São Paulo, sábado, 13 de agosto de 2005

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ESCÂNDALO DO "MENSALÃO"/ LULA NA MIRA

O PT e o governo, onde errou, devem desculpas, afirma Lula


Petista afirma que não conhecia 'práticas inaceitáveis' e que se sente indignado e traído

Em discurso de 12 minutos, presidente diz que crise não pode contaminar a economia



ANA FLOR
EDUARDO SCOLESE
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Dizendo-se "traído" e "indignado" diante das denúncias de corrupção, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou ontem que o PT e o governo, "onde errou", devem pedir desculpas aos brasileiros. O presidente evitou desculpar-se na primeira pessoa e fez um pronunciamento comedido e sem ataques às elites e à oposição.
Lula disse que "não tinha vergonha" de dizer que "nós temos de pedir desculpas" durante a abertura da 11ª reunião ministerial de seu governo, a terceira deste ano. Sua fala ocorreu na primeira etapa da reunião, aberta à imprensa e transmitida por TVs e rádios.
O presidente disse estar "consciente da gravidade da crise política", mas declarou que, desde a fundação do PT, em 1980, sempre se manteve "fiel aos ideais" de moralização das práticas políticas. "Eu não mudei", afirmou.
A maior parte dos 12 minutos do discurso foi lida por um presidente que olhava para o alto e para os lados, sem a veemência de suas últimas falas. Procurando se defender das críticas de que saberia do esquema do "mensalão", afirmou que se sente "traído por práticas inaceitáveis das quais nunca tive conhecimento".
O único trecho de improviso durou somente um minuto. Foi quando afirmou que seu governo e o PT têm de pedir desculpas pelos "erros" cometidos. "Eu não tenho nenhuma vergonha de dizer ao povo brasileiro que nós temos que pedir desculpas. O PT tem que pedir desculpas. O governo, onde errou, tem que pedir desculpas", disse, para depois fazer um apelo: "Não percam a esperança".
Ao contrário de discursos recentes, Lula ontem evitou ataques ao governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002).
A necessidade da manifestação pública do presidente foi definida anteontem, conforme a Folha adiantou, depois que Lula e seus auxiliares mais próximos avaliaram o impacto negativo para o governo do depoimento do publicitário Duda Mendonça. À CPI dos Correios o marqueteiro relatou que campanhas eleitorais petistas de 2002 foram pagas com caixa dois, inclusive com depósitos em um paraíso fiscal.
Antes de seu discurso, na Granja do Torto, Lula se reuniu por cerca de três horas com ministros que formam a chamada coordenação de governo para definir os últimos detalhes do texto.
No início do discurso, com olhar disperso e num tom de voz ameno, Lula falou do crescimento da economia, da geração de empregos e dos programas sociais prioritários. Ao citar as ações, afirmou que, mesmo diante da crise, "o país não pode parar".
Em seguida, o presidente admitiu a gravidade da turbulência política e reafirmou sua fidelidade aos ideais de criação do PT. "Estou consciente da gravidade da crise política. Ela compromete todo o sistema partidário brasileiro. (...) Ajudei a criar esse partido e vocês sabem, perdi três eleições presidenciais e ganhei a quarta, mantendo-me sempre fiel a esses ideais [mudanças das práticas políticas]. Tão fiel quanto sou hoje."
A atual crise teve início em maio, quando a revista "Veja" mostrou o conteúdo de uma gravação na qual o ex-funcionário dos Correios Maurício Marinho -indicado pelo PTB- embolsou R$ 3.000. A turbulência recrudesceu em junho, quando o deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ), denunciou à Folha um suposto esquema de pagamento de mesada pelo PT à base aliada.

Economia
Lula relatou sua preocupação com a sustentabilidade da economia. "Quero dizer aos ministros que é obrigação do governo, da oposição, dos empresários, dos trabalhadores e de toda a sociedade brasileira não permitir que essa crise política possa trazer problemas para a economia brasileira, para o crescimento deste país, para a geração de empregos e para a continuidade dos programas sociais", disse o presidente.
Sobre as denúncias, o presidente preferiu não exemplificá-las e citar nominalmente os acusados. Lula generalizou a questão.
Na linha de recentes discursos, afirmou que nunca teve a intenção de julgar ninguém a priori. E acrescentou: "Mesmo sem prejulgá-los, afastei imediatamente os que foram mencionados em possíveis desvios de conduta para facilitar todas as investigações".
Em falas anteriores, porém, Lula afirmara que não afastaria aliados baseado em notícias de jornal. O presidente sempre demonstrou resistência em retirá-los do cargo, como no caso de Romero Jucá, seu ex-ministro da Previdência.
Ontem, o presidente disse estar convicto de que sua "indignação" é compartilhada pela maioria daqueles que acompanharam sua trajetória política, voltou a relatar a importância dos trabalhos do Congresso, da Polícia Federal e do Judiciário, relembrou a importância de uma reforma política e determinou aos ministros que "arregacem as mangas".
Sobre as investigações, mesmo se colocando como o "mandatário" do país, disse que o papel de punição aos culpados não está a seu "alcance". "Se estivesse ao meu alcance já teria identificado e punido exemplarmente os responsáveis por essa situação."

Audiência
O pronunciamento derrubou a audiência de SBT e Record e aumentou a da Globo. Embora não fosse em rede obrigatória, as principais redes abertas interromperam suas programações.
O SBT, que apresentava desenhos, viu a audiência cair quatro pontos no Ibope da Grande São Paulo, onde cada ponto equivale a 52,3 mil domicílios sintonizados. A Record tinha seis pontos às 12h36, com programa de Milton Neves. Às 12h41, com Lula, registrava três pontos. A Globo tinha 12 pontos e atingiu pico de 16.


Colaborou DANIEL CASTRO, colunista da Folha


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