer
variação na composição do produto, ele é rejeitado e nunca
mais o fornecedor trabalha para nós. Asseguramos a qualidade do processo. Temos 44 mil
fornecedores no Brasil e todas
as matérias-primas são cadastradas, selecionadas e controladas. O "batismo" com água oxigenada e soda cáustica foi criminoso e irresponsável.
FOLHA - Esse problema poderá refletir nas exportações brasileiras?
ZURITA - Apesar de exportarmos leite só quando há excedente -o que não aconteceu
neste ano-, as vendas ao exterior são muito importantes para nós. Como estamos em muitos países, se tivéssemos acesso
a mais mercados poderíamos
aumentar a produção graças a
escala e a matérias-primas. As
exportações respondem por
8% de nossa receita, mas poderia ser mais. Temos de tirar
vantagem do tamanho do país.
FOLHA - O que falta?
ZURITA - Uma política mais
agressiva do governo. Quando o
[Luiz Fernando] Furlan estava
no ministério [do Desenvolvimento], dizia para ele que não
queríamos que o governo negociasse para a gente, mas que nos
desse regras iguais.
FOLHA - Como assim?
ZURITA - Que abrisse o mercado. Que quando fosse negociar
com a China, que colocasse alimentos na pauta. Hoje, no
mundo, faltam 800 mil toneladas de leite em pó. O Brasil é o
único país que pode atender à
demanda. Se a produção brasileira for estimulada, podemos
chegar a 4 bilhões de litros.
Mas, se o mercado não for aberto, onde vou colocar esse leite?
O consumo de leite chinês cresce 16% ao ano. O que vai estimular essa cadeia é a abertura
do mercado.
FOLHA - Mas o que é necessário?
ZURITA - O governo atuar, abrir
mercados e fazer acordos bilaterais. Estamos ligados ao Mercosul e tudo passa pelo bloco,
mas o Brasil é o único país que
respeita essa regra. Como o
Mercosul não funciona, estamos parados e o México, avançando. O México tem mais de
200 acordos bilaterais. O Brasil
tem 30, que não funcionam.
FOLHA - Temos de romper com o
Mercosul?
ZURITA - Nos preocupamos
com a geopolítica e nos esquecemos dos negócios. Um acordo funciona ou sai fora. A chance de ter um sócio quebrado e
ganhar velocidade é muito difícil. Pelo tamanho do Brasil e
sua escala, temos de jogar na liga principal. Essa amarra não
leva à vantagem competitiva.
FOLHA - Analistas dizem que a Nestlé só dobrará de tamanho em cinco
anos se fizer aquisições. A empresa
tem planos nesse sentido?
ZURITA - Temos um plano muito bem calculado. Da meta de
dobrar, R$ 1 bilhão da receita
projetada, cerca de 5% do total,
virá de aquisições.
FOLHA - Qual foi a estratégia para
fazer o faturamento passar de
R$ 4,6 bilhões em 2001 para os
R$ 12,4 bilhões deste ano?
ZURITA - A Nestlé vinha perdendo espaço por marasmo interno. Passamos por um choque de gestão, no qual criamos
joint ventures, companhias,
mudamos estrutura e organograma. Atuamos em quatro
frentes: eficiência, inovação,
aquisições e comunicação. A
arquitetura da companhia mudou. Hoje não comparamos
Nestlé com Kraft, mas chocolates Nestlé com Kraft, sorvetes
Nestlé com Kibon. Cada segmento funciona como uma
companhia menor. Investimos
muito em informática. Nossa
central em Ribeirão Preto [SP]
vende serviços para 21 países.
FOLHA - Quanto a Nestlé investirá
no próximo ano?
ZURITA - Investimos R$ 250
milhões a R$ 300 milhões por
ano, fora as aquisições. No ano
que vem vamos dobrar os investimentos, atingindo R$ 500
milhões, principalmente em
aumento de capacidade. A cada
três pontos de incremento de
receita, abrimos uma nova fábrica-tipo. Crescemos 10,6%
neste ano, sendo 21% no Nordeste, e inauguramos três unidades. No ano que vem deveremos crescer o dobro do PIB.
FOLHA - O crescimento no Nordeste foi causado só pelo Bolsa Família?
ZURITA - Durante a reestruturação, fizemos uma imersão para conhecer o povo brasileiro.
Numa das análises, todos os diretores, inclusive eu, fomos para favelas conhecer de perto o
consumo das classes C, D e E.
Aprendemos, por exemplo, que
o fluxo de caixa dessas famílias
é diferente. É semanal e o desembolso é de R$ 1. Por isso,
criamos a estrutura de vendas
porta-a-porta e muitos produtos para esses consumidores.
Fizemos sorvete líquido que
congela em meia hora, que tem
custo menor de distribuição e o
consumidor tem custo menor
de eletricidade. Tem tablete de
chocolate cuja moeda de troca é
R$ 1. Adaptamos e criamos produtos. Não adianta pegar o modelo do Carrefour e jogar na favela que não vai funcionar. Hoje temos pessoas da favela, que
passaram por treinamento na
Suíça, contratadas para pilotar
projetos para o consumidor de
baixa renda. Temos 97% de penetração nos domicílios brasileiros. O que precisamos fazer
para intensificar a relação com
o consumidor? Esse tipo de atividade... Não é necessariamente a mais rentável para nós, mas
não interessa. Acreditamos que
o país e o poder aquisitivo das
pessoas vai melhorar.
FOLHA - Por que o sr. decidiu ser o
porta-voz da Nestlé na crise do leite?
A Parmalat escolheu a Hebe...
ZURITA - Nossa empresa não
precisa de um personagem importante para mostrar sua postura. Só me faltava ter de contratar uma pessoa para fazer isso, porque qualquer diretor da
Nestlé tem credencial para falar. Não preciso contratar a Hebe [Camargo], com todo o respeito que tenho por ela, para
mostrar que não há nenhum
risco para o consumidor.
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