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Especialista da ONU pede
tribunal anticorrupção
Corte específica é melhor que foro privilegiado, diz ele
FERNANDO BARROS DE MELLO
DA REDAÇÃO
Foro privilegiado. Quando o
assunto é o Brasil, esse é um
dos pontos que chamam a atenção do cientista político Stuart
Gilman, Chefe do Programa
Global Anticorrupção do Escritório da ONU contra Drogas e
Crime. Ele também questiona a
demora na demissão de funcionários públicos flagrados em
atos de corrupção.
Autor de "O Desafio Ético no
Serviço Público", ele esteve no
Brasil no início deste mês. Encontrou-se com Jorge Hage
(CGU), Gilson Dipp (STJ),
Ellen Gracie (STF) e com o procurador-geral da República,
Antonio Fernando de Souza.
"Uma coisa que sai da minha
visita é a seguinte: o país precisa de coordenação das estratégias contra a corrupção. E cabe
ao governo decidir qual agência
vai tomar essa liderança. Na
África do Sul, foi a Suprema
Corte que tomou a liderança.
Essas são decisões políticas que
têm que ser feitas pelos brasileiros para os brasileiros."
FOLHA - O senhor já usou o conceito "estado falimentar" para alguns
países. O Brasil se encaixa nele?
STUART GILMAN - O Brasil tem
suas dificuldades, mas não se
encaixa no conceito. Pelo que
vi, todo mundo está trabalhando, mas há um sentimento de
frustração. O Brasil tem problemas de procedimentos que
parecem aprisionar a Justiça.
Servidores públicos a ponto de
serem demitidos correm para o
tribunal porque sabem que isso
atrasa o processo.
FOLHA - O senso comum é de que
ninguém é punido no país...
GILMAN - Deixa eu dar um
exemplo que me deixou boquiaberto. O STF tem 11 juízes,
e o número de casos estava acima de 127 mil. Se trabalharem 8
horas por dia, lidam com 66 casos por dia. Você tem esse "foro
privilegiado". Por que você tem
isso? Não é a severidade da pena, mas a velocidade com que
as pessoas são pegas e punidas
que acaba com a noção de impunidade. O homem público
pode ir para a cadeia sete anos
depois, mas nesse ponto já esqueceram o caso. É preciso resolver os casos no menor tempo possível, seja administrativa, civil ou criminalmente.
FOLHA - Foro privilegiado existe
em outros países?
GILMAN - Existe, mas não com a
extensão que vi aqui no Brasil.
Você não lida com tantas casos
como no Brasil. Não sei se é recorde mundial, porque não conheço todos os países, mas deve
ser próximo a isso. A Suprema
Corte dos EUA, normalmente,
lida com algo entre 70 e 80 casos por ano, para 12 juízes. No
Reino Unido, fala-se entre 180
a 250 casos para a Corte Alta.
FOLHA - O que fazer com o foro privilegiado?
GILMAN - Se a noção é proteger
os legisladores ou membros do
governo, mande para uma corte anticorrupção. Você cria um
outro órgão que se mova rapidamente. Quando você fala da
cultura de impunidade no Brasil, o que eu ouvi é que as pessoas não escapam, mas jogam
com o sistema. Sabem que, uma
vez que entram em certos elementos do sistema, podem postergar sem serem punidos.
FOLHA - O que mais o Brasil tem de
peculiar?
GILMAN - Não quero ficar apenas no Judiciário. Na administração pública, se o funcionário
é demitido por corrupção, esse
é um dos poucos países em que
o funcionário é demitido no nível administrativo e apela a
uma corte sobre os méritos do
caso. Você pode manter uma
pessoa que foi demitida na lista
de pagamento do governo por
anos. Estava conversando com
um brasileiro que disse ter demitido alguém e que as tramitações na corte acabaram demorando tanto que o sujeito fazia
piada com ele por não conseguir se livrar dele.
FOLHA - O que pode ser feito para
melhorar a conduta das pessoas?
GILMAN - Muitos programas
são feitos nos EUA, na Europa e
na África para integrar o tema
no currículo de escolas. O que
uma criança pensa quando o
pai paga propina a um policial
na estrada? Se a criança aprende que colar na prova é aceitável, a idéia de pagar propina
não passa a ser absurda. Uma
jovem de São Paulo me contou
que o namorado dela achava
normal ter o carro roubado
quatro vezes. Esse sentimento
também é visto em relação à
corrupção. O que é chocante.
FOLHA - O senhor ouviu falar no
"jeitinho brasileiro"?
GILMAN - Odeio dizer, mas metade dos países do mundo diriam a mesma coisa. Tem o jeitinho indiano, indonésio etc. É
uma desculpa para ser desonesto. Lembro de uma entrevista que falava da linguagem
usada pelos mexicanos. Nunca
diziam "você aceita essa propina?". Era sempre algo como
"você me faria um favor", mas
colocando dinheiro na mão do
outro para isso. Ninguém muda
essa cultura do dia para a noite.
FOLHA - Que imagem representa a
corrupção brasileira?
GILMAN - Sempre digo que corrupção cria pobreza e não o
contrário. Por isso, a imagem
que me fica são as favelas no
Rio e em São Paulo.
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