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JANIO DE FREITAS
O maior país de festas
Tudo no Brasil há de ser festivo, ou não acontece. Porque festa é o que importa. Os brasileiros têm a ressaca que merecem
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AS TANTAS citações, nos últimos dias, do Brasil como "o
maior país católico do mundo" perderam, mais uma vez, a oportunidade do acréscimo necessário: o
maior país de católicos que não praticam o catolicismo. Os praticantes
de fato são em número que, mesmo
sem considerarmos a imensidão populacional brasileira, não leva grande vantagem sobre outros países
também ditos católicos.
A dificuldade de compreender ou
lidar com esse catolicismo tem vencido, no Brasil, a cruzada de João
Paulo 2º e, agora, de Bento 16 contra
o legado modernizador da Igreja Católica empreendido por João 23.
Mas, apesar de nem ao menos atenuarem o crescimento avassalador
dos evangélicos, as visitas papais
constituem festas, aparentemente
festas de devoção, com grandiosidade popular fenomenal. Não é contraditório que assim seja.
Incontáveis entrevistas dos peregrinos atraídos pela presença do papa, de muitos dos emocionados até
às lágrimas e, inclusive, da própria
personagem central do que seria um
milagre de frei Galvão, invalidaram
a hipótese de que ali as multidões
fossem de praticantes de fato. Em
provável e ampla maioria, católicos
à brasileira.
A nova evidência da relação que os
católicos brasileiros mantêm com o
catolicismo me sugeriu o plano do
mais terreno, por exemplo e para
não negar a regra, a violência urbana
e suas vítimas. São brasileiramente
idênticas as práticas do catolicismo
aparente e as aparências de ação da
sociedade contra a violência.
Nestas também não há ação e integração efetivas, ninguém faz mais
do que reclamar.
A reclamação coletiva contra a
violência tem, necessariamente, algum tempero lúdico, festivo, digamos, um "lazer participativo". Pessoas deitadas, paralelas, no calçadão
de Copacabana, a pretexto de simbolizarem as vítimas inocentes da
violência armada. Uma "instalação"
humana. Ou, em número semelhante, cruzes enfileiradas na areia. E
daí? Daí, nada. Ou melhor, daí temos
mais desfiles de faixas reclamantes e
de camisetas que disputam em originalidade de dizeres ou imagens.
São, sim, desfiles de protesto -mas
sempre na praia, em dia com a moda, porque depois é cada um se procurar nas primeiras páginas e na TV
em plena e dignificante ação contra
a violência. Em meio a tanta brasilidade, os pais do menino João Hélio
só poderiam mesmo ver-se criticados, em jornal e TV, por seu gesto
digno de proibir a imagem do filho
em camisetas comercializadas para
mais desfiles praieiros.
Este registro acariocado se explica
em razão da preferência desfrutada
pelo Rio, nos meios de comunicação,
quando se trata de crime, outras violências e demais formas de decomposição social. Mas, assim como a
degradação, as aparências de ação da
sociedade contra a violência estão
disseminadas pelo país. Com duas
diferenças em relação ao Rio: têm
freqüência e expressão ainda menor
e, em geral, não compõem a elegância um tanto cômica dos calçadões
de praia.
Tudo no Brasil há de ser festivo,
ou não acontece. Porque a festa é o
que importa.
Está aí o prefeito de São Paulo,
Gilberto Kassab, protestando porque a imprensa destacou mais a baderna feroz gerada na tal Virada de
música e rock, promovida pela prefeitura, do que reportou a festa. Promover festas desse tipo só é função
de prefeituras, e seus cofres, no Brasil. O que importa é a festa.
A violência variada, a desordem
das cidades, o caos social, tudo isso
não apenas motiva festas, como é
parte delas. Os brasileiros têm a ressaca que merecem.
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