São Paulo, quinta-feira, 13 de maio de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

IMPRENSA

Associações de jornalistas estrangeiros dizem temer censura e que, para trabalharem no Brasil, eles precisem "agradar ao governo"

Ato lembra ditadura, dizem correspondentes

DA REDAÇÃO
DA SUCURSAL DO RIO

A Associação dos Correspondentes da Imprensa Estrangeira, com sede no Rio, divulgou nota ontem em que afirma temer que a decisão do Ministério da Justiça de cancelar o visto de permanência no país do jornalista americano Larry Rohter "seja um aviso no sentido de que, para trabalhar no Brasil, [os jornalistas] devem escrever reportagens que agradem ao governo".
O texto diz que o "ato, muito grave, fere a liberdade de imprensa e lembra os períodos mais obscuros da história do país", em alusão à censura durante o regime militar (1964-1985).
Já a ACE (Associação dos Correspondentes Estrangeiros) pediu, por meio de uma carta aberta ao governo brasileiro, que a decisão de cancelar o visto de Rohter seja reconsiderada. "Nós, jornalistas da imprensa estrangeira, precisamos de nossos vistos para trabalharmos e esperamos poder exercer nossas funções sem o temor de que seremos censurados", diz a nota (leia a íntegra ao lado).

"Tradição democrática"
A Fenaj (Federação Nacional dos Jornalistas) disse, também em nota, "lamentar e repudiar" a reportagem escrita por Rohter e afirma que a postura do governo brasileiro ante a posição hegemônica dos Estados Unidos é a causa de uma "campanha difamatória". No entanto, a entidade diz que "a retaliação ao jornalista americano não combina com a tradição democrática do nosso país".
A Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo) classificou a decisão do governo de "absurda e injustificável". Segundo a associação, "a publicação de uma reportagem, seja ela qual for, não justifica uma atitude violenta como a adotada pelo governo brasileiro". O texto ainda faz menção à ditadura militar: "Trata-se de um grave atentado à liberdade de imprensa e de expressão que talvez só encontre precedente entre nós na decisão da ditadura militar de, em 1970, expulsar do Brasil o então diretor da France Press, François Pelou".
A ANJ (Associação Nacional de Jornais) lançou, no final da tarde de ontem, uma nota de repúdio à ação do governo. A ANJ é associada e representa no país a Associação Mundial de Jornais.
De acordo com a entidade, a medida "é calcada em bases legais que restaram de uma legislação autoritária tantas vezes combatida e que merece repulsa quando é retomada". A nota também faz críticas à reportagem de Larry Rohter, mas afirma que o texto "não causa mais dano ao país do que um ato de notória ameaça à liberdade de imprensa".

Repercussão internacional
Há dúvidas sobre a existência da liberdade de imprensa no Brasil. Foi o que disse ontem a Iapa (sigla em inglês da Sociedade Interamericana de Imprensa) sobre a atitude do governo brasileiro de cancelar o visto do correspondente do "New York Times" no país. A entidade representa cerca de 1.300 periódicos nas Américas.
Segundo o jornalista da República Dominicana Rafael Molina, presidente da Comissão de Liberdade de Imprensa e Informação da Iapa, a medida é "desapropriada". "Com essa decisão, se põe em dúvida a verdadeira existência da liberdade de imprensa no Brasil."
Para Molina, o cancelamento do visto do jornalista americano desrespeita a Declaração de Chapultepec. O texto -assinado na cidade mexicana em 1994, durante a Conferência Hemisférica sobre Liberdade de Expressão- reúne princípios de liberdade de imprensa. "A declaração diz que nenhum meio de comunicação ou jornalista deve ser sancionado por formular críticas ou denúncias contra o poder público."
Já a IFJ (sigla em inglês da Federação Internacional dos Jornalistas) -que representa cerca de 500 mil profissionais da área em mais de cem países- divulgou nota ontem pedindo ao governo brasileiro para reconsiderar o cancelamento do visto de Rohter.
O texto diz que o problema deve ser resolvido por meio do diálogo, e não da expulsão do repórter do país. "Uma resposta oficial à reportagem seria mais apropriada do que essa punição", disse Aidan White, secretário-geral da IFJ.
O Comitê de Proteção aos Jornalistas, órgão independente com sede em Nova York, também se manifestou contrário à decisão. "Como figura pública, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva deveria esperar e tolerar a investigação da imprensa, tanto das suas políticas quanto da sua conduta no governo", disse a diretora-executiva do CPJ, Ann Copper. "O ato envia um sinal cristalino, tanto para a imprensa nacional como para a mídia internacional, sobre a intolerância do governo para reportagens críticas." (VINÍCIUS QUEIROZ GALVÃO, VIRGILIO ABRANCHES E MICHELE OLIVEIRA)


Texto Anterior: Regime militar expulsou jornalista em 1970
Próximo Texto: "Expulsão é grave e fere a liberdade de imprensa"
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.