São Paulo, domingo, 13 de maio de 2007

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JANIO DE FREITAS

O maior país de festas


Tudo no Brasil há de ser festivo, ou não acontece. Porque festa é o que importa. Os brasileiros têm a ressaca que merecem

AS TANTAS citações, nos últimos dias, do Brasil como "o maior país católico do mundo" perderam, mais uma vez, a oportunidade do acréscimo necessário: o maior país de católicos que não praticam o catolicismo. Os praticantes de fato são em número que, mesmo sem considerarmos a imensidão populacional brasileira, não leva grande vantagem sobre outros países também ditos católicos.
A dificuldade de compreender ou lidar com esse catolicismo tem vencido, no Brasil, a cruzada de João Paulo 2º e, agora, de Bento 16 contra o legado modernizador da Igreja Católica empreendido por João 23. Mas, apesar de nem ao menos atenuarem o crescimento avassalador dos evangélicos, as visitas papais constituem festas, aparentemente festas de devoção, com grandiosidade popular fenomenal. Não é contraditório que assim seja.
Incontáveis entrevistas dos peregrinos atraídos pela presença do papa, de muitos dos emocionados até às lágrimas e, inclusive, da própria personagem central do que seria um milagre de frei Galvão, invalidaram a hipótese de que ali as multidões fossem de praticantes de fato. Em provável e ampla maioria, católicos à brasileira.
A nova evidência da relação que os católicos brasileiros mantêm com o catolicismo me sugeriu o plano do mais terreno, por exemplo e para não negar a regra, a violência urbana e suas vítimas. São brasileiramente idênticas as práticas do catolicismo aparente e as aparências de ação da sociedade contra a violência.
Nestas também não há ação e integração efetivas, ninguém faz mais do que reclamar.
A reclamação coletiva contra a violência tem, necessariamente, algum tempero lúdico, festivo, digamos, um "lazer participativo". Pessoas deitadas, paralelas, no calçadão de Copacabana, a pretexto de simbolizarem as vítimas inocentes da violência armada. Uma "instalação" humana. Ou, em número semelhante, cruzes enfileiradas na areia. E daí? Daí, nada. Ou melhor, daí temos mais desfiles de faixas reclamantes e de camisetas que disputam em originalidade de dizeres ou imagens. São, sim, desfiles de protesto -mas sempre na praia, em dia com a moda, porque depois é cada um se procurar nas primeiras páginas e na TV em plena e dignificante ação contra a violência. Em meio a tanta brasilidade, os pais do menino João Hélio só poderiam mesmo ver-se criticados, em jornal e TV, por seu gesto digno de proibir a imagem do filho em camisetas comercializadas para mais desfiles praieiros.
Este registro acariocado se explica em razão da preferência desfrutada pelo Rio, nos meios de comunicação, quando se trata de crime, outras violências e demais formas de decomposição social. Mas, assim como a degradação, as aparências de ação da sociedade contra a violência estão disseminadas pelo país. Com duas diferenças em relação ao Rio: têm freqüência e expressão ainda menor e, em geral, não compõem a elegância um tanto cômica dos calçadões de praia.
Tudo no Brasil há de ser festivo, ou não acontece. Porque a festa é o que importa.
Está aí o prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, protestando porque a imprensa destacou mais a baderna feroz gerada na tal Virada de música e rock, promovida pela prefeitura, do que reportou a festa. Promover festas desse tipo só é função de prefeituras, e seus cofres, no Brasil. O que importa é a festa.
A violência variada, a desordem das cidades, o caos social, tudo isso não apenas motiva festas, como é parte delas. Os brasileiros têm a ressaca que merecem.


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