São Paulo, terça-feira, 14 de fevereiro de 2006

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JANIO DE FREITAS

Aniversário da queda

No pasmo excitante das revelações nas CPIs, não se atentou bem para a grandeza da tragédia que atingiu o PT. Muito menos o fizeram os petistas, ainda irrecuperados do vendaval que supuseram ser um sopro maldoso de adversário, até perceberem que foram varridos os seus justos orgulhos, a honradez conquistada na ação e a fé na sua diferença. Um desastre gigantesco. Político e humano.
Mas sua ocorrência só foi possível porque, muito antes, os alicerces do PT foram retirados, sob o olhar e o silêncio complacentes dos petistas hoje perplexos.
No instante mesmo em que assumiu o poder, Lula impediu o PT de ser governo. Do PT, só puderam ter acesso a cargo no governo os que relegaram todo sinal de petismo e aderiram às doutrinas política, econômica, administrativa e "reformista" praticadas pelo governo da irmandade PSDB/PFL. O governo Lula formava sua própria irmandade com o PL de Valdemar Costa Neto, o PP malufista, o PTB de Roberto Jefferson, o PDT não-pedetista e a corrente oficialismo-eterno do PMDB.
E o PT, o PT dos 800 mil filiados, o PT que se fazia representação das mudanças corretivas, tudo aceitou calado. Mesmo entre os seus filiados com notória capacidade analítica e crítica, não preenchem os dedos da mão (esquerda, naturalmente) os que ergueram a cabeça e a hombridade. O PT já estava quebrado quando Lula chegou ao poder.
É comum a afirmação de que o PT começou a mudar quando, a qualquer altura, passou a ambicionar a conquista do poder. O PT almejou o poder desde que se constituiu. Ou não se faria partido, porque é da natureza dos partidos, e o que lhes dá sentido, o propósito de elevar-se ao poder. O que deu ao PT uma personalidade única na cena partidária, foi a originalidade de ser, a um só tempo, partido e movimento. Pela razão mesma de representar as aspirações de mudanças estruturais, capazes de diminuir as desigualdades e aumentar as oportunidades onde faltam, com a fisionomia de partido o PT assumiu, sobretudo, o espírito próprio dos movimentos. Daí que nele se tenham juntado aos sindicalistas, que seriam os trabalhadores do nome, tantos estudantes, intelectuais e outras partes expressivas da classe média.
O projeto Dirceu/Lula para o PT extinguiu o sentido de movimento. Voltava-se, ainda, para o domínio interno. Ao ascender, a coletividade do petismo passou a ser vista, cada vez mais, apenas como instrumento tático da cúpula centralizadora. A visão utilitária impôs-se à visão partidária, reprimiu-a e a esfacelou. Não o PT, mas o petismo estava falido. Sem o alicerce que era o seu sentido de movimento, tornou-se um partido como outro qualquer. E o PT que se fizera representação das mudanças corretivas, este PT calou-se.
Quem não tem medo de ver sabe que Lula e Dirceu são os responsáveis pelo ocorrido ao PT e ao petismo. Essa história de que "Lula não traiu, Lula foi traído, este governo foi eleito para promover mudanças substanciais e isso não ocorreu", essa história é fuga. O governo não foi eleito. O eleito foi Lula, e o governo foi constituído -por Lula. Em conformidade com o projeto Dirceu/Lula que reduziu o PT a instrumento de manobra da cúpula do partido e, depois, cúpula do governo. Não por acaso, a mesma.
Só se pode imaginar que a festa de aniversário do PT, ontem, tenha celebrado o terceiro aninho do novo PT, confraternizado com PL, PTB, PP, PMDB governista. Ou tenha sido uma reunião de saudosismo sem remédio e sem consolo.


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