São Paulo, quinta-feira, 13 de junho de 2002

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CELSO PINTO

O Brasil virou a "bola da vez"

A reação dos mercados externos ao Brasil tem sido exagerada?
Sem dúvida, responde o administrador de um grande fundo de investimentos institucional, com muito dinheiro na América Latina e no Brasil. "O C-Bond (título da dívida brasileira), hoje a 66 centavos de dólar, pode facilmente subir para 80 centavos", pondera: "O problema é que existe o risco real de, numa crise, ele cair para 40 ou 30 centavos".
O Brasil, diz um banqueiro europeu, virou a "bola da vez". Quem decretou que o Brasil havia escapado ileso do contágio argentino, o que parecia verdade até recentemente, está revendo seu juízo. As atenções estão voltadas para o Brasil, as eleições presidenciais e a dívida interna. Em situações como esta, é difícil evitar nervosismo e volatilidade.
E exageros, como o de atribuir mais risco ao Brasil do que ao Equador. O risco a curto prazo de um calote nos compromissos externos é irrisório. Nas contas de um banco, até o final do ano os pagamentos de juros e principal da dívida externa do setor público somarão uns US$ 5 bilhões.
O Brasil tem US$ 32 bilhões de reservas cambiais, pode embolsar mais US$ 10,4 bilhões do FMI. Tem US$ 8,5 bilhões disponíveis para usar sem chegar ao piso mínimo exigido pelo fundo e pode negociar uma redução deste piso. A dívida externa líquida do setor público soma apenas 10% do PIB. A privada, num regime de câmbio flutuante, é, teoricamente, problema do setor privado. De fato, casos recentes de não pagamentos privados viraram renegociações "normais" entre credores e devedores.
Ao contrário da Argentina, a dívida interna não se confunde com a externa. É verdade que quase 30% da dívida interna em títulos é indexada ao dólar, mas é devida em reais: o impacto direto é fiscal, não cambial.
Quem é credor do Brasil em dólar, lá fora, não deveria estar tão preocupado. No entanto, o preço dos papéis brasileiros (que formam o EMBI, que mede o "risco Brasil") não pára de despencar. Por quê?
Um banco diz que houve vendas fortes de fundos "não dedicados". São investidores que não operam apenas com emergentes e América Latina, mas que costumam comprar alguns papéis emergentes para engordar a remuneração de suas carteiras. O papel preferido é o C-Bond brasileiro, porque é o de maior liquidez. São fundos com menor grau de informação sobre Brasil. Quando ouvem falar em risco de "argentinização", são os primeiros a vender tudo.
Há também operações de fundos de hedge, os mais especulativos. Não é nada parecido às enormes apostas que fizeram contra o Brasil no final do câmbio controlado, mas eles têm se aproveitado das incertezas.
O maior temor é a dívida interna, alta demais. A dívida bruta, comparável à dos outros países, está em 74% do PIB. Com esqueletos a serem absorvidos, pode chegar a 84% do PIB. Mesmo a dívida líquida, de 54% do PIB, é muito elevada.
Ao contrário da Argentina, contudo, os credores da dívida interna não são os mesmos da dívida externa. Da dívida mobiliária, 36% estão com fundos mútuos e de pensão (aplicações da classe média), 36% estão com bancos comerciais, 14% são recolhimentos compulsórios no BC, 7% estão nas mãos de empresas e 6% em pessoas físicas ou outros. Uma boa parcela, portanto, está nas mãos de investidores mais estáveis, por terem menos opções para seu dinheiro.
O medo com o acúmulo de vencimentos no início do próximo ano também parece exagerado. Mesmo depois da concentração recente, a média mensal de vencimentos em 2003 está em R$ 14 bilhões, calcula o BBV Banco, o que se compara a R$ 16,8 bilhões em 2001 e R$ 13,5 bilhões no segundo semestre deste ano.
Apesar de todos esses senões, a razão básica para o nervosismo é que uma crise de confiança pode piorar muito, e rapidamente, o quadro. Se o temor é de uma troca forçada de dívida, com prejuízos, no início do próximo governo, nenhum papel é bom, nem mesmo os indexados ao câmbio. O único refúgio é o dólar, ou ativos reais. Já estamos vendo sinais de aceleração nas remessas de dólares. Nada comparável a 1998, mas um mau sinal.
Há quem argumente que, com câmbio flutuante, não há crise porque, a uma certa cotação real/dólar, o país volta a atrair dólares. O problema é saber se o BC deixará o câmbio subir sem parar. A política do BC tem sido a de intervir quando vê situações de pânico. Se papel indexado não funcionar, teria que gastar reservas.
No pior cenário, mais desvalorização originada de mais remessas poderia não atrair, necessariamente, investidores externos. Um importante economista argumenta que, numa situação de estresse, a fragilidade do câmbio flutuante seria parecida à de qualquer outro regime cambial, inclusive o "currency board" argentino. Pioram as contas externas, pioram as internas. No limite, o BC teria que encurtar ao máximo os prazos dos papéis, até girar a dívida a cada dia. Uma "bomba relógio" difícil de desarmar. Muitos bancos com títulos longos na carteira teriam perdas contábeis enormes, gerando desconfiança. O quadro seria de uma crise financeira e bancária clássica.
Esse é um cenário extremo, improvável, mas não impossível. Este governo teria armas para adiar um desfecho, com dinheiro do FMI, ajuste fiscal adicional, intervenções no mercado, novos tipos de papéis etc. O próximo governo, principalmente se for de oposição, correria o risco de ganhar e não governar, ou seja, ser engolfado por uma crise gigantesca.
Por imaginar que setores mais responsáveis da oposição sabem desse risco, altos funcionários da área econômica do governo apostam que ainda haverá alguma sinalização da oposição para tentar acalmar o mercado. O gesto mais forte seria o PT indicar, com bastante antecedência, alguém mais conservador para o BC. Discutir se a culpa é de quem tornou o país frágil (este governo), ou de quem assusta o mercado (a oposição), pode ajudar na campanha, mas não resolve o problema.

E-mail: CelPinto@uol.com.br



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