São Paulo, quarta-feira, 14 de fevereiro de 2007

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ELIO GASPARI

Precisa-se de patrulhas para a Previdência

Um naco da intelectualidade e da política brasileiras come no andar de cima e morde o de baixo

QUANTO MAIOR o debate da reforma da Previdência, melhor. Aqui vai uma contribuição que não acrescenta grandes lances às mudanças, mas retira parte da hipocrisia dos personagens desse pagode.
Tocando no ponto central da elevação da idade limite para as aposentadorias da patuléia do INSS, Nosso Guia disse o seguinte:
"Tem problema de idade? É possível que tenha. Vamos tentar resolver isso, mas discutindo com a responsabilidade de um país que quer prometer ao seu povo, daqui a alguns anos, um sistema de Previdência que seja seguro. (...) Eu acho que tem trabalhador que poderia trabalhar um pouco mais".
A proposta é que cada declaração como essa seja acompanhada pela qualificação (se possível, voluntária) do sábio. Coisa assim:
"Lula, 61 anos, aposentou-se em 1997, aos 52 anos. Desde então recebe uma Bolsa Ditadura que hoje está em R$ 4.509,68 mensais."
Cada doutor que desse uma opinião a respeito da reforma da aposentadoria da choldra informaria ao público sua posição na nobiliarquia previdenciária.
Ilustres professores de universidades públicas assinariam artigos informando que são mestres de cá e aposentados d'acolá. Haverá casos de sábios que se aposentaram sem quebrar a marca das cem aulas. Tudo dentro da lei, no mais absoluto respeito aos trâmites.
Um em cada quatro parlamentares ganha alguma coisa como aposentado. Dezenove Estados pagam prebendas a ex-governadores ou suas viúvas. Essas bocas ricas são somadas aos vencimentos do Congresso.
Poderosos economistas estão associados a programas de Previdência de estatais que já consumiram dezenas de bilhões de reais da Viúva na terraplenagem de seus buracos.
A acumulação de aposentadorias do serviço público com atividades profissionais em hospitais, casas bancárias ou centros de quiromancia econômica, é legal, legítima e lisa, mas é também informativa, sobretudo quando o cidadão discute a reforma da Previdência em geral.
Ninguém deve ter vergonha do que recebe. Toda pessoa que se considera habilitada a discutir a reforma da Previdência teria a generosidade de informar onde se abrigou para escapar da velhice-caraminguá do INSS.
Há nesse conjunto uma exceção. É o cidadão que não tem a ver com as aposentadorias públicas e estatais. Ele contribui para o INSS, participa do plano de previdência da empresa privada onde trabalha ou comprou uma apólice individual. Esse teria a satisfação de se identificar assim:
"Não sou aposentado da Viúva. Quando quiser parar de trabalhar, receberei aquilo que investi, que não é da conta de ninguém."
A apresentação das propostas de reforma da Previdência com a qualificação nobiliárquica do autor mostrará como um naco da intelectualidade e da política brasileira comem no andar de cima e mordem o de baixo.
A discussão ficará mais animada se alguém formar patrulhas previdenciárias. Xeretas de todas as castas podem descobrir incríveis aposentadorias, listando-as em algum canto da internet.
Lula tinha 52 anos quando começou a receber dinheiro da Viúva sem a contrapartida do trabalho. Não foi páreo para o patrono das ekipekonômicas brasileiras.
O Visconde de Cairu aposentou-se pela primeira vez em 1797, aos 41 anos. Acumulou uma Bolsa Portugal com três empregos públicos, inclusive uma cátedra-fantasma.


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