São Paulo, domingo, 14 de março de 2004

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REFÉM DA BASE

Presidente do partido, que deve ser reeleito hoje, afirma que caso Waldomiro foi decisivo na consolidação da relação com PT

Lula não governa sem PMDB, diz Temer

KENNEDY ALENCAR
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Com reeleição por mais dois anos assegurada na convenção nacional do PMDB, hoje, em Brasília, o presidente do partido, Michel Temer, defende "mudanças" na política econômica do governo. E diz que o caso Waldomiro Diniz tornou "difícil para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva governar sem o PMDB".
Deputado federal por São Paulo, o advogado Temer, 63, prega como "necessária para o bem dos brasileiros a diminuição da meta de superávit primário [hoje fixada em 4,25% do Produto Interno Bruto] e da taxa de juros". O superávit, toda a economia de gastos públicos para o pagamento da dívida, é o pilar do ajuste fiscal.
Ressalvando que não "palpita em assuntos do PT", afirma que os correligionários de Lula poderiam "ajudar mais" no Senado. O presidente da Casa, José Sarney (PMDB-AP), e o líder do partido no Senado, Renan Calheiros (AL), estão na linha de frente da operação para abafar CPIs, enquanto petistas são acusados de erros.
Temer avalia que o caso Waldomiro, homem da confiança de José Dirceu (Casa Civil) que, em vídeo de 2002, pede propina e contribuição de campanha a um empresário, "deu sacudidela" no PT. O episódio ocorreu no Rio, na gestão Benedita da Silva (PT).
Afirma que o PMDB não dará tratamento preferencial ao PT nas eleições municipais de outubro, mas o mesmo que destinará a partidos da oposição, como PSDB e PFL. Diz que há acordo "parlamentar e governamental" com o PT, não "acordo eleitoral".
O presidente do PMDB acredita que o ministro Dirceu "superará" a crise do caso Waldomiro. Mas afirma que será necessária CPI se surgir "fato novo" nas investigações da Polícia Federal sobre "agentes públicos ou políticos". Seguem os principais trechos da entrevista, concedida anteontem:

 

Folha - O governo sempre privilegiou Sarney na interlocução com o PMDB. Na quarta, Dirceu procurou o sr., que tem laços com oposicionistas da sigla. O governo amplia contatos no partido para se blindar na crise do caso Waldomiro?
Michel Temer -
Não há dúvida de que naturalmente está havendo procura mais ampla, porque se revelou aos olhos do governo a absoluta unidade do PMDB, que virá retratada na chapa única do Diretório Nacional que será eleita domingo [hoje].
É possível que essa circunstância de unidade tenha ensejado novos contatos numa hora difícil.

Folha - O PT diz desejar aliança preferencial com o PMDB nas eleições municipais de outubro. Nos bastidores, fala em contar com apoio à reeleição de Lula em 2006.
Temer -
Tenho conversado com o presidente do PT, José Genoino, sobre a eleição municipal. Tenho enfatizado e ele também que as alianças municipais se darão de acordo com as circunstâncias de cada localidade. Não há como a direção nacional do PMDB impor aos diretórios municipais decisão de aliança com o PT.
Dizer agora o que acontecerá em 2006 é prematuro. O objetivo é ter candidato próprio, mas não descarto diálogo futuro.

Folha - Na hora de alianças, o PMDB dará o mesmo peso ao PT que dará ao PSDB e ao PFL?
Temer -
Sim. Não há restrição em relação ao PT, mas também não há restrições em relação a outros partidos. O PMDB é um partido multifacetado politicamente.

Folha - Quando o PMDB fala em candidato à Presidência o nome é o do ex-governador Anthony Garotinho, secretário da Segurança Pública do Rio?
Temer -
É um nome. Temos seis governadores, o presidente Sarney e parlamentares de peso.

Folha - Em outras eleições, o PMDB adotou o discurso de candidato próprio e, na hora decisiva, apoiou outro. É lícito duvidar que tal projeto não seja para valer mesmo em 2006?
Temer -
Por isso digo ser prematuro falar de 2006. Só posso expressar agora um desejo que sinto no partido de identidade própria e de disputar a Presidência.

Folha - Na reunião com o ministro Dirceu, ele disse que deseja apressar integração do PMDB ao governo, o que significa dar os cargos de segundo escalão prometidos na reforma de janeiro. Esses cargos vão sair?
Temer -
Essa é uma decisão do governo. O PMDB, pela direção nacional, não os postula. Aguarda como aguardou a integração aos dois ministérios. O que ele disse foi que o PMDB era indispensável à governabilidade e que julgava fundamental a integração do PMDB ao governo o mais urgentemente possível.

Folha - Após o caso Waldomiro, ficou difícil Lula governar sem o PMDB?
Temer -
É uma verdade. É difícil para o presidente governar sem o PMDB. O partido integrado ao governo é muitíssimo útil à governabilidade. Mas saliento que é um acordo parlamentar e governamental, não eleitoral.

Folha - O PMDB não reforça a imagem de partido fisiológico ao contribuir decisivamente no Senado para abafar CPIs?
Temer -
O PMDB está preocupado com o país. Não há dúvida de que o presidente Sarney e o líder Renan têm dado demonstrações de muito apoio. Se não fossem os dois, a situação ficaria mais complicada para o governo.

Folha - O PT tem sido acusado de criar problemas para o governo no Senado, enquanto o PMDB ajuda mais.
Temer -
Não vou me meter na relação do PT com o governo. Claro que, como todo partido aliado, o PT poderia ajudar mais o governo, com mais unidade. Deve registrar, porém, que o PMDB tem sofrido ônus, com desgaste político, devido ao auxílio mais efetivo ao governo.

Folha - Qual ônus?
Temer -
A idéia equivocada de que ajuda em troca de cargos, que é o que sai na imprensa.

Folha - Qual o saldo para o governo do caso Waldomiro?
Temer -
É evidente que não é positivo, mas negativo. Tratava-se de alguém com assento no Palácio do Planalto. Não quero entrar no mérito. Acho que as investigações devem ser processadas rapidamente pela Polícia Federal.

Folha - O sr. é a favor de CPI?
Temer -
Por ora, não. Se na investigação da Polícia Federal surgirem indícios ou fato novo de envolvimento de agentes públicos ou políticos, não há dúvida de que o Congresso deve abrir CPI.

Folha - É irreversível o enfraquecimento de Dirceu?
Temer -
Ele superará isso.

Folha - Qual será o efeito eleitoral do caso Waldomiro?
Temer -
Esse fato deu discurso político-eleitoral à oposição e até para partidos que concorrerão com o PT nos municípios. Lamentavelmente, mesmo em relação ao PMDB, há Estados em que alianças são difíceis. Há oposição muito grande do PT aos nossos governadores. Por isso, tenho dito ao governo que o PMDB não é só o Congresso, mas um universo muito maior. É preciso mais cuidado com nossos governadores.

Folha - A idéia de que o PT é mais ético do que outros partidos foi avariada?
Temer -
Maniqueísmo é sempre intolerável e autoritário. Quando se diz que o bem está de um lado e o mal do outro, faz-se o que há de menos religioso. Foi uma sacudidela no PT, um despertar no sentido de dizer: "Não vamos atirar pedras, porque podemos recebê-las de volta".

Folha - O próprio PT divulgou nota pedindo "mudanças" na política econômica? Qual a opinião do sr. e da cúpula do partido sobre a política de rigor fiscal e monetário do ministro Antonio Palocci Filho (Fazenda)?
Temer -
Em 2003, o governo agiu adequadamente. Fez o equilíbrio das contas públicas, como no governo passado. Agora, porém, o PMDB cobrará mais ousadia. É necessária para o bem dos brasileiros a diminuição da meta de superávit e da taxa de juros. O objetivo deve ser incentivar o setor produtivo e não apenas atrair capitais para investimentos de curtíssimo prazo.


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