São Paulo, terça-feira, 13 de maio de 2008

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JANIO DE FREITAS

Os fatos sem reservas


O propósito atual de militares é obscuro; a tendência, não -é consagrada pela história brasileira, entre outras

É UM CLIMA bem conhecido em sua formação e nas tendências possíveis, cuja última presença, bastante abrandada e silenciosa, deu-se durante a veloz fermentação que levou ao afastamento de Collor. Já há quem faça a ponderação (ou advertência?) de que, em caso de decisão do Supremo Tribunal Federal favorável à reserva indígena Raposa/Serra do Sol como homologada por Lula, será muito "mal recebida no Exército" -velha expressão de um só sentido em sua longa fase de uso.
A divergência em torno de reserva única ou de bolsões esparsos para indígenas, em Roraima, põe em xeque muito mais do que as teses de exploração econômica na Amazônia, da defesa territorial na região e da proteção à sobrevivência física e cultural dos indígenas. O mais importante está explícito em pequena seqüência de fatos muitos claros.
No cenário histórico do Clube Militar, o primeiro ato deu-se há um mês, em 16 abril, com a inesperada palestra de um general exaltado contra ato do presidente da República, ao qual fez a exigência de que voltasse atrás "imediatamente" na homologação da reserva. Chefe do Comando Militar da Amazônia, o general Augusto Heleno Ribeiro Pereira e sua palestra eram o centro da reunião pública preparada para demonstrar a adesão do auditório, composto de reformados como de altos oficiais fardados, o próprio orador vestido eloqüentemente com roupa de campanha.
Para o início da última semana foi programada outra manifestação, na linha da anterior, valendo-se do aniversário do Colégio Militar no Rio. À última hora, foi sustado o que arriscava ser, além de outra atitude pública, uma aula de agitação. Os pronunciamentos orais foram substituídos pelo numeroso uso de camisetas de campanha com a pouco elucidativa inscrição "A Amazônia é nossa". Nossa, de quem? As circunstâncias sugeriam variadas interpretações, com prioridade para a mais imprópria. Ao que se pode deduzir, porém, o esclarecimento ficou entregue aos fatos futuros.
O terceiro ato deu-se em um palco à primeira vista improvisado, mas nada assegura que o fosse. Na descrição do repórter Evandro Éboli no "Globo", políticos, arrozeiros e comerciantes foram recebidos dentro do 7º Batalhão de Infantaria de Selva para sua manifestação contra a reserva como demarcada no governo Fernando Henrique e homologada por Lula. A oratória, a cargo de um deputado, atacou o presidente da República, o ministro da Justiça e a Polícia Federal.
Em sua resposta, o general Eliezer Monteiro (principal autoridade do Exército no Estado e subordinado ao general Augusto Heleno Pereira) considerou que seu chefe "falou [no Clube Militar] o que precisa ser falado" e, com coerência, fez uma recomendação aos manifestantes: "Cobrem respeito à propriedade de vocês (...), a terra que está lá, ainda que dentro da Raposa, ainda está sob o nome das suas famílias, são [sic] dos senhores". Na crítica ao Conselho Indigenista de Roraima e ao bloqueio de estrada pelos índios, o general considerou, apesar dos atos legais instituidores da reserva, que os índios apenas "se arvoram como donos das terras". Mas não considera que a manifestação fosse política.
Para políticos e civis em geral, esses atos em seqüência seriam normais no Estado de Direito. Os canais dos militares, para suas teses, atitudes e reivindicações são outros, segundo a própria doutrina que adotaram em teoria. Sempre que episódios interligados extravasaram os canais adequados e não foram respondidos pelos responsáveis maiores nos termos da própria doutrina militar, resultaram em crises. Como foi, com freqüência, o seu propósito.
O propósito atual é obscuro. A tendência, não. É consagrada pela história brasileira, entre outras.


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