São Paulo, sábado, 13 de dezembro de 2008

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Para esquerda da época, AI-5 foi "2º golpe"

Em lugares diferentes ao saber da medida, Serra, Dilma, Gabeira, Valente e Jaguar temeram seus efeitos

FERNANDO BARROS DE MELLO
DA REPORTAGEM LOCAL

Exilado no Chile, o professor de economia José Serra recebeu a notícia sobre o Ato Institucional de número cinco deitado na cama, em meio a calafrios causados por uma febre tifóide. No Rio, o jornalista Fernando Gabeira sentiu a mudança quando viu um censor assumir uma sala na Redação do "Jornal do Brasil". Em Belo Horizonte, a estudante de economia Dilma Rousseff tomava o café da manhã de seu aniversário de 21 anos ao ser avisada por um colega.
Em horas e locais diferentes, todos esses importantes personagens da atual democracia brasileira tiveram a mesma sensação quando souberam do novo ato. As coisas haviam mudado. "Eu estava com febre intensa e a notícia me foi passada pela [economista] Maria da Conceição Tavares. Ficou muito claro que os planos de voltar iam ser só no longo prazo", relembra Serra, que hoje classifica o ato como "talvez o pior episódio da história republicana".
Na Redação do jornal a "Última Hora", o cartunista Jaguar (Sérgio Jaguaribe) descobriu os efeitos do ato ao ser demitido.
Ele se uniu a outros jornalistas que tiveram o mesmo destino.
"Nós resolvemos fazer uma coisa mais idiota ainda, que foi criar um jornalzinho chamado "O Pasquim" para falar mal do governo. Em seis meses, a maioria dos caras, entre eles eu, estavam em cana", conta.
Hoje deputado federal, Ivan Valente estudava engenharia e participava de movimentos sindicais. "Houve muito medo e autocensura." Para driblar os agentes e infiltrados, Ivan fazia reuniões em ônibus circulares.
"Nos bares era perigoso", diz ele, que entrou para a clandestinidade em 1971.
O jornalista e escritor Zuenir Ventura, apesar de não ter atuação política, sofreu com o chama de "paranóia" que se instalou. "Haviam arrastões, muita gente era presa", diz ele, que também foi preso. Ventura lembra de pais procurando por filhos nos quartéis e do medo -até mesmo na praia- de se estar sendo gravado.
"A sociedade não sabia o que ocorria nos porões, havia todo um trabalho da ditadura para mostrar que o país estava em ordem", diz, relembrando a dificuldade de convencer amigos de que ocorriam torturas.

Reação
Após os primeiros dias de impacto do AI-5, todos tiveram que se adaptar às novas circunstâncias. Gabeira, por exemplo, foi logo participar de panfletagens para denunciar "o golpe dentro do golpe". "Mas era patético. Não havia nenhum clima entre as pessoas que pudesse ser estimulado.
Como se um Maquiavel tropical dissesse: "Vamos fazer o mal de uma vez só e antes do natal"."
Já Jaguar diz que os jornalistas do Pasquim foram obrigados a aprender truques para driblar a censura. "Nossa primeira censora foi a dona Marina, que um dia me pediu um gole do meu whisky. No dia seguinte, eu deixei uma garrafa e gelo na mesa dela, para agradá-la. Ela acabou demitida."
Quando a censura foi para Brasília, Jaguar enviava uma enorme quantidade de matérias para dificultar a análise. "A gente mandava o rascunho a lápis. Eles aprovavam o desenho, mas na obra final a gente mudava a expressão do desenho, o que alterava o sentido."


Colaborou ANA FLOR, da Reportagem Local


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