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ELIO GASPARI
A enérgica repressão
A transposição das desordens produzidas pela seca para o prontuário dos dirigentes
do movimento dos sem-terra é
demofobia barata. É também
ignorância e reflexo da falta
de imaginação do andar de
cima.
É demofobia porque o governo está cansado de saber
que o MST tem bases frágeis
no semi-árido nordestino, onde se deu boa parte dos saques. O MST é fraco no semi-árido porque não é bobo.
Sabe que naquelas terras de
xique-xique e bodes nem agitação prospera. Ele foi responsável, documentadamente,
por pelo menos um saque, o de
Gravatá, em Pernambuco. O
enquadramento legal das pessoas que incitam e organizam
saques é medida necessária e
prudente, porém inútil para o
tratamento do problema.
Pode-se prender toda a direção do MST, bem como todos
os seus simpatizantes e a
questão dos flagelados continuará do mesmo tamanho,
assim como as terras do deputado Inocêncio Oliveira em
Serra Talhada continuarão
perfeitamente irrigadas. Ao
contrário do governo, o deputado sabe que o problema do
semi-árido não se resolve com
terra, cesta de comida ou pancada. Resolve-se com água e
ele arrumou a sua.
Se cadeia desse jeito em saque, a seca já teria deixado de
ser problema há mais de cem
anos. O nordestino esperaria
o dia de São José e, sem chuva,
saquearia o armazém mais
próximo. Preso, comeria de
graça. Tanto é melhor viver
na cadeia que na caatinga seca que os 500 presos de São
José do Rio Preto, no interior
de São Paulo, resolveram jejuar duas vezes por semana
para mandar comida aos flagelados.
Chega a ser comovente ouvir
as declarações do ministro da
Justiça, Renan Calheiros. Com
gosto por frases feitas, informou o seguinte: "Não permitiremos que a indústria da seca
se transforme na indústria do
saque." Ou isso não quer dizer
nada (o que parece ser o caso,
como costuma acontecer com
declarações do gênero) ou
quer dizer o seguinte: "Temos
a indústria da seca, que eu
conheço bem porque vivo no
berço irrigado da plutocracia
alagoana, e não permitiremos
que a turbamulta a transforme numa indústria do saque,
levando consigo algo que nos
pertence".
Os mitos são essenciais para
a manutenção da desordem
nordestina. Já houve o mito
de Canudos, aquele movimento de inspiração monárquica
que derrubava a cotação dos
papéis brasileiros em Londres.
Depois veio Lampião, o bandido que personificava a ausência do poder do Estado no
semi-árido. Teve também Padim Ciço, que resolve tudo
com milagres, e Francisco Julião, cujas Ligas Camponesas
transformariam o Nordeste
numa velha Cuba. Agora o
braço demófobo do tucanato
quer criar o mito do MST. Pode fazê-lo, mas valeria a pena
que lessem a entrevista que
FFHH deu ao jornalista Roberto Pompeu de Toledo, publicada no livro "O Presidente
e o Sociólogo". Nele, o sociólogo demonstra um perfeito conhecimento do que é o MST.
Chega a entendê-lo. Não diz
muito de novo, simplesmente
se mantém ao largo da histeria que o presidente chega a
estimular.
A falta de imaginação do
tucanato pode ser medida
olhando-se para a memória
da seca de 1877. D. Pedro 2º
tinha aos seus pés um flagelo
que pode ter matado meio milhão de pessoas e, em sua fala
do trono de 1878, dedicou 85
palavras ao anúncio do nascimento de seu neto D. Luís,
bem como ao pedido de licença da princesa Isabel, que passaria dois anos na Europa,
acompanhando o tratamento
de saúde do príncipe do
Grão-Pará. Para a seca, 47
palavras. No ano seguinte,
mandou o pau na choldra:
"É lamentável, porém, que
em alguns lugares deixasse de
haver segurança individual e
de propriedade.(...) O governo
empenha-se em combater essas causas e acredita que, cessando os efeitos daquele flagelo e mediante enérgica repressão do crime, seja mantida a
segurança individual e respeitada a propriedade".
O príncipe do Grão-Pará e
seu irmão, d. Luís, perderam-se na poeira do tempo. A
família do imperador foi
mandada de vez para a Europa (na comitiva de oficiais
que entregou a d. Pedro 2º a
carta de banimento estava o
avô de FFHH), mas a seca de
1877 a cada dia adquire um
peso maior na história nacional.
Enérgica repressão é coisa
que o Estado brasileiro sabe
muito bem exercitar. É rigoroso quando se saqueiam armazéns (cujos donos têm todo o
direito de exigir a proteção de
seu patrimônio) e tolerante
quando se saqueiam os fundos públicos de financiamento (cujo dono, a Viúva, não
tem quem a defenda). É mais
fácil fingir que se defende a
ordem prendendo o MST do
que discutir que tipo de ordem se defende num lugar onde o dinheiro público é usado
para canalizar água na direção de quem tem poder e dinheiro.
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