São Paulo, sábado, 13 de dezembro de 2008

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Decretos sigilosos vieram na esteira do ato

ENVIADO ESPECIAL A BRASÍLIA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Há pouco mais de duas décadas, os presidentes brasileiros podiam baixar decretos cujo conteúdo era vedado aos cidadãos. O "Diário Oficial" publicava apenas um minúsculo e enigmático resumo do ato. O AI-5 deu origem a uma série de atos, medidas e diretrizes sigilosos que se tornaram a couraça jurídica da ditadura. Tendo alguns dos atos força de lei, o cidadão estava obrigado a obedecer algo que não sabia o que era.
Esse tipo de decreto, que ganhou o eufemístico nome de "reservado", foi autorizado por um decreto de 1971, nº 69.534, baixado pelo general Médici (1969-1974). A lei passou quase em branco no Congresso. O senador Franco Montoro (MDB), pediu um exame "jurídico e constitucional" do assunto e apontou: "Por esse decreto, (...) o governo enviará à publicação, de modo a não quebrar o sigilo, somente a ementa do decreto com o respectivo número". Nenhum senador reverberou o alerta.
O orador seguinte, Helvídio Nunes, discorreu sobre o Festival de Algodão realizado na cidade de Picos (PI).
Desde então, os generais Médici, Ernesto Geisel (1974-1979) e João Figueiredo (1979-1985) baixaram, ao todo, pelo menos 13 decretos reservados, de 11 de novembro de 1971 a 19 de março de 1985.
Em livro publicado em 1985, "Estado e Oposição no Brasil", a historiadora Maria Helena Moreira Alves, irmã do deputado Márcio Moreira Alves, já notara o ineditismo desses decretos. Disse ter localizado dez documentos do gênero. Ela citou uma reportagem da revista "Veja" de 24 de novembro de 1971. Ouvido pela reportagem, o líder da oposição Oscar Pedro Horta (MDB) teria declarado: "A meu ver, o decreto 69.534 constitui uma singularidade no Direito brasileiro. Não sei como se obedecerá a uma lei, a um decreto, a um regulamento que todos devem ignorar".
Há duas semanas, a Folha localizou no Arquivo Nacional de Brasília, vinculado à Casa Civil, a cópia de um "decreto reservado". A ementa do documento publicada no "Diário Oficial" dizia, laconicamente: "Aprova a diretriz para o estabelecimento de estrutura militar", além de não indicar a origem do documento. A íntegra do decreto, contudo, revela que se tratava da "diretriz para o estabelecimento da Estrutura Militar de Guerra" -a última palavra foi expurgada da ementa-, assinada pelo presidente João Figueiredo e pelos ministros militares. Segundo o decreto, tal diretriz, não localizada pela Folha no Arquivo Nacional, fora assinada pelo "ministro de Estado Chefe do Estado-Maior das Forças Armadas".
Um estudo da Presidência, de 1999, feito pelo advogado Ives Gandra Filho, localizou 13 decretos reservados, que "tratavam de matéria relativa à defesa nacional (estabelecimento da estrutura militar, comandos de defesa aérea etc.)". (RV E SF)


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