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São Paulo, domingo, 13 de abril de 2003

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Com Lula na Presidência, metáfora "venceu" a ironia

FLÁVIA MARREIRO
RAFAEL CARIELLO
DA REPORTAGEM LOCAL

As jabuticabeiras contra os neobobos. A metáfora contra a ironia. Em um governo marcado pela continuidade, entre Luiz Inácio Lula da Silva e Fernando Henrique Cardoso há ao menos uma grande diferença... retórica.
Quando o presidente Lula compara o país a uma casa -ou ao Titanic- é como se reproduzisse outro hábito seu desses primeiros cem dias de governo: o de caminhar, para desespero da segurança, no meio de eleitores.
"Ao aproximar algo abstrato de uma situação concreta, o presidente se coloca como se falasse do lugar do povo, ou em relação direta com ele. Isso corresponde à atitude de sair de casa e cumprimentar as pessoas diretamente", diz o professor do Instituto de Estudos da Linguagem da Unicamp Eduardo Guimarães.
Esse povão que quer habitar a casa prometida por Lula gostava do discurso de Fernando Henrique Cardoso como quem torce o pescoço para admirar uma cobertura de Higienópolis (bairro de classe média alta paulistana onde mora o ex-presidente).
"FHC era afável com o público. Assumiu muito mais a postura de chefe de Estado, de respeito aos protocolos do que Lula e era respeitado por isso", diz o cientista político do Iuperj (Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro) Marcus Figueiredo.
A aparente distância do sociólogo, diz o linguista da Unicamp, está no fato de que a ironia de FHC não tinha como interlocutor o povo, mas se referia a seus pares políticos. "Nenhum presidente vai ironizar o povo. Ele falava com o opositor dele", diz Guimarães.
"Quem acredita em economista?", disse FHC em 98, questionado sobre as previsões de que a taxa de juros continuaria alta.
O estilo de Lula fez as jabuticabeiras do casal Silva virarem parábola na cerimônia de instalação do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social. Lula contou a história das árvores: a bem cuidada por Marisa frutificou, enquanto a desacreditada por ele demorou a vingar. Segundo o conto do presidente, o conselho, como a planta da primeira-dama, pode vir a "dar frutos quatro a cinco vezes por ano".
O estilo -como o hábito de abraçar eleitores- atrai tanta simpatia quanto riscos, avalia o cientista político Fábio Wanderley Reis, da UFMG. As simplificações podem aproximar Lula do público tanto quanto comprometer nuances necessárias do conteúdo. "É um risco. Esse discurso um tanto tosco pode ser impróprio para tratar as questões internacionais, por exemplo", diz.
O coordenador da equipe que elabora os discursos do presidente, Carlos Tibúrcio, diz que a força da fala de Lula está na habilidade de equilibrar o que está no papel com improvisos em que surgem as metáforas e parábolas. "Esses recursos são natos nele. Desde o sindicato que ele tem essa habilidade metafórica."

Limite da responsabilidade
A retórica de FHC era também sedutora antes da Presidência. "[Mesmo na academia" ele sempre teve a marca do coloquialismo, não fazia discurso empolado", diz Reis. Além da ironia, um traço do "estilo FHC" era "a atração irresistível pelas palavras, o amor às frases de efeito, à ligeireza", que faziam o ex-presidente ser "quase irresponsável".
Reis refere-se aos momentos em que o tucano ganhou a piada mas arriscou "perder" a opinião pública, como ao chamar os críticos de "neobobos" ou dizer, no conforto de Fernando de Noronha, que "viver bem é no Brasil" ou ainda afirmar que a solução para a seca nordestina, além do governo federal, "depende de Deus, do tempo e da chuva".
Menos arriscadas, as metáforas de Lula, que para Marcus Figueiredo tomaram o lugar das palavras de ordem de esquerda, foram parar na propaganda do PT. Há um mês, inserção feita por Duda Mendonça comparava o país a uma casa em reformas.
Parte da estratégia de comunicação do governo. Em que também o discurso técnico de assessores e ministros, segundo Reis, complementa o discurso prosaico e emocional do presidente Lula. A pergunta é se continuará sendo possível casar parábolas com prioridades ortodoxas.


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