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IMPRENSA
Associações de jornalistas estrangeiros dizem temer censura e que, para trabalharem no Brasil, eles precisem "agradar ao governo"
Ato lembra ditadura, dizem correspondentes
DA REDAÇÃO
DA SUCURSAL DO RIO
A Associação dos Correspondentes da Imprensa Estrangeira,
com sede no Rio, divulgou nota
ontem em que afirma temer que a
decisão do Ministério da Justiça
de cancelar o visto de permanência no país do jornalista americano Larry Rohter "seja um aviso no
sentido de que, para trabalhar no
Brasil, [os jornalistas] devem escrever reportagens que agradem
ao governo".
O texto diz que o "ato, muito grave,
fere a liberdade de imprensa e
lembra os períodos mais obscuros da história do país", em alusão
à censura durante o regime militar (1964-1985).
Já a ACE (Associação dos Correspondentes Estrangeiros) pediu, por meio de uma carta aberta
ao governo brasileiro, que a decisão de cancelar o visto de Rohter
seja reconsiderada. "Nós, jornalistas da imprensa estrangeira,
precisamos de nossos vistos para
trabalharmos e esperamos poder
exercer nossas funções sem o temor de que seremos censurados",
diz a nota (leia a íntegra ao lado).
"Tradição democrática"
A Fenaj (Federação Nacional
dos Jornalistas) disse, também
em nota, "lamentar e repudiar" a
reportagem escrita por Rohter e
afirma que a postura do governo
brasileiro ante a posição hegemônica dos Estados Unidos é a causa
de uma "campanha difamatória".
No entanto, a entidade diz que "a
retaliação ao jornalista americano
não combina com a tradição democrática do nosso país".
A Abraji (Associação Brasileira
de Jornalismo Investigativo) classificou a decisão do governo de
"absurda e injustificável". Segundo a associação, "a publicação de
uma reportagem, seja ela qual for,
não justifica uma atitude violenta
como a adotada pelo governo
brasileiro". O texto ainda faz
menção à ditadura militar: "Trata-se de um grave atentado à liberdade de imprensa e de expressão que talvez só encontre precedente entre nós na decisão da ditadura militar de, em 1970, expulsar do Brasil o então diretor da
France Press, François Pelou".
A ANJ (Associação Nacional de
Jornais) lançou, no final da tarde
de ontem, uma nota de repúdio à
ação do governo. A ANJ é associada e representa no país a Associação Mundial de Jornais.
De acordo com a entidade, a
medida "é calcada em bases legais
que restaram de uma legislação
autoritária tantas vezes combatida e que merece repulsa quando é
retomada". A nota também faz
críticas à reportagem de Larry
Rohter, mas afirma que o texto
"não causa mais dano ao país do
que um ato de notória ameaça à
liberdade de imprensa".
Repercussão internacional
Há dúvidas sobre a existência
da liberdade de imprensa no Brasil. Foi o que disse ontem a Iapa
(sigla em inglês da Sociedade Interamericana de Imprensa) sobre
a atitude do governo brasileiro de
cancelar o visto do correspondente do "New York Times" no país.
A entidade representa cerca de
1.300 periódicos nas Américas.
Segundo o jornalista da República Dominicana Rafael Molina,
presidente da Comissão de Liberdade de Imprensa e Informação
da Iapa, a medida é "desapropriada". "Com essa decisão, se põe em
dúvida a verdadeira existência da
liberdade de imprensa no Brasil."
Para Molina, o cancelamento do
visto do jornalista americano desrespeita a Declaração de Chapultepec. O texto -assinado na cidade mexicana em 1994, durante a
Conferência Hemisférica sobre
Liberdade de Expressão- reúne
princípios de liberdade de imprensa. "A declaração diz que nenhum meio de comunicação ou
jornalista deve ser sancionado
por formular críticas ou denúncias contra o poder público."
Já a IFJ (sigla em inglês da Federação Internacional dos Jornalistas) -que representa cerca de
500 mil profissionais da área em
mais de cem países- divulgou
nota ontem pedindo ao governo
brasileiro para reconsiderar o
cancelamento do visto de Rohter.
O texto diz que o problema deve
ser resolvido por meio do diálogo,
e não da expulsão do repórter do
país. "Uma resposta oficial à reportagem seria mais apropriada
do que essa punição", disse Aidan
White, secretário-geral da IFJ.
O Comitê de Proteção aos Jornalistas, órgão independente com
sede em Nova York, também se
manifestou contrário à decisão.
"Como figura pública, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva deveria esperar e tolerar a investigação da imprensa, tanto das suas
políticas quanto da sua conduta
no governo", disse a diretora-executiva do CPJ, Ann Copper. "O
ato envia um sinal cristalino, tanto para a imprensa nacional como
para a mídia internacional, sobre
a intolerância do governo para reportagens críticas."
(VINÍCIUS QUEIROZ GALVÃO, VIRGILIO ABRANCHES E
MICHELE OLIVEIRA)
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