São Paulo, domingo, 13 de julho de 2008

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JANIO DE FREITAS

Algemas ministeriais


A demagogia e a farsa continuaram soltas, mas a autoridade do ministro da Justiça foi algemada

SOB A EXCITADA divergência entre os partidários do juiz Fausto De Sanctis e os do ministro Gilmar Mendes, em torno do prende-e-solta de Daniel Dantas, está esquecido um motivo fundamental: certo ou errado nos conceitos e decisões, cada um dos dois exerceu o poder que lhe é conferido pela Constituição. Poder sujeito, no caso do juiz, à recusa ou confirmação liminar de um ministro do Supremo Tribunal Federal; e, no caso do ministro, ao julgamento definitivo por outros ministros do STF. É o sistema de sucessivos recursos e apreciações que muitos propõem encurtar, com a opinião de que amplia a lerdeza judicial. Mas que, sem por si só assegurar um Judiciário democrático, amplia as possibilidades de decisões isentamente democráticas.
Não estão menos esquecidos, aí por parte do governo, certos conceitos essenciais. Diz o ministro da Justiça que uso de algemas, em todos os presos pela Polícia Federal, é uma "ação igualitária do governo que não distingue entre pobres e ricos". É raro ouvir de Tarso Genro alguma coisa que não esteja infiltrada de demagogia, e sua defesa das algemas generalizadas não fugiria à regra. Que igualdade real advém de algemas, além da farsa demagógica das aparências?
Em uma política de segurança democrática e responsável, os instrumentos de ação policial são usados segundo a própria natureza da ação. Fuzis e algemas para prender uma senhora sem possibilidade e intenção de resistência alguma não é igualitarismo, é abuso de autoridade e ostentação de poder (armado). O que um ministro da Justiça não poderia, jamais, pôr-se a justificar, mesmo que só por seu apego à demagogia.
Pode ser que as 7.000 páginas do inquérito só contenham afirmações exatas e comprovações irrefutáveis, mas o ministro Tarso Genro não poderia fazer a aprovação pública de uma ação policial, e do respectivo inquérito, cujo conhecimento lhe foi negado. A ele e à hierarquia superior da PF e do ministério, até o momento em que o delegado Protógenes Queiroz decidiu fazer as prisões. A demagogia e a farsa continuaram soltas, mas a autoridade do ministro foi algemada.
Por essas e por infinidade de outras, o que é transposto, para o conhecimento público, do aspecto policial do caso está infestado de "a PF suspeita que", a "PF acredita que", "há indícios de que", em lugar de fatos definidos e comprovações. Sem falar em vazamento do Fed, o Banco Central dos Estados Unidos, para um especulador no Brasil. Ou na mulher de Daniel Dantas como laranja dele, a própria mulher, com quem ele vive, para esconder-lhe a presença em negócios? E agora, a novidade de outro inquérito: o recolhimento de computadores e papéis em residências e na empresa MMX, acusada de minerar e desviar ouro no Amapá, onde afirma não minerar ouro.
Neste país de tão escassa agitação intelectual, o juiz De Sanctis e o ministro Mendes provocam um debate sério e útil, pelo nível, pelas causas em questão e pelas extensões que permite.

Camaradagem
A direção da Central Globo de Jornalismo protestou ("Painel do Leitor" de 11.7.08) contra uma frase de meu artigo "A confusão escandalosa" (10.7.08). Esta: "O privilégio dado à TV Globo, sempre levada ao lugar e à hora certa por avisos de operações "sigilosas" da PF, explica-se pela reciprocidade que a emissora dá, em audiência e no intenso uso acrítico do material colhido". Diz o protesto que "a TV Globo não tem nem aceita privilégios", [...] "ela encontra o lugar e a hora certa porque tem uma equipe de profissionais competentes e bem preparados".
E, além deles, bola de cristal. Ou a Globo mantinha equipes habitando as calçadas em frente às casas de Celso Pitta e muitos outros, à espera da eventualidade de que, em alguma imprecisa madrugada, a PF aparecesse naquelas casas e a Globo, sozinha, registrasse tudo. Se a direção executiva da Central Globo de Jornalismo não aceita o privilégio de receber informações jornalísticas exclusivas, tenha a camaradagem de mandá-las para cá (assegura-se o bom uso). Porque essas informações, origem primordial do jornalismo de notícias e reportagens próprias, em nada desmerecem e nem dependem de quem as receba: são ato privilegiante decidido e praticado por quem as proporciona. Como poderia saber a direção executiva da eficiente Central Globo de Jornalismo, ao menos para não me atribuir desmerecimento que, no caso, não fiz à exclusividade da TV Globo. Fiz até ressalva a seu favor.


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