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Ata "ultra-secreta" revela tensões às vésperas do AI-5
Documento
mostra que
militares queriam
mudanças na lei
antes do Ato de 68
Reunião presidida por Costa
e Silva discutiu ações contra
imprensa e esquerda a seis
dias de discurso tido como
motivo para edição do AI-5
RUBENS VALENTE
ENVIADO ESPECIAL A BRASÍLIA
SOFIA FERNANDES
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Entre as 10h da manhã e o
início da noite de 26 de agosto
de 1968, o marechal Arthur da
Costa e Silva e os ministros militares e civis que formavam o
CSN (Conselho de Segurança
Nacional) reuniram-se no Palácio do Planalto, em Brasília, pela última vez antes de 13 de dezembro -a data em que o mesmo CSN anunciaria o AI-5.
A ata do encontro de agosto e
o documento que a motivou,
intitulado "Conceito Estratégico Nacional", foram classificados pela ditadura como "ultra-secretos", o mais alto grau de sigilo de um documento produzido pelo serviço público.
Em 2006, materiais do CSN
foram enviados ao Arquivo Nacional de Brasília e colocados à
disposição dos pesquisadores.
Após 40 anos de segredo, a Folha teve acesso ao documento
de 62 páginas que expõe as divisões no núcleo do governo e
as reclamações sobre os políticos, a imprensa e os grupos de
esquerda, que seriam golpeados meses depois.
A ata é indício a confirmar a
tese levantada por historiadores de que o discurso do deputado Márcio Moreira Alves na
Câmara foi apenas um pretexto
usado pelos militares para tomar uma decisão definida antes de dezembro. O discurso de
Alves ocorreu seis dias depois
da 42ª reunião do CSN.
Diferentemente da ata do dia
do AI-5, que diverge em vários
pontos da íntegra da gravação
da reunião, conforme apontado por historiadores, a ata de
agosto não é acompanhada de
áudio. O encontro começou
com a leitura do rascunho do
"Conceito", formulado pela
ESG (Escola Superior de Guerra), que Costa e Silva descreveu
como "peça fundamental na
formulação da Política de Governo". Havia na sala 17 ministros do governo, como Delfim
Netto (Fazenda) e Jarbas Passarinho (Trabalho), além do
chefe do SNI (Serviço Nacional
de Informações), Emílio Médici, tornado presidente da República no ano seguinte.
Para conter o que chamavam
de "guerra revolucionária", que
teria sido lançada pelos grupos
guerrilheiros de esquerda na
América Latina, os ministros
passaram a sugerir modificações no texto.
Os da Marinha, Augusto Rademaker, e do Exército, Lyra
Tavares, foram os mais radicais. O texto original listava os
tipos de "pressão" que ameaçavam a ditadura, entre as quais a
"pressão política interna", supostamente "exercida por elementos e grupos políticos nacionais (...) visando a tomada
ilegítima do Poder". O texto dizia ser uma "pressão de fraco
valor atual que possui razoáveis perspectivas potenciais".
Insatisfeito, Rademaker sugeriu a modificação: "Essa
pressão apresenta constante e
acentuado grau de periculosidade (...). Justificativa: A opinião pública, de uma maneira
geral, já está mobilizada e a sua
atuação está sendo desenvolvida com o apoio da corrente comuno-esquerdista".
Na versão final, prevaleceu a
opinião de Rademaker. Segundo ofício igualmente "ultra-secreto" e controlado (cada peça
tinha um número), também
pesquisado pela Folha no Arquivo Nacional, a "pressão política interna" possuiria "um
grau de periculosidade potencialmente aumentado na medida que se beneficie de outras
pressões, notadamente a Pressão Comunista e a Pressão Sócio-Econômica".
Em seu pronunciamento, o
general Tavares praticamente
adiantou os acontecimentos de
13 de dezembro e dos atos complementares que se seguiram
ao AI-5. "A legislação básica se
tem mostrado ineficaz para
preservar o Poder Militar dos
ataques que visam a desgastá-lo em sua essência moral. (...) O
Poder das comunicações,
atuando livremente, para o fim
de enfraquecê-lo, armando
contra ele a opinião pública,
pode comprometer a sua eficiência caso a lei continue ser
incapaz de impedi-lo".
Médici, responsável pelo serviço de espionagem do governo, não ficou atrás. Exigiu mudanças na legislação, tais como
as que vieram com AI-5. Sugeriu uma "revisão do amplo conceito das liberdades democráticas, para limitá-las dentro de
faixas definidas".
Assim como em 13 de dezembro, o vice-presidente Pedro
Aleixo, civil, marcou posição
contrária e criticou o "Conceito", tachando-o de muito vago.
A participação de Passarinho
(Trabalho) trouxe à tona divergências entre os próprios militares. Ele foi às origens do golpe de 1964 e fez um diagnóstico
cáustico. "A Revolução de 64,
atribuindo o poder aos militares e atuando inclusive emocionalmente em todos os setores da vida pública, com os inquéritos policiais militares,
realçou os antagonismos existentes". O ministro disse que a
"propriedade" da "Revolução"
acabou "se diluindo nos quadros e nos postos, politizou,
ainda mais, as Forças Armadas,
(...) criando grupos e facções".
Para Passarinho, o "Conceito"
deveria incluir a "pressão militar" como um dos fatores a
ameaçar o governo militar: "A
nosso ver a "pressão militar" é
existente e potencial, atua nos
outros campos e ameaça os citados objetivos".
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