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ENTREVISTA DA 2ª
EDUARDO JORGE
Ex-deputado, agora no PV, diz que novo critério provocará "desastre" ; Ministério do Planejamento defende medida
Ex-petista diz que diminuição de orçamento é golpe contra a saúde
FABIANE LEITE
DA REPORTAGEM LOCAL
O encontro de uma equipe econômica de idéias ortodoxas com
sindicalistas que representam categorias protegidas por planos de
saúde, promovido pela ascensão
do PT ao poder, gerou uma das
maiores ameaças ao SUS dos últimos tempos: a proposta de transferir parte do orçamento de 2004
da saúde para o programa-vitrine
do governo, o Fome Zero.
A opinião é de Eduardo Jorge
Martins Alves Sobrinho, 53, ex-deputado federal que deixou o PT
há duas semanas e filiou-se ao PV.
O governo Luiz Inácio Lula da
Silva incluiu R$ 3,5 bilhões do
Fundo de Combate à Pobreza no
cálculo do mínimo que deverá
gastar em ações e serviços de saúde (R$ 32,4 bilhões).
O dinheiro beneficiará principalmente o programa de alimentação. A inclusão foi feita para garantir o mínimo de aplicação na
área determinado pela emenda
constitucional -de que Jorge é
co-autor- que vinculou verbas
da saúde à arrecadação.
O problema é que o próprio Ministério da Saúde considera a manobra desrespeitosa à emenda
por, na prática, retirar dinheiro de
serviços públicos e ações diretas
na área. A pasta não considera
despesas com alimentação e saneamento como gastos em saúde.
"Essa inclusão do fundo, não
tem outra palavra, isso é um golpe
contra a saúde no Brasil. Isso é um
golpe contra o SUS [Sistema Único de Saúde]", afirma Jorge.
A questão orçamentária pesou
para a saída do PT, mas as razões
não são apenas "conjunturais",
disse Eduardo Jorge em entrevista
em sua casa, na zona sul de São
Paulo, na semana passada.
O ex-deputado preparava-se
para uma viagem ao Piauí, onde
acompanharia mais uma conferência de saúde. A serviço do CNS
(Conselho Nacional de Saúde), ele
coordena a 12ª conferência nacional do setor, que ocorre em dezembro, em Brasília.
Leia a seguir trechos da entrevista.
Folha - O que mudou desde a
aprovação da emenda constitucional que vinculou investimentos em
saúde às receitas da União, dos Estados e dos municípios?
Eduardo Jorge - A emenda [teve
três objetivos. Primeiro, aumentar um pouco os recursos, o que
realmente aconteceu, tanto que o
orçamento de 2002 [na verdade, o
de 2001] foi recorde.
Superamos R$ 40 bilhões, o que
significa R$ 260 por ano ou R$
0,70 por pessoa por dia. O primeiro objetivo está sendo cumprido.
Mesmo com os Estados descumprindo, há uma progressão.
O segundo objetivo era permitir
que os secretários e ministros pudessem planejar sem correr o risco de ver uma montanha russa
aparecer de uma hora para outra,
de um buraco orçamentário aparecer de repente.
O terceiro objetivo é evitar a
gangorra orçamentária. Um
[uma esfera de governo] aumenta, outro diminui.
O quarto objetivo é evitar a exportação de pacientes. Municípios que gastavam bem eram punidos com a invasão de pacientes.
Nestes dois anos iniciais, apesar
desse claudicar na fiscalização, a
emenda tem ajudado. Se fosse
cumprida rigorosamente, é claro
que seria muito melhor. R$ 0,70
por pessoa é muito pouco.
Folha - Qual era o posicionamento histórico do PT em relação à
emenda?
Jorge - O apoio do PT foi desde a
Constituinte até a aprovação da
emenda [em 2000]. Quando foi
votada, o Malan [Pedro Malan,
ministro da Fazenda no governo
Fernando Henrique Cardoso] estava na Argentina. Ele ligou para
bloquear a votação, lutou até o último momento.
Houve uma união suprapartidária muito forte e o Ministério da
Saúde nos ajudou. O doutor Adib
Jatene [ex-ministro da Saúde] e o
Serra [José Serra, também ex-ministro] foram os dois ministros
que mais ajudaram.
Folha - Qual era sua proposta original?
Jorge - A minha proposta original, que ainda defendo, é uma das
coisas a discutir na conferência
[nacional de saúde]: voltar a pensar no orçamento da seguridade
como um todo, uma associação
de previdência, área social e saúde. Esse orçamento está batendo
nos R$ 160 bilhões.
No patamar histórico do antigo
Inamps (Instituto Nacional de
Assistência Médica e Previdência
Social, órgão extinto), o orçamento era mais ou menos 60% da previdência, 10% da área social e 30%
da saúde.
Imagine se a gente conseguisse
recompor o sistema de seguridade social, que foi dividido, retalhado, e mantivesse esse orçamento.
É a proposta que quero voltar a
discutir, para ter mais recursos
para a área e, segundo, para fortalecer a área social. Isso seria o ministério da defesa popular.
Você teria três ministérios fortes, da defesa, da economia e da
defesa popular,
com orçamento
vinculado. Desde a
época do Itamar
Franco, do Fernando Henrique Cardoso, do Palocci
[Antonio Palocci,
ministro da Fazenda], a tática tem sido essa: dividir para
reinar. Jogar um
contra o outro.
Folha - Este seria
um ano para pensar
o que aconteceria a
partir de 2004. Está
prevista uma reavaliação da emenda.
Jorge - Se o Congresso não votar [a
reavaliação], continua valendo a progressão: obrigatoriedade de investir 15% [das receitas próprias, para os municípios, até 2004], 12%
[para Estados] e,
para a União, o
crescimento do PIB
mais inflação [valor
do ano anterior corrigido pela variação
nominal do Produto Interno Bruto].
A revisão está escrita. Foi uma das
negociações com a
área econômica. Se,
por algum motivo
não for votada, vale
o que está aí. Mas
agora, em vez de
avançar, temos de
lutar pelo que já tínhamos garantido.
Folha - Qual será a
consequência da inclusão do Fundo de Combate à Pobreza no cálculo do valor mínimo
que a União terá de investir em
saúde?
Jorge - Essa inclusão do fundo,
não tem outra palavra, isso é um
golpe contra a saúde no Brasil. Isso é um golpe contra o SUS [Sistema Único de Saúde].
Se a Rosinha [Matheus, governadora do Rio, que também incluiu gastos sociais na conta da
saúde] já está fazendo esse carnaval com o orçamento, o que vai fazer com o aval, o exemplo federal?
É um ataque frontal à emenda e
ao SUS vindo de cima. Isso vai desautorizar o prefeito e o governador que estão cumprindo a legislação. E fortalecer quem não está
cumprindo, como Minas Gerais,
Rio de Janeiro, Paraná.
Um secretário de Saúde me perguntou: "Por que a gente vive assim, sendo ameaçado? Quer fazer
uma política universalista? É a
única política universalista. E o
tempo todo o pessoal nos agredindo?".
Aí existe uma junção de tecnocratas, de um lado, e corporativismo, do outro.
Tecnocracia que controla o Ministério da Fazenda, que tem
compromisso com o Fundo Monetário Internacional, com metas
anti-sociais, que era do governo
FHC e continua do mesmo jeito
agora e lava as mãos de Pilatos das
corporações mais poderosas, que
mantêm seus planos de seguros
privados, subsidiados pela renúncia fiscal do Imposto de Renda.
É o povo subsidiando os planos
privados das grandes categorias,
de trabalhadores e funcionários
públicos, que só usam o SUS em
algumas coisas muito caras. Eles
não se envolvem na defesa do
SUS. E esse pessoal agora está no
governo.
Juntou a tecnocracia e o pessoal
da área financeira com a burocracia sindical, com a elite operária e
de trabalhadores que tem esse
descompromisso com a política
universal, que sempre esteve amparada pelo sistema suplementar.
É uma razão que explica esse sobressalto constante. As providências são tomadas por quem? Por
órgãos nos quais esses setores estão ultra-representados.
Folha - O fato de o ministro da
Saúde, Humberto Costa, não fazer
parte do núcleo duro do governo,
como Serra era na gestão FHC, pode explicar um pouco dessa fragilidade ?
Jorge - Acho que o Ministério da
Saúde tem de tomar a frente dessa
luta, todo dia. Saúde é uma política universalista, precisa desse recurso e sempre vai estar em choque com a área econômica. O Ministério da Saúde não pode se furtar a estar na linha de frente da
saúde.
Folha - A resposta do ministério é
que, se necessário, esses R$ 3,5 bilhões do Fundo de Combate à Pobreza serão remanejados durante
o ano.
Jorge - É fácil remanejar R$ 3,5
bi? Pensa que é brincadeira? A luta
tem de ser agora.
Folha - O Ministério do Planejamento entende que saneamento e
alimentação podem ser consideradas despesas com saúde.
Jorge - Isso aí é a mesma coisa
no presente, no passado e no futuro. É misto de argumentação técnica e força política. E, neste momento, eu tenho a meu favor
emendas constitucionais, leis e resoluções.
Portanto a lei, hoje, está comigo.
Se a área econômica quiser nos
derrotar, tem de mudar a lei. Do
contrário, o Brasil estará fora da
lei nessa questão da saúde.
Além de [a inclusão do Fome
Zero no orçamento da saúde] ser
contra a lei, no mérito, é absurdo,
desumano o fato de ela, na prática, dar um orçamento para 2004
menor que 2003.
É sustentável uma coisa dessas?
Em um governo socialista? Isso é
um desastre. Você já imaginou,
no ano que vem, um orçamento
altamente restrito, um orçamento
de R$ 0,70 por dia reduzido?
Do Amapá ao Rio Grande do
Sul, vão responsabilizar o governo federal. A União é responsável
por 60% dos gastos.
Folha - Isso contribuiu para sua
saída do partido? Houve desentendimentos anteriores, mas isso pesou mais?
Jorge - Tudo pesou. Não foi uma
decisão irrefletida e conjuntural.
Claro que isso influencia. Mas são
questões muito mais gerais. Sou
um deputado socialista. Claro que
minha área sempre foi a social, isso influencia. Mas a luta orçamentária é permanente. Eu dizia:
quando tivermos um governo
nosso, um governo socialista, vai
continuar havendo essa luta.
Folha - O partido tinha determinados compromissos que foram
reavaliados, não só na saúde. Foi o
partido que mudou muito?
Jorge - A água que passa no rio
vai mudando o tempo todo, isso é
normal. Não é normal mudar de
A para Z da noite para o dia.
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