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São Paulo, domingo, 13 de abril de 2003

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NO PLANALTO

Governo Lula experimenta cem dias de FHC

JOSIAS DE SOUZA
DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

A inda não deu para distinguir Lula de FHC. O PT tenta entender o seu papel antes de cumpri-lo. Na prática, não entrou em cena. Da coxia, faz cara de alguém que se pergunta: "Onde é que eu fui me meter?". Aproveita pouco das lembranças do partido que foi até o ano passado. Aturdidos, parlamentares petistas oscilam do júbilo à dúvida. Receiam virar figurantes da própria história.
"Cem dias. Parece mentira!"
"Não parei de me beliscar desde a posse."
"Fizemos história, companheiro. O povo descendo a Esplanada..."
"Sim, as pessoas nadando no espelho d'água do Congresso..."
"Sem contar a multidão enchendo a Praça dos Três Poderes..."
"Um sonho."
"É verdade. Embora às vezes eu perca o sono."
"Como assim?"
"Tenho tido pesadelos."
"Hein?"
"Ontem mesmo acordei no meio da noite. Sonhei que o Lula tinha perdido para o Serra."
"Que é isso, companheiro?"
"Varei a madrugada imaginando como seria o governo Serra."
"Um novo FHC. Desastre."
"Sei não. Para provar que é diferente de FHC o Serra talvez fizesse uma revolução."
"Ainda bem que vencemos. Podemos fazer a nossa própria revolução."
"Não estou tão seguro. Para conquistar a confiança do mercado, o Lula tem sido severo conosco. Quer mostrar que não temos tanta influência no governo."
"Não entendo aonde você quer chegar."
"Você sabe. Palocci, juros, FMI, arrocho, 1% para o funcionalismo..."
"Continuo sem entender."
"A eleição do Serra talvez nos tivesse favorecido mais. O tucanato estava marcado pela aliança conservadora com o PFL. Serra decerto começaria o governo buscando uma aliança com a gente. Faria concessões."
"Meu Deus! Faz sentido. Não tinha pensado nisso. Então é uma pena que o Lula tenha vencido. O Serra teria sido melhor para o PT. Ele sempre criticou o monetarismo do Malan. Hoje, poderíamos ser parceiros de um governo desenvolvimentista."
"Exatamente. Contudo, se o Serra buscasse uma aproximação com o PT, nós não poderíamos aceitar. Capitulação jamais. Diante da nossa intransigência, ele teria de ser duro conosco."
"Então, afinal, o Lula é preferível?"
"Não sei. Com o Serra no Planalto, seríamos oposição. Não precisaríamos renegar a nossa certidão de nascimento socialista. Nem chamar o Henrique Meirelles de companheiro. Continuaríamos combatendo as reformas neoliberais. Tudo como antes, entende?"
"É uma pena que o Lula não tenha chutado o pau da barraca. Deveria ter nomeado a Heloísa Helena para a Fazenda e o Babá para o Banco Central."
"Deus nos livre! Para que o mundo se virasse contra nós? Os investidores estrangeiros bateriam em retirada. O dólar dispararia. A inflação fugiria ao controle. Os quartéis ficariam nervosos. O Bush nos acusaria de terroristas. Arrumaria um pretexto para declarar guerra ao Brasil."
"Confesso que estou meio confuso, companheiro. Você poderia me dizer, em palavras simples, de forma direta, o que é melhor para o PT? O que, afinal, devemos fazer?"
"Numa palavra?"
"Sim, numa palavra. O que fazer?"
"Rezar."


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