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CELSO PINTO
O Brasil virou a
"bola da vez"
A reação dos mercados externos ao Brasil tem sido
exagerada?
Sem dúvida, responde o administrador de um grande fundo
de investimentos institucional,
com muito dinheiro na América
Latina e no Brasil. "O C-Bond
(título da dívida brasileira), hoje a 66 centavos de dólar, pode
facilmente subir para 80 centavos", pondera: "O problema é
que existe o risco real de, numa
crise, ele cair para 40 ou 30 centavos".
O Brasil, diz um banqueiro
europeu, virou a "bola da vez".
Quem decretou que o Brasil havia escapado ileso do contágio
argentino, o que parecia verdade até recentemente, está revendo seu juízo. As atenções estão
voltadas para o Brasil, as eleições presidenciais e a dívida interna. Em situações como esta, é
difícil evitar nervosismo e volatilidade.
E exageros, como o de atribuir
mais risco ao Brasil do que ao
Equador. O risco a curto prazo
de um calote nos compromissos
externos é irrisório. Nas contas
de um banco, até o final do ano
os pagamentos de juros e principal da dívida externa do setor
público somarão uns US$ 5 bilhões.
O Brasil tem US$ 32 bilhões de
reservas cambiais, pode embolsar mais US$ 10,4 bilhões do
FMI. Tem US$ 8,5 bilhões disponíveis para usar sem chegar ao
piso mínimo exigido pelo fundo
e pode negociar uma redução
deste piso. A dívida externa líquida do setor público soma
apenas 10% do PIB. A privada,
num regime de câmbio flutuante, é, teoricamente, problema do
setor privado. De fato, casos recentes de não pagamentos privados viraram renegociações
"normais" entre credores e devedores.
Ao contrário da Argentina, a
dívida interna não se confunde
com a externa. É verdade que
quase 30% da dívida interna
em títulos é indexada ao dólar,
mas é devida em reais: o impacto direto é fiscal, não cambial.
Quem é credor do Brasil em
dólar, lá fora, não deveria estar
tão preocupado. No entanto, o
preço dos papéis brasileiros (que
formam o EMBI, que mede o
"risco Brasil") não pára de despencar. Por quê?
Um banco diz que houve vendas fortes de fundos "não dedicados". São investidores que
não operam apenas com emergentes e América Latina, mas
que costumam comprar alguns
papéis emergentes para engordar a remuneração de suas carteiras. O papel preferido é o C-Bond brasileiro, porque é o de
maior liquidez. São fundos com
menor grau de informação sobre Brasil. Quando ouvem falar
em risco de "argentinização",
são os primeiros a vender tudo.
Há também operações de fundos de hedge, os mais especulativos. Não é nada parecido às
enormes apostas que fizeram
contra o Brasil no final do câmbio controlado, mas eles têm se
aproveitado das incertezas.
O maior temor é a dívida interna, alta demais. A dívida
bruta, comparável à dos outros
países, está em 74% do PIB.
Com esqueletos a serem absorvidos, pode chegar a 84% do PIB.
Mesmo a dívida líquida, de 54%
do PIB, é muito elevada.
Ao contrário da Argentina,
contudo, os credores da dívida
interna não são os mesmos da
dívida externa. Da dívida mobiliária, 36% estão com fundos
mútuos e de pensão (aplicações
da classe média), 36% estão
com bancos comerciais, 14% são
recolhimentos compulsórios no
BC, 7% estão nas mãos de empresas e 6% em pessoas físicas
ou outros. Uma boa parcela,
portanto, está nas mãos de investidores mais estáveis, por terem menos opções para seu dinheiro.
O medo com o acúmulo de
vencimentos no início do próximo ano também parece exagerado. Mesmo depois da concentração recente, a média mensal
de vencimentos em 2003 está em
R$ 14 bilhões, calcula o BBV
Banco, o que se compara a R$
16,8 bilhões em 2001 e R$ 13,5 bilhões no segundo semestre deste
ano.
Apesar de todos esses senões, a
razão básica para o nervosismo
é que uma crise de confiança pode piorar muito, e rapidamente,
o quadro. Se o temor é de uma
troca forçada de dívida, com
prejuízos, no início do próximo
governo, nenhum papel é bom,
nem mesmo os indexados ao
câmbio. O único refúgio é o dólar, ou ativos reais. Já estamos
vendo sinais de aceleração nas
remessas de dólares. Nada comparável a 1998, mas um mau sinal.
Há quem argumente que, com
câmbio flutuante, não há crise
porque, a uma certa cotação
real/dólar, o país volta a atrair
dólares. O problema é saber se o
BC deixará o câmbio subir sem
parar. A política do BC tem sido
a de intervir quando vê situações de pânico. Se papel indexado não funcionar, teria que gastar reservas.
No pior cenário, mais desvalorização originada de mais remessas poderia não atrair, necessariamente, investidores externos. Um importante economista argumenta que, numa situação de estresse, a fragilidade
do câmbio flutuante seria parecida à de qualquer outro regime
cambial, inclusive o "currency
board" argentino. Pioram as
contas externas, pioram as internas. No limite, o BC teria que
encurtar ao máximo os prazos
dos papéis, até girar a dívida a
cada dia. Uma "bomba relógio"
difícil de desarmar. Muitos bancos com títulos longos na carteira teriam perdas contábeis
enormes, gerando desconfiança.
O quadro seria de uma crise financeira e bancária clássica.
Esse é um cenário extremo,
improvável, mas não impossível. Este governo teria armas
para adiar um desfecho, com dinheiro do FMI, ajuste fiscal adicional, intervenções no mercado, novos tipos de papéis etc. O
próximo governo, principalmente se for de oposição, correria o risco de ganhar e não governar, ou seja, ser engolfado
por uma crise gigantesca.
Por imaginar que setores mais
responsáveis da oposição sabem
desse risco, altos funcionários
da área econômica do governo
apostam que ainda haverá alguma sinalização da oposição
para tentar acalmar o mercado.
O gesto mais forte seria o PT indicar, com bastante antecedência, alguém mais conservador
para o BC. Discutir se a culpa é
de quem tornou o país frágil (este governo), ou de quem assusta
o mercado (a oposição), pode
ajudar na campanha, mas não
resolve o problema.
E-mail: CelPinto@uol.com.br
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