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"Ato baixou um silêncio mortal na sociedade"
ANA FLOR
DA REPORTAGEM LOCAL
O AI-5 trouxe mudanças ao
dia-a-dia de brasileiros que experimentaram o endurecimento do regime de formas diferentes. Entre as lembranças dos
meses e anos que se seguiram,
há quem fale em tempos de medo, paranóia e cerceamento; fase de limitação intelectual; um
silêncio que calou a sociedade.
Há também quem viu o período
sob as lentes da propaganda do
regime: tempos de crescimento
econômico e ordem.
Estudante de Ciências Sociais na PUC em 1968, Vanya
Sant'Anna sentiu no AI-5 a decretação oficial da ditadura.
"Sabíamos que algo pior estava
por vir", diz ela, ligada a grupos
de artistas. Ela concluiu a faculdade em 1969 sem cursos que
deixaram de acontecer porque
professores foram afastados.
A rotina foi transformada.
Vanya lembra de batidas da polícia nas ruas à noite. "Era apavorante, traumático. A gente tinha o sentimento de que à noite era melhor não dar sopa por
aí, mesmo para quem não tinha
nada a ver [com política]".
Ao contrário de quem deixou
de freqüentar bares por medo,
Vanya e seus amigos os viam
como refúgio. "As pessoas se
viam, você sabia que fulano não
estava preso, que estava vivo".
Perigoso passou a ser visitar
amigos em casa. "Você podia
dar o azar de estar na casa de alguém quando a polícia chegasse e, sem ter nada a ver, ser preso junto. Grupos de estudo
eram vistos como subversivos".
Ela se recorda de "pessoas estranhas" que apareciam em aulas e festas. A socióloga, que por
42 anos viveu com o ator Gianfrancesco Guarnieri, lembra
quando seqüestraram um cônsul em São Paulo. "Nosso jardineiro sumiu e três homens parrudos apareceram dizendo que
ele estava doente e que iam
substituí-lo. Eram da polícia".
Professor em Campinas,
dom Antônio Celso de Queirós,
hoje bispo de Catanduva, acredita que o AI-5 fez baixar "um
silêncio mortal" na sociedade.
"Restou apenas a indignação
das pequenas conversas", diz.
Dom Antônio foi seguido e
viu padres, leigos e jovens da
Igreja serem perseguidos. "Eu
recebia intimações, vinham me
perguntar endereços de jovens
de 15 anos."
Édila Pires, que voltou da Europa meses antes do ato, lamenta a mudança ocorrida na
área da cultura. "Esfacelaram
todo um núcleo cultural", diz.
Ela lembra de livros desaparecendo de bibliotecas e de intelectuais que foram substituídos
em órgãos culturais para dar lugar a militares conservadores.
"Jovens deixaram de ler pensadores, de ter acesso ao mundo".
A mudança na área da educação marcou o escritor João Gilberto Noll. Estudante de Letras
em Porto Alegre à época, ele decidiu deixar a universidade no
início de 1969 e se mudar para o
Rio. "Achava o ensino muito
cerceador", diz. No Rio, chegou
a dar guarida a foragidos políticos. As experiências nos primeiros tempos de AI-5 inspiraram seu primeiro conto, "Alguma Coisa Urgentemente". "Era
um tempo em que se era privado de saber de coisas".
Para a dona-de-casa Elzita
Santa Cruz, hoje com 95 anos, o
AI-5 trouxe tristeza e preocupação. Dos dez filhos, uma foi
torturada, um exilado e outro,
Fernando, desapareceu. Ela
deixou a família em Olinda e foi
para o Rio, onde foi a quartéis à
procura do filho. "As outras
mães de desaparecidos não falavam nada". Da vida dedicada
à família, Elzita virou uma militante dos direitos humanos.
Já a professora Christina
Hubler, hoje aposentada, teve o
que chama de "visão das pequenas cidades". Ela morava no interior do Rio Grande do Sul e
suas impressões do pós-AI-5
foram de ordem e segurança. A
opinião de que a vida havia melhorado vinha de só se ouvir notícias boas.
"O Médici tinha uma imagem
boa, parecia que ele estava colocando o Brasil no lugar".
Christina viveu uma situação
tensa quando seu irmão mais
velho -nascido na Argentina,
onde vive até hoje- foi denunciado por um desafeto e preso
por agentes da polícia argentina. "Lembro que pensei como
eram horríveis as coisas que
aconteciam na Argentina", diz.
"Éramos levados pela propaganda do governo, pelo "milagre
econômico". Só ficamos sabendo de torturas mais tarde".
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