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MORDOMIA NO PLANALTO
Governo deveria ter desembolsado R$ 34 mil com despesas, mas pagou R$ 62,8 mil no ano passado
Ministros ganham diária de viagem irregular
CLÁUDIA DIANNI
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Uma prática conhecida entre
funcionários públicos federais como "diárias secas" tem contribuído para aumentar as despesas de
custeio da União. Autoridades como ministros de Estado e secretários-executivos se hospedam em
embaixadas brasileiras no exterior, mas recebem verba pública
para pagar despesas.
Pelo menos quatro ministros e
dois secretários-executivos se beneficiaram do recebimento integral de diárias em 2004, segundo
levantamento feito pela Folha,
que teve acesso a 18 pagamentos
irregulares só no ano passado.
Apenas nos casos identificados,
as despesas do governo quase dobraram. O Tesouro Nacional deveria ter desembolsado R$ 34 mil
para custear essas viagens, mas os
ministros e secretários receberam
R$ 62,8 mil.
Esses casos são somente um
exemplo. Os R$ 28,7 mil que foram parar nas contas das autoridades indevidamente é um valor
pequeno perto das despesas totais
da União com diárias e passagens,
que no ano passado somaram R$
1,2 bilhão, um aumento de quase
30% com relação aos gastos de
2003. Mas o levantamento é uma
amostra, limitada a ministros, de
desperdício que o aumento dessas despesas pode esconder.
O levantamento revelou que receberam a mais, na maior parte
das vezes o dobro do que tinham
direito, os ministros da Fazenda,
Antonio Palocci Filho, do Desenvolvimento, Luiz Furlan, do Desenvolvimento Social, Patrus
Ananias, da Educação, Tarso
Genro (que comprovou ter devolvido o dinheiro), o secretário-executivo do Ministério do Desenvolvimento, Márcio Fortes, e o secretário do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social,
Jaques Wagner.
Todos eles, após serem consultados pela Folha, informaram
que vão devolver ou já devolveram os pagamentos acima do devido referentes a diárias. Alguns
enviaram inclusive os comprovantes de devoluções já efetuadas.
A prática das "diárias secas"
consiste em solicitar diárias integrais para viagens ao exterior, que
variam de US$ 220 a US$ 460 para
altos cargos dependendo do destino, mas se hospedar nas embaixadas do Brasil no exterior em capitais como Londres, Washington, Paris e, principalmente, Buenos Aires. Essas embaixadas,
além da pousada, oferecem pensão completa e todos os serviços
de transporte na cidade.
O decreto 3.633, de 20/10/2000,
estabelece que autoridades ou
funcionários públicos devem receber apenas 50% do valor da diária quando se hospedam em casas
pertencentes ao governo brasileiro ou atendem a convites de governos ou outras instituições que
oferecem hospedagem.
Em descumprimento ao decreto, ministros pediram diárias
quando se hospedaram em embaixadas ou viajaram a convite.
Hospedagens
O ministro Palocci e o secretário
Fortes foram os que mais dinheiro indevido receberam. Palocci
recebeu R$ 11,8 mil a mais em cinco viagens (quatro no ano passado e uma no início deste ano).
Palocci solicitou diárias inteiras
e hospedou-se na residência oficial do governo brasileiro em
Londres e Washington, onde as
diárias custam US$ 350 ao Tesouro, e em Tóquio, onde custam
US$ 460. Ele também recebeu
100% das diárias quando teve as
despesas de hospedagem pagas
pelo Ministério de Finanças da
Alemanha no ano passado, conforme confirmou à Folha o governo alemão, ao participar do encontro do G20, em Berlim.
Palocci também embolsou
100% das diárias quando esteve
com o presidente Luiz Inácio Lula
da Silva na China, em maio do
ano passado.
Outro decreto, o 940, de setembro de 1993, estabelece que a comitiva do presidente tem direito a
70% das diárias em viagem ao exterior porque é a Presidência que
paga as despesas de hospedagem.
O ministro deixou o Brasil no domingo a noite e só chegou ao destino na terça-feira, mas recebeu
duas diárias inteiras (US$ 700) pelo tempo que ficou no avião.
Fortes ficou com R$ 10.382,08.
No ano passado, ele esteve oito
vezes em Buenos Aires, conforme
registra o Siafi (Sistema Integrado
de Administração Financeira da
União). Em todas as ocasiões hospedou-se na residência oficial,
conforme confirmaram à Folha
vários funcionários da embaixada, no ano passado. Apesar de receber o dobro das diárias, ao voltar ao Brasil, Fortes pediu o reembolso pelas taxas aeroportuárias.
Fortes também recebeu mais R$
10,5 mil em diárias nacionais. A
maior parte das viagens que o secretário faz dentro do Brasil tem
como destino o Rio de Janeiro,
como é natural considerando sua
posição no governo federal e o endereço dos órgãos a que está vinculado. Mas a casa do secretário
fica no Leblon.
Das 27 viagens que o secretário
fez ao Rio no ano passado com
passagens pagas pela União, 20
foram compromissos marcados
na sexta ou na segunda-feira.
O ministro Furlan hospedou-se
na embaixada no Chile e ficou
com as diárias, em outubro do
ano passado, e teve uma hospedagem paga pela Latin Trade Magazine, em dezembro.
Tarso Genro, Jaques Wagner e
Patrus Ananias se hospedaram na
residência oficial de Buenos Aires
no segundo semestre do ano passado, onde as diárias custam US$
300 ao governo.
Segundo a Folha apurou, as
"diárias secas" não são uma novidade do atual governo. Funcionários públicos que não quiseram se
identificar disseram que a prática
é antiga e costuma acontecer com
certa freqüência.
A reportagem, porém, verificou
no Siafi apenas o dinheiro recebido em viagens em que pôde constatar a hospedagem em embaixadas ou confirmar com entidades e
governo que os ministros receberam convites -portanto, tiveram
as despesas com transporte e hospedagem pagas.
Do histórico do atual governo já
constavam dois antecedentes de
ministros que embolsaram diárias e depois tiveram que passar
pelo constrangimento de devolver o dinheiro.
Em novembro de 2003, a ex-ministra da Assistência e Promoção
Social Benedita da Silva devolveu
R$ 4.816,00 aos cofres públicos
depois da polêmica viagem que
fez à Argentina para participar de
um encontro de evangélicos, mas,
às pressas, marcou uma reunião
com sua equivalente argentina,
Alicia Kirchner, para justificar as
diárias e a passagem aérea custeadas pela união.
Logo em seguida, o ministro de
Esporte, Agnelo Queiroz, devolveu R$ 10.872,00 que recebera para passar 11 dias na República Dominicana, em agosto, quando as
despesas tinham sido pagas pelo
Comitê Olímpico Brasileiro.
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