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Igrejas do papa e da América Latina se opõem em encontro
Em Aparecida, conferência discute a partir de hoje se região mantém foco político e social, intervindo em defesa de minorias
Bispos vão disputar entre tradição da AL e "pauta" do papa, com ênfase na defesa de valores morais em temas como o aborto e a família
RAFAEL CARIELLO
DA REPORTAGEM LOCAL
Quando Bento 16 fizer hoje,
em Aparecida (SP), o discurso
de abertura da 5ª Conferência
Geral do Episcopado da América Latina e do Caribe, os bispos
da região passarão a travar uma
disputa política entre um modelo de igreja mais próximo do
pensamento do papa e outro,
de tradição latino-americana.
O que está em jogo é se a Igreja Católica da região continuará
dando centralidade a temas políticos e sociais -intervindo no
debate público em defesa principalmente de minorias- ou se
penderá a ênfase dos discursos
para a luta por valores mais
centrados na conduta ética de
cada indivíduo, em temas como
aborto, família e limites morais
para a pesquisa científica.
A resposta virá de um documento final, a ser apresentado
ao papa e depois ao mundo, elaborado em comissões e votações pelos bispos delegados de
todas as conferências episcopais da região. A conferência de
Aparecida vai até o dia 31 e reúne 266 pessoas -a maioria bispos, além de padres e leigos.
A "pauta" do papa e aliados
foi claramente estabelecida no
discurso de Bento 16 à Conferência Nacional dos Bispos do
Brasil anteontem. Ele disse que
problemas sociais e políticos
devem se subordinar à vocação
primordial da igreja: o anúncio
da verdade da fé em Cristo. "Esta é a finalidade, e não outra, a
finalidade da igreja, a salvação
das almas, uma a uma."
Nesse mesmo discurso, criticou mais uma vez o aborto, a
"ferida do divórcio" e as uniões
livres. Após três dias de visita,
era impossível que alguém ainda não tivesse entendido suas
prioridades "apostólicas".
"Nesse discurso, ele colocou
a agenda do que para ele é essencial. Com certeza será a
agenda do que virá a ser discutido em Aparecida", afirma d. Filippo Santoro, bispo de Petrópolis. "O ponto-chave do discurso foi definir bem qual é a
missão do bispo: o essencial é
pregar a verdade da fé. Se o papa insiste nisso, quer dizer que
nem sempre foi assim."
Pobres
O problema é que boa parte
da igreja da América Latina
acredita que "pregar a verdade
da fé" é fazer uma "opção preferencial pelos pobres". "Só a
igreja pode dar resposta à grande exclusão de nossas sociedades. Ou ela se alia aos pobres,
ou eles não terão aliados", diz
Carlos Signorelli, presidente do
Conselho Nacional do Laicato
do Brasil e indicado pela CNBB
a participar da quinta conferência, sem direito a voto.
Ele diz que a opção preferencial pelos pobres, a ênfase no
trabalho dos leigos e o método
típico da Teologia da Libertação ("ver, julgar e agir", ou seja,
partir da realidade para tirar
conclusões) estão contemplados no documento-síntese elaborado para o trabalho dos bispos em Aparecida, mas não
com a força do compromisso
que muitos desejariam.
Segundo Signorelli, "desde
Puebla", onde ocorreu a terceira conferência episcopal, em
1978, "há uma disputa de modelo de igreja na América Latina". Um dos lados aposta no
compromisso com os mais pobres; outro critica o uso de métodos sociológicos para a compreensão da igreja e aposta na
evangelização da classe média.
O confronto de idéias, nas
próximas semanas, não ocorrerá apenas nas salas fechadas em
que os bispos se reunirão. É
nisso que a ala comprometida
com a ação social aposta.
"Nas outras conferências, até
os momentos de celebração
eram exclusivos dos integrantes", diz o padre José Oscar
Beozzo. "Nessa, as missas diárias serão na basílica, e o povo
pode participar." E pressionar.
Beozzo participou, ao lado de
líderes de setores da igreja como as pastorais Operária, Carcerária e de Moradia, da montagem de um "fórum de participação", que terá uma tenda em
Aparecida. Eles planejam atos,
como uma romaria na madrugada do dia 19 para o 20, entre
Roseiras e Aparecida (distância
de 10 km). A idéia é que haja
maior "interação" entre o "povo" e os bispos, explica o padre.
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