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São Paulo, domingo, 13 de abril de 2003

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ELIO GASPARI


Schwarzemaciel
O senador Marco Maciel recorreu a um treinador pessoal. Está trabalhando a musculatura dos seus 65 quilos, distribuídos em 1m84cm de altura. Busca correções de postura, gazeteou na última semana, mas volta a malhar em pelo menos 15 dias.

Plantão canino
Aumentou o número de cães nominalmente nacionalistas da hierarquia do governo onde reina a primeira-quadrúpede Michelle. Chama-se Peteca o cachorro do presidente do Banco Central, Henrique Meirelles.

Cargo de grife
Para o registro da história da formação do ministério de Lula:
Houve um momento em que o nome da prefeita Marta Suplicy circulou como possível escolha para o Ministério das Relações Exteriores.
Nesse caso, o deputado José Genoino seria candidato na eleição do ano que vem.

EREMILDO, O IDIOTA
Eremildo é um idiota. Leu no jornal um anúncio da loja Daslu Homem anunciando que, a partir do dia 10 de abril, venderá suas mercadorias até pela metade do preço. A Daslu ajuda cinco instituições de caridade e apóia o Programa Fome Zero. "Abra seu coração para o Brasil", diz a loja onde se pode comprar um par de meias ao preço da arrecadação municipal de Guaribas.
O idiota acha que chegou sua hora. O Fome Zero apóia a liquidação da loja, com 50% de desconto para um esquecido segmento da carência nacional, os Sem-Daslu.

Jejum de César
A cidade maravilhosa entrará no seguinte calendário:
Sexta-feira é feriado, por conta da crucifixão e morte de Jesus Cristo.
Sábado e domingo são dias de repouso.
Segunda-feira é feriado, por conta do enforcamento e morte do Tiradentes.
Como quarta-feira é feriado municipal por conta da celebração de são Jorge, aquele que matou o dragão, o prefeito Cesar Maia decretou ponto facultativo municipal na terça-feira e matou o serviço escolar.
Com isso conseguiu dar sua ajuda ao programa Fome Sempre: as crianças da rede escolar municipal comerão a merenda de quinta-feira e só voltarão a ver comida de programa público na quinta-feira da outra semana.
A última coisa que o Nazareno, são Jorge e Tiradentes seriam capazes de supor é que acabariam metidos numa coisa dessas.

Os diabinhos antiamericanos

Saiu um livro balsâmico. É "A Obsessão Antiamericana - Causas e Inconsequências", do escritor francês Jean-François Revel. (A edição é da Univercidade-RJ, e pode ser difícil achá-lo nas livrarias.) É balsâmico porque George W. Bush, Saddam Hussein e a guerra do Iraque estão patrocinando uma época de antiamericanismo endêmico. Outro dia apareceu na televisão um sujeito dizendo que o atentado de 11 de setembro "torna-se irrelevante" diante do que está acontecendo em Bagdá. O teatrólogo italiano Dario Fo já perguntou: "Que são os 20 mil mortos de Nova York (conta dele) comparados com os milhões de vítimas que os especuladores fazem a cada ano?".
De certa forma, torce-se pelo Iraque com o mesmo espírito com que se acredita na possibilidade de o time do coração vir a reagir na transmissão do videoteipe.
Revel é um escritor sanguíneo, escrachadamente pró-americano, antieuropeu e muito corajoso. Diz coisas assim: "Coisa estranha, é sempre na Europa que surgem as ditaduras e os regimes totalitários, mas é sempre a América que é fascista". Seu livro permite uma pausa para pensar, coisa que a conduta de Bush ou de Donald Rumsfeld não estimula.
O antiamericanismo é um exercício de intolerância sem passado. Quando se olha para trás, vêem-se horrores. O cidadão que passou parte de sua vida torcendo pelo fraco contra a forte, mostrando uma certa simpatia pelo Davi que enfrentava o poder dos americanos, viveu grandes batalhas, mas fez tristes papéis. Aqui vai uma lista com quatro grandes heróis do antiamericanismo dos últimos 50 anos. Ela pouco tem a ver com o livro de Revel. Todos venceram. Quem perdeu foi o torcedor. Em todos os casos, acordou ao lado do tirano. Um pior que o outro. Aos casos:

Cuba
Fidel Castro, o barbudo romântico de 1959, é hoje o mais velho ditador da mais longeva das ditaduras latino-americanas. Acabou de prender 78 dissidentes (28 jornalistas) e aplicou-lhes penas que vão de seis a 28 anos de prisão. O escritor Raúl Rivero e a economista Martha Beatriz Roque tomaram 20 anos.
Muitas foram as malfeitorias americanas contra Fidel Castro e seu regime comunista. Tentaram matá-lo, invadiram a ilha e impuseram-lhe um boicote comercial. Isso não elimina o fato de Cuba ser uma ditadura onde, além das costumeiras restrições à liberdade, o governo envolveu-se com o tráfico internacional de drogas e deu explícitas demonstrações de simpatia para com a prostituição. Nos dois casos, buscavam-se dólares.
China
Foi Mao quem ensinou: "O imperialismo [americano" é um tigre de papel". Entre 1966 e 1969 o seu livro vermelho, uma coletânea de platitudes, foi um item da iconografia esquerdista. A Revolução Cultural chinesa era a quintessência da revolta dos jovens contra as injustiças, a burocracia e o imperialismo. Doze milhões de chineses das cidades foram mandados para o campo. No Brasil, muita gente boa foi maoísta. Mao era um velho sátiro de pouca higiene; seu herdeiro Lin Piao era um viciado em morfina, semi-hidrófobo. O surto custou algo como 1 milhão de vidas ao povo chinês. O tigre americano não comeu ninguém. A Revolução Cultural é assombrada por histórias segundo as quais houve casos em que chineses comeram chineses.

Vietnã
Durante mais de dez anos o mundo clamou pela saída dos americanos do Vietnã. Marchava-se atrás da figura de tio Ho, o doce Ho Chi Minh, personificação da pobreza ascética. Uma vida comovente, contada em duas biografias que depois se descobriu terem sido escritas por ele. Em 1975, quando os americanos foram embora, muitos vietnamitas queriam ir junto. Uma das lorotas dos anos 60 dizia que os rebeldes do Vietnã do Sul (vietcongues) não eram comunistas nem pretendiam unir o país sob o domínio do Norte. Em 1979 o Sul estava anexado, a economia, coletivizada e o país, arruinado. Calcula-se que 2 milhões de vietnamitas tenham fugido em 10 mil embarcações pelos mares da Ásia. Ficaram conhecidos como "boat people" (povo dos barcos). No ano passado, o governo queimou 7,6 toneladas de livros. Só a hierarquia tem acesso a transmissões de canais de TV por satélite. O governo é o único provedor de internet. Em nome da segurança do Estado, o governo cassou todos os acessos de uma província. Assim como aconteceu nos anos 60, um monde budista imolou-se para chamar a atenção do mundo para a intolerância religiosa. Quem viu?

Irã
1979: Era uma vez um religioso islâmico que aparecia sentado ao pé de uma arvore numa cidade do interior da França. Opunha-se à monarquia pernóstica do xá do Irã, com sua história de repressão, assassinatos e roubalheiras. Chamava-se aiatolá Khomeini, tinha 78 anos, e assumiu o poder em Teerã depois de o xá ter abdicado. Chamava os Estados Unidos de "o grande Satã" e usufruiu uma simpatia parecida com a que beneficiou Fidel 20 anos antes. Era um clérigo frágil, que se dispunha a governar com a fé. Governou a ferro e fogo. Sua ditadura foi tão violenta e intolerante quanto a do xá. Fuzilou crianças, ministros do governo deposto e alguns da sua própria administração. Funciona em Teerã a Prisão 59, controlada por grupos paramilitares, onde se guardam adversários políticos do regime.

Curso Madame Natasha de piano e português

Madame Natasha tem horror a música, nunca fez nada e acredita que pode se aposentar como inativa. Ela concedeu uma de suas bolsas de estudo ao doutor Remígio Todeschini, secretário de Políticas Públicas de Emprego do Ministério do Trabalho, pela seguinte visão genial do problema:
"O ministério está lançando uma série de diretrizes para (...) fazer acontecer de fato um sistema de intermediação de mão-de-obra público e menos privado, com gestão dos atores sociais, focado no desenvolvimento regional/local, em que toda a sociedade sinergeticamente esteja voltada para a busca de postos de trabalho, numa parceria com Estados e municípios, ampliando a sua capilaridade. Tal intermediação estará voltada aos segmentos mais vulneráveis e suscetíveis ao desemprego, como jovens (Primeiro Emprego), pessoas acima de 40 anos, mulheres, afrodescendentes e portadores de deficiência".
Natasha entendeu o seguinte: o atual governo, como todos os seus antecessores, vai montar um programa de empregos destinado a dar emprego a quem promete empregos.

ENTREVISTA

Eduardo Suplicy
(61 anos, senador, PT-SP)

-O sr. acaba de propor ao presidente que suspenda o anúncio do Programa Primeiro Emprego, pelo qual o governo quer subsidiar as empresas que derem trabalho aos jovens. Por quê?
-Eu discursei no Senado depois de ter escrito uma carta ao presidente pedindo-lhe tempo para que se reflita melhor e se discuta mais. A idéia central até agora é de dar uma quantia -R$ 200, digamos- ao empresário que der trabalho a um jovem desempregado. Vamos ouvir economistas brasileiros como Paul Singer e Marcio Pochmann. Ouçamos um especialista como o inglês Guy Standing. Ele é o diretor de Seguridade Social da Organização Internacional do Trabalho. Há poucos anos, um artigo do Standing congelou um projeto de subsídios a empresários planejado pelo governo da África do Sul. Pararam tudo para pensar melhor.

-Quais são os seus argumentos, e os dele?
-Em primeiro lugar, esse projeto subsidia a empresa -o capital. Devia subsidiar o trabalho, o empregado. É isso que fazem os programas americano e inglês. O Standing mostra que o subsídio ao empresário cria diversos efeitos negativos. Primeiro, o "efeito peso morto". Nele subsidia-se a criação de um emprego que poderia vir a ser criado de qualquer maneira. Há o "efeito substituição". Você dá o subsídio para que uma empresa empregue o filho em vez de empregar o pai desempregado. Tem o "efeito trem da alegria", no qual o empresário emprega os amigos, amigas e apaniguados. Diante disso, o governo resolve fiscalizar a origem e o destino do subsídio, cria uma burocracia e isso acaba de um jeito que todos sabemos. No programa americano, se um trabalhador se vê obrigado a aceitar um salário abaixo de um determinado piso, ele sabe que receberá a diferença do governo. O empresário, se não podia produzir com a mão-de-obra a um determinado custo, sabe que o governo a subsidia. É isso que garante a competitividade de algumas industrias americanas em épocas de crise.

-O sr. tem algo a propor?
-Tenho. Antes quero deixar claro que proponho a suspensão do lançamento desse programa para evitar que alguns enganos sanáveis sejam menosprezados pela simples necessidade de lançar um programa. Talvez seja possível evitar o subsídio ao capital, que é uma forma de concentrar renda, subsidiando o trabalho. Talvez não. Há economistas renomados que acham esse caminho correto. O que eu proponho, sempre, é um programa de renda básica incondicional para a cidadania. Cada brasileiro, do desempregado de Guaribas ao Antônio Ermírio de Moraes, receberia uma quantia. Nenhuma burocracia, nenhuma possibilidade de desvio, nenhum constrangimento, nenhum paternalismo. Hoje nós temos pelo menos 15 programas de transferência de renda, cinco ou seis dos quais com a utilização de cartões de plástico. Salta aos olhos que estamos criando uma confusão. O programa de renda básica incondicional tem o apoio de economistas como Milton Friedman e James Tobin. Vigora no Alasca desde 1980 e não só é um dos programas mais populares e respeitados do Estado, como permitiu que nos anos 90 -quando a renda média dos 20% mais pobres nos Estados Unidos subiu 14%, contra 26% dos 20% mais ricos- a renda média dos 20% mais pobres crescesse 28% e a dos mais ricos, 7%. É simples: quer ajudar quem precisa? Dê-lhe renda.


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