São Paulo, segunda-feira, 14 de fevereiro de 2000


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GLOBALIZAÇÃO
Em seu último discurso como diretor-gerente do FMI, francês diz que pobreza é ameaça mundial
Camdessus critica desmonte do Estado

CLÓVIS ROSSI
enviado especial a Bancoc

Em seu último pronunciamento como diretor-gerente do FMI (Fundo Monetário Internacional), Michel Camdessus disse ontem que "desmantelar sistematicamente o Estado não é o caminho para responder aos problemas das economias modernas".
O francês Camdessus, que deixa o cargo hoje, falava durante uma das sessões da Unctad-10, a 10ª reunião quadrienal da Conferência das Nações Unidas para Comércio e Desenvolvimento.
O discurso de Camdessus contraria a lógica liberal associada ao FMI, mas é coerente com a guinada da instituição, por ora verbal, verificada durante a sua assembléia anual em outubro.
Nela, como agora em Bancoc, Camdessus pôs toda a ênfase no combate à pobreza, tema que não figurava entre as prioridades do Fundo, dedicado a gerenciar as finanças internacionais.
O diretor-gerente do FMI repetiu, literalmente, a frase mais marcante de seu discurso de outubro passado: "A pobreza é a ameaça sistêmica fundamental à estabilidade em um mundo que se globaliza".
Três quartas partes do discurso de 39 páginas de Camdessus foram dedicadas à pobreza. Nem por isso, ele deixou de ser contemplado com um bolo de creme no rosto (leia texto ao lado).
Ele propôs "um multilateralismo revigorado" como meio para um esforço concentrado para superar a pobreza mundial.
O problema entre o discurso e a prática é que "o multilateralismo revigorado" proposto por Camdessus assenta-se nas mesmas premissas liberais que os adversários da liberalização apontam como causa do aumento da brecha entre ricos e pobres.
Camdessus, que ficou 13 anos à frente do Fundo, defendeu, por exemplo, a liberalização dos pagamentos externos.
O cargo de diretor-gerente do FMI será ocupado, interinamente, pelo adjunto de Camdessus, Stanley Fischer. Entre os cotados para encabeçar a instituição está o alemão nascido no Brasil Caio Koch-Weser, vice-ministro das Finanças da Alemanha.
Martin Khor, diretor da "Third World Network", uma rede de ONGs (organizações não-governamentais) com sede na Malásia, aproveitou a sessão interativa para cobrar de Camdessus um mea-culpa sobre os erros que a instituição que dirige teria cometido.
Camdessus ergueu a voz para dizer que "se nós (as organizações internacionais) tivéssemos cometido tantos erros, não estaríamos vendo uma rápida recuperação da mais grave crise dos últimos 50 anos".
Depois, em entrevista coletiva, foi ainda mais longe na defesa de sua instituição e demais organismos internacionais: "Os melhores amigos dos pobres são nossas instituições, e isso pode ser provado e documentado".
Martin Khor não está, no entanto, sozinho nas suas críticas ao FMI e às políticas por ele recomendadas. Na véspera, em seu discurso na sessão plenária, o primeiro-ministro da Malásia, Mahathir Bin Mohamad, disse que seu país "teve que abandonar as prescrições do FMI porque as coisas, na prática, estavam piorando rapidamente".
Mahathir também atacou o liberalismo hoje hegemônico, ao dizer: "A crença corrente na comunidade global, de que os países devem abraçar a liberalização e adotar regras globais, do que resultaria o crescimento, provou não ser correta".

Manifestação
Fora do Centro de Convenções Rainha Sirikit, local da reunião, um grupo de manifestantes fazia pelo segundo dia consecutivo o seu protesto contra o liberalismo e a globalização.
"Algumas das conseqüências diretas da globalização são insegurança no trabalho, crescente brecha entre o Norte e o Sul, assim como a brecha entre os que têm e os que não têm dentro de muitos países em desenvolvimento", dizia o manifesto do Centro de Coordenação do Trabalho da Tailândia, um dos principais grupos na manifestação.


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