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HISTÓRIA
Documento inédito revela que Brasil solicitou força militar a Inglaterra e França em 1835 contra a Cabanagem
País pediu apoio externo contra revolta
LUÍS INDRIUNAS
da Agência Folha, em Belém
Documentos inéditos descobertos na Inglaterra relatam que,
apenas 13 anos depois de proclamada a Independência, o governo
brasileiro pediu auxílio militar às
grandes potências da época -Inglaterra e França- para reprimir
a Cabanagem, fracassada revolta
separatista no Pará.
O episódio, desconhecido até
agora do público brasileiro, aconteceu há 164 anos. Em 1835, o regente Diogo Antônio Feijó reuniu-se secretamente com os embaixadores da França e da Grã-Bretanha.
Durante a reunião, Feijó pediu
ajuda militar, de 300 a 400 homens para cada um dos países, no
intuito de ajudar o governo central brasileiro a acabar com a rebelião.
"Na época, a unidade nacional
foi bastante contestada. O pedido
de Feijó é mais uma comprovação
da fragilidade da nação brasileira
pós-Independência", afirma o diretor do Arquivo Público do Pará,
Geraldo Mártires Coelho.
Os documentos que relatam a
reunião estão no "Public Records
Office", o arquivo do governo britânico, que fica em Londres, e foram estudados pelo pesquisador
David Cleary, do Centro de Estudos Latino-Americanos da Universidade de Harvard.
Nação em perigo
O colapso do Primeiro Reinado,
com a abdicação de d. Pedro 1º,
em 1831, trouxe a constituição da
Regência, pois d. Pedro 2º tinha
apenas cinco anos. Os regentes
eram escolhidos pela Assembléia
Geral do Império. As duas primeiras regências foram compostas por três governantes.
Feijó foi o primeiro regente único e governou o país de 12 de outubro de 1835 a 19 de setembro de
1837. Durante toda a Regência (de
1831 a 1840), o governo central
brasileiro sofreu um enfraquecimento, enfrentando diversas rebeliões de caráter separatista. Como regente, Feijó se confrontou
com três importantes revoltas regionais: além da Cabanagem, a
Sabinada (Bahia) e a Revolução
Farroupilha (Rio Grande do Sul).
"Esses documentos mostram
que Feijó não sabia o que fazer
com o abacaxi que era a situação
no norte do país", diz Coelho.
Cleary afirma que, pelos documentos históricos disponíveis,
apenas no caso do Pará o regente
decidiu pedir ajuda externa.
Conflito e parceria
Para o historiador Boris Fausto,
a carta do embaixador mostra
uma realidade histórica até certo
ponto surpreendente.
"Esse documento revela uma
atitude estranha de Feijó, já que as
relações com a Grã-Bretanha não
eram harmoniosas", declara o
historiador.
O conflito entre os dois países
vinha do fato que o governo britânico reprimia duramente o tráfico
internacional de escravos, uma
das principais atividades econômicas do Brasil na época. Segundo Cleary, dois terços da correspondência dos ingleses nesse período eram sobre a questão.
Para os ingleses, o problema era
a concorrência no mercado internacional da cana-de-açúcar, já
que, em suas principais colônias
produtoras, o trabalho escravo
havia sido abolido -na Jamaica,
em 1833; na Guiana, em 1837.
Mas, mesmo com a relação tensa, a Grã-Bretanha era o principal
parceiro comercial do Brasil. Desde a Independência, os britânicos
tinham privilégios comerciais no
país. Seus comerciantes contavam com a menor taxa alfandegária (15%) para colocar os produtos no Brasil, enquanto os outros
países pagavam 24% (Portugal) e
25% (os demais).
Poderia pesar na decisão de
uma eventual ação armada no Pará o fato de que Grã-Bretanha e
França tinham presença direta na
região Amazônica, por meio de
suas colônias -as Guianas francesa e inglesa- e uma rebelião
próxima era motivo de preocupação para seus governos.
Existe no "Public Records Office" correspondência do próprio
governo do Pará relatando aos ingleses a movimentação francesa
na região.
Durante a Cabanagem, tanto
França quanto Grã-Bretanha
mantiveram embarcações na costa paraense como alternativa de
refúgio para os comerciantes das
duas nações. Os dois países, porém, nunca chegaram a intervir
diretamente no conflito.
O pedido de Feijó de uma intervenção externa no Pará está relatado numa carta de Henry Stephen Fox, embaixador da Grã-Bretanha no Brasil, para o lorde
Palmerston, ministro das Relações Exteriores da Grã-Bretanha à
época, que depois se tornaria primeiro-ministro britânico.
A carta, que tem o grifo de "secreta e confidencial", data de 17 de
dezembro de 1835 (leia a íntegra
nesta página).
O documento revela uma reunião, na qual Feijó relatou o que
pretendia fazer para reprimir a
Cabanagem. O regente informou
aos embaixadores que estava preparado para enviar cerca de 3.000
homens para o Pará e pediu, então, que cada um dos países cedesse de 300 a 400 soldados, na
qualidade de tropas auxiliares.
Feijó teria declarado que iria fazer o mesmo pedido a Portugal,
país do qual o Brasil havia se declarado independente 13 anos antes. Fox relata detalhes do pedido
que, segundo Feijó, não poderia
ser formulado por escrito, pois seria contrário à Constituição do
Império e "motivo de descrédito
para o governo".
Encerrando a carta, Fox emite
então sua opinião sobre o assunto: "Evidentemente, não posso
deixar de transmitir o comunicado ao senhor, mas não prevejo
que exista a menor probabilidade
de o governo de Sua Majestade ou
o governo francês anuírem com
os desejos do regente, ou consentirem em ordenar uma operação
militar, com base em um pedido
formulado de maneira tão imprecisa e informal".
A resposta oficial veio quatro
meses depois, em 9 de abril de
1836. Palmerston recusou o pedido. O ministro das Relações Exteriores da Grã-Bretanha escreve:
"O governo de Sua Majestade não
acredita justificável envolver-se
em operações em terra pelo interior da Província do Pará com o
objetivo de apoiar a autoridade
do governo do Rio do Janeiro
contra a população do distrito".
Personalidade polêmica
Para a professora Magda Ricci,
da Universidade Federal do Pará,
o documento ajuda a entender a
personalidade do regente Feijó.
Autora da biografia "Assombrações de um Padre Regente:
Diogo Antônio Feijó - 1784 a
1843", Magda afirma que o regente era uma figura polêmica, que
governava com bilhetinhos,
apoiava o fim do celibato para os
padres e a criação de um código
civil só para os negros.
Ela destaca que, segundo a carta
do embaixador britânico, Feijó teria pedido que não se comentasse
nada sobre esse assunto com o
marquês de Barbacena, que estava representando o governo brasileiro na Grã-Bretanha.
"O fato mostra a forma pouco
ortodoxa de Feijó atuar, já que
Barbacena foi indicado por ele
mesmo para o cargo", disse.
A relação de colaboração do regente com os ingleses já vinha de
longa data. Em 1822, quando d.
Pedro 1º proclamou a independência do Brasil, Feijó era deputado, eleito pela Província de São
Paulo, para as Cortes, em Lisboa.
Arquivo público
A correspondência sobre o pedido de ajuda militar feito por
Feijó, bem como outras cartas,
endereçadas ou enviadas pela diplomacia britânica durante o período da Cabanagem, estão sendo
traduzidas e editadas pelo Arquivo Público do Pará, que pretende
lançar um livro para as comemorações dos 500 anos do Brasil.
Segundo Cleary, essa correspondência pode preencher muitas lacunas históricas sobre o período da Cabanagem.
"Apesar de preconceituosa, a visão das autoridades britânicas é,
sem dúvida, a mais imparcial sobre os acontecimentos. Há extensos relatórios militares sobre fatos
até hoje pouco conhecidos deste
período, como o ataque ao navio
britânico Clio, por moradores do
litoral paraense."
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