São Paulo, domingo, 13 de janeiro de 2002

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2002 SEM RUMO

Estudo encomendado a Bresser Pereira ataca postulados da era FHC

Tucano abre nova crise com crítica à política econômica

MARTA SALOMON
SECRETÁRIA DE REDAÇÃO
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA


Mal os tucanos conseguiram assumir o ministro José Serra (Saúde) como pré-candidato ao Planalto, acharam um outro bom motivo para acirrar os ânimos no partido do presidente Fernando Henrique Cardoso: o destino da política econômica do governo.
No palanque, o discurso tucano será de total compromisso com a manutenção da atual política econômica. Nos bastidores, a história não é bem assim.
""O grande desafio que a política macroeconômica brasileira enfrenta hoje é sair desse ponto de equilíbrio perverso. (...) A taxa de juros é aberrantemente elevada. O equilíbrio é instável, e a situação, inviável no longo prazo", escreveu o economista tucano Luiz Carlos Bresser Pereira em colaboração ao programa de governo do partido encomendada pelo presidente do PSDB, José Aníbal.
Com as palavras acima e mais algumas outras, o economista atacou o principal instrumento de política econômica do governo no momento: as altas taxas de juros.
Para Bresser, as taxas podem segurar a inflação e continuar atraindo capital externo para o país fechar suas contas, mas fará isso a um preço alto demais, brecando o crescimento da economia e tornando cada vez mais cara a dívida do país a ponto de criar a suspeita de que o Brasil não poderia honrar os pagamentos.
É o que a oposição e economistas ligados aos demais partidos da base aliada já diziam publicamente. Na ponta da caneta de um tucano, a crítica deu início a uma nova crise.
O documento de 31 páginas intitulado ""Uma estratégia de desenvolvimento com estabilidade", produzido em dupla com o economista Yoshiaki Nakano, ambos professores de economia da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo, abriu uma guerra interna no partido e levantou uma polêmica que FHC e Serra gostariam de manter adormecida.
A polêmica não é nova no governo FHC, já pôs em confronto antes as duas principais correntes que disputaram o poder na economia. A primeira, de economistas ligados à PUC (Pontifícia Universidade Católica) do Rio de Janeiro, tem o ministro Pedro Malan como principal expoente no governo e, fora dele, o economista Edmar Bacha, um dos pais do Plano Real e atual presidente da Andib (Associação Nacional dos Bancos de Investimento), como principal artilheiro. O segundo grupo é mais identificado com os tucanos paulistas e Serra.
Durante o primeiro mandato de FHC (1995-1998), os dois grupos brigaram muito a propósito da política cambial. Na época, Luiz Carlos Bresser Pereira ocupava o Ministério da Administração e fazia coro com Serra na defesa da desvalorização do real, que só veio em janeiro de 1999.
O documento de Bresser fala em dólar a R$ 3 em 2003, primeiro ano de mandato do sucessor, e redução de 40% das taxas de juros -essa última feita de forma gradual. As metas da "nova política econômica" que propõe seriam o crescimento da economia de pelo menos 5% ao ano e o crescimento das exportações de cerca de 15% ao ano. Bresser classifica o produto da era FHC de "quase estagnação" econômica.
"As modestas taxas de crescimento e o acúmulo de passivo externo de mais de US$ 200 bilhões tornam insustentável a manutenção desse modelo, comprometendo ainda mais o futuro", diz ainda o texto.
O presidente do PSDB, que havia encomendado o trabalho a Bresser, decretou silêncio sobre o debate. Combinou um contra-ataque com Edmar Bacha, que enviou a Bresser uma carta contestando suas propostas, com cópia ao próprio José Aníbal.
"Há um compromisso total de manter a política econômica em vigor, mas essa política não é uma coisa estática, é um processo", disse Aníbal, que pretende produzir até março um caderno com o resultado do debate.
Seu limite já ficou claro: "Debater faz bem, mas dizer que é outra coisa [outra política econômica", isso coisa nenhuma".
Outra discussão que angustia os tucanos atende pelo nome de política industrial. Bresser defende incentivos públicos a empresas exportadoras e que substituam importações.
"Essa proposta nada tem a ver com a ingênua política de liberalizar e tirar o Estado da economia, abrindo [o país" às importações e ao fluxo de capital externo e privatizando empresas públicas, pois "o resto será feito pelo mercado". Somente a ação do Estado poderá criar condições para que as empresas brasileiras tenham acesso a recursos", diz outro trecho do documento.


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