São Paulo, segunda-feira, 14 de fevereiro de 2005

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

BRASIL PROFUNDO

Empregado de fazendeiro acusado pelos sem-terra é morto

Após morte de freira, polícia apura novo assassinato no PA

KÁTIA BRASIL
DA AGÊNCIA FOLHA, EM ALTAMIRA (PA)

THIAGO REIS
DA AGÊNCIA FOLHA

Foi morto na noite de anteontem, em Anapu (oeste do Pará), um funcionário do fazendeiro apontado pela CPT (Comissão Pastoral da Terra) como provável mandante do assassinato da missionária norte-americana Dorothy Mae Stang, 73, ocorrido horas antes no mesmo município.
Adalberto Xavier Leal, 38, foi assassinado a tiros de espingarda, segundo a Polícia Civil, que trabalha com a hipótese de vingança pela morte da religiosa.
Familiares de Leal disseram à polícia de Anapu que dois colonos de um assentamento da região chegaram a sua casa armados, atiraram contra ele e fugiram. A polícia não conseguiu identificar os dois acusados.
Leal trabalhava no loteamento 55 -que pertence, segundo a CPT, a Dinair Feijó da Cunha, apontado pela entidade como suspeito de ser o mandante da morte de irmã Dorothy. A polícia não confirma a suspeita. O fazendeiro não foi localizado pela reportagem.
De acordo com o delegado de Anapu, Marcelo Ferreira de Souza Luz, a missionária foi morta por volta de 7h30 de anteontem com nove tiros. O corpo ainda seria examinado pelo IML.
Segundo o delegado, o local do crime, uma estrada de terra íngreme de difícil acesso e cercada de mata, fica a 53 km da sede de Anapu, entre os loteamentos 16 e 55 -a área que seria de Dinair.
A Polícia Federal abriu ontem um inquérito paralelo ao da Polícia Civil do Pará para investigar o assassinato da missionária.
"As mortes têm relação. Há informações de que teriam sido amigos da irmã que revidaram. Estamos investigando", disse o superintendente da Polícia Federal do Pará, José Ferreira Sales.
A CPT, entidade para a qual Dorothy Stang atuava na região, não quis se pronunciar ontem sobre a possibilidade de a morte do funcionário ter sido um revide ao assassinato da missionária.
Mas outro grupo em que a religiosa atuava, a Associação Solidária Ecológica de Frutas da Amazônia, negou as informações da polícia e disse que os dois casos podem não estar relacionados.
Segundo Geraldo Magela, técnico da associação, "da parte dos agricultores não ocorreu represália". Ele afirmou que Adalberto Xavier Leal era um assentado do lote 16, que não estaria trabalhando para o fazendeiro Dinair. O técnico disse ainda que não sabe quem poderia ter cometido o crime. "Mas a informação é que pistoleiros estão na área", afirmou.

Prisão preventiva
A Polícia Civil pediu a prisão preventiva de três suspeitos de envolvimento na morte de irmã Dorothy. Um deles seria o mandante e os outros dois, pistoleiros. Uma quarta pessoa também é investigada. A polícia não quer divulgar seus nomes até que seja efetuada a prisão dos acusados.
A polícia disse que só uma pessoa -um trabalhador rural- acompanhava a irmã e presenciou a execução. Os disparos, que se alojaram nas costas e na cabeça, foram feitos a uma distância de dois metros. Segundo depoimento à polícia, dois homens abordaram a freira, que ia a uma reunião com agricultores, numa estrada de terra. Ela achou que eles queriam conversar e chegou a abrir a Bíblia e ler um trecho aos dois, antes de um deles se afastar, sacar a arma e realizar os disparos.
A polícia conseguiu identificar os suspeitos através de um retrato falado feito pela testemunha, que está sob proteção do Estado.
O corpo da missionária foi levado a Belém para realização da necropsia. O vôo só chegou na capital paraense às 16h30 (horário local) devido ao mau tempo.
O enterro de Dorothy Stang deve acontecer hoje em Anapu, onde ela atuava nos últimos anos como crítica a madeireiros e latifundiários. De acordo com a ordem das Irmãs de Notre Dame de Namur, a freira manifestava o desejo de ser sepultada na cidade.

Escórias
Ao receber no sábado a notícia do crime, dada por Marina Silva (Meio Ambiente), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva determinou ao ministro Márcio Thomaz Bastos (Justiça) que a PF auxiliasse nas investigações. Marina e Nilmário Miranda (Direitos Humanos) viajaram para Anapu para avaliar a situação.
"[Os madeireiros] não são pessoas de bem, são escórias que vêm de várias partes do país. Digo isso porque não é justo dizer que são mineiros ou paulistas. São pessoas muito barra pesada, que usam a lei do gatilho e afrontam o Estado", descreveu Marina.


Colaborou IURI DANTAS, da Sucursal de Brasília

Texto Anterior: Painel
Próximo Texto: Dorothy corria "risco evidente", diz irmã da freira
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.