São Paulo, segunda-feira, 13 de setembro de 2004

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PROBLEMAS DE SP

De acordo com especialistas, saída política é única alternativa para não comprometer 25% do Orçamento da cidade com juros

Prefeitura só se livra da dívida no "tapetão"

MARCELO BILLI
DA REPORTAGEM LOCAL

São Paulo tem uma dívida de R$ 27,6 bilhões -valor equivalente a 2,3 vezes as receitas da prefeitura. A cidade teria que reduzir essa relação para 1,78 até o final do próximo ano para não sofrer sanções previstas na LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal). O problema: ninguém, sejam técnicos da área ou candidatos à vaga de prefeito, acredita que isso seja possível.
A alternativa, no jargão esportivo, é o "tapetão": ao não conseguir em campo um resultado favorável, a saída é recorrer a instâncias superiores para ficar no campeonato.
Desde 2001, a cidade usa 13% do que arrecada para pagar juros e encargos da dívida, como prevê acordo com o Tesouro.
A negociação fez parte do processo de ajuste de todos os municípios que, até 2016, têm que reduzir ou manter suas dívidas até o limite permitido pela LRF -as dívidas podem chegar, no máximo, a um valor equivalente a 120% das receitas; no caso de São Paulo, ela corresponde a 235%.
Apesar do prazo longo, cada prefeitura teve de fazer um cronograma de redução para que o Tesouro pudesse avaliar se a trajetória da dívida era de queda. O cronograma previu que, no final deste ano, o índice deveria ser de 178%, e de 173% no final de 2005.
As sanções, graças a uma portaria do Senado, foram suspensas até maio de 2005. Mas até o final do ano que vem, se nada mudar, São Paulo terá que voltar ao cronograma. Para cumpri-lo, a cidade terá de comprometer com pagamento de juros e encargos cerca de 25% do Orçamento, reduzindo o investimento a zero e deixando de prestar parte dos serviços pelos quais a prefeitura é responsável.
"Não é razoável esperar um esforço maior do que os atuais 13% [parte das receitas que é usada para pagar a dívida]. Ele já foi calculado para ser o máximo sacrifício possível sem paralisar o município", afirma Raul Velloso, especialista em contas públicas.
Ele diz que, quando calcularam as metas de redução, os técnicos acreditavam que, caso pagasse 13% das receitas ao ano, a cidade teria atingido os valores previstos no cronograma. "Não atingiu porque houve um equívoco nos cálculos." Ele explica: quando calcularam quais seriam as receitas e o tamanho da dívida, os técnicos usaram o IGP-DI, índice de inflação da Fundação Getúlio Vargas, para corrigir os valores. O índice é muito influenciado pela alta de preços no atacado. Mas no que a prefeitura arrecada reflete mais a variação do IPCA, índice do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) que apura preços no varejo. Para se ter uma idéia da discrepância, em 2002 o IGP-DI subiu 26%, enquanto o IPCA, 12%. Ou seja, mesmo sem novos empréstimos, a dívida crescia mais rápido que a receita.
"Não há como pagar [mais do que os atuais 13% das receitas] sem sacrificar gastos. Qual a opção? Fechar as portas de uma série de serviços? Independentemente do candidato que ganhar, terá que haver uma solução política", avalia François Bremaeker, economista do Ibam (Instituto Brasileiro de Administração Municipal).
A solução política é apontada pelos candidatos também. Ninguém menciona a palavra calote. Tampouco fala-se em rever a LRF. Mas todos admitem alguma solução contábil para ajustar a dívida.
Francisco Vignoli, especialista em administração pública da Eaesp (Escola de Administração de Empresas de São Paulo, da FGV), diz que a saída "honrosa" seria alterar o índice de reajuste da dívida, ou seja, trocar o IGP-DI por outro, mais baixo. Mas isso, diz Vignoli, teria que ser para todos os municípios, sem exceções.
Para o governo, que tenta mostrar ao mercado, com medidas austeras, que respeita a disciplina fiscal, seria, segundo Vignoli, desastroso alterar a lei para beneficiar apenas SP. Para ele, esse seria um sinal de que a LRF não é levada tão a sério, e, pior, abriria precedentes para prefeitos e governadores. "Seria um retrocesso incrível em relação aos ganhos que tivemos quando foi criada a LRF."
Em valores atualizados, a administração de Luiza Erundina deixou a cidade com uma dívida de R$ 4,7 bilhões, em 92. Paulo Maluf a elevou para R$ 12,6 bilhões (96) e Celso Pitta para R$ 21,6 bilhões (2000). No final da gestão Marta, a dívida será de R$ 28 bilhões.
Maluf diz que metade da dívida deixada por ele foi gerada por Erundina e que o grande culpado pela alta foram os "juros pornográficos" fixados pelo governo federal no período. Pitta também culpa os juros. Marta aponta para toda a herança deixada.
"Eu entendo o debate político. Faz parte do jogo tentar apontar os culpados. Mas o que interessa agora é saber como enfrentar o problema", diz Vignoli.
Marcos Mendes, ex-técnico do Tesouro e hoje consultor do Senado, prefere não eximir ninguém de culpa: Maluf emitiu uma enxurrada de precatórios, Pitta não adotou nenhuma estratégia para sanear a cidade e viu os juros multiplicarem a dívida, Marta se candidatou sabendo do problema. "Culpar apenas os juros é que é uma irresponsabilidade. Se apenas os juros fossem a razão do desastre, cidades como o Rio deveriam estar na mesma situação, o que não é verdade", diz.
A dívida de São Paulo corresponde a 235% do que ela arrecada. A do Rio equivale a 67%. Ou seja, ainda pode contrair dívidas, já que a lei determina que a relação pode chegar a 120%.
Todos os técnicos ouvidos pela Folha mencionaram a mudança do índice de reajuste da dívida como saída para a situação.
Segundo algumas estimativas, a troca de indicadores poderia significar uma economia de algo em torno de R$ 2,5 bilhões, ajudando a cidade a aproximar-se dos níveis previstos para 2005, ou seja, reduzir a dívida de 235% para 173% da sua arrecadação.
Mas, lembra Vignoli, mesmo que a cidade não encontre uma solução em 2005, não há uma catástrofe a vista. Ele lembra que a sanção a que a cidade estará sujeita será a proibição de contratar mais empréstimos. "É uma sanção séria para uma cidade com as necessidades e a carência de São Paulo, mas está longe de ser a catástrofe que o debate político faz parecer que é."


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