São Paulo, domingo, 14 de março de 2004

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GOVERNO EM DISPUTA

Para petista Cristovam Buarque, demitido do ministério de Lula, nota do partido sugere essa crença

"PT acredita que mercado vá salvar o país"

GABRIELA ATHIAS
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Ainda magoado por ter sido exonerado por telefone do cargo de ministro da Educação, o senador petista Cristovam Buarque (DF) quebrou o silêncio para fazer duras crítica ao seu partido e ao governo. Entre as principais, disse que o caso Waldomiro Diniz só ganhou dimensão nacional e abalou o PT porque o partido tem se "vendido" apenas pela ética.
"O PT ficou refém do fato de ter vinculado sua imagem quase somente à defesa das questões éticas", afirmou Cristovam. "Se tivéssemos explicitado ao país quais são as nossas metas e fundamentos, o assunto Waldomiro ficaria local, restrito", completou.
Cristovam retornou ao Senado, ficou um tempo em silêncio, mas agora voltou a criticar o governo e o seu partido. "Fiquei calado todo esse mês, mas a nota do PT foi um erro", disse, referindo-se ao documento aprovado pelo partido no dia 5 deste mês, com a cobrança por mudanças na política econômica. "O PT precisa voltar a ser um partido de esquerda."
Para o senador, a nota -intitulada "Em Defesa do Patrimônio Ético do PT"- é a comprovação de que o partido não adota os interesses da população mais pobre como bandeira. "O PT está fechando os olhos para as necessidades dos mais pobres", disse.
Segundo ele, o partido pede a redução da taxa básica de juros, como se isso fosse a solução para garantir a retomada do crescimento e a geração de empregos, medidas que, pela lógica do documento, afirma o senador, beneficiariam os mais pobres.
Para Cristovam, quando o PT pede em nota a redução de juros e defende que isso vai gerar o ciclo do crescimento econômico no país, está transferindo essa responsabilidade para o mercado.
"Quem disse que, se os juros baixarem, as empresa irão contratar trabalhadores?", pergunta o senador. "Quem garante que, se forem feitas contratações, elas não irão beneficiar apenas os que são mais escolarizados?"
Para Cristovam, o documento quer dizer basicamente que o PT, que se considera o maior partido de esquerda brasileiro, "acredita que o mercado é quem vai resolver os problemas do país".
O senador sugere que o partido elabore metas claras para a defesa dos setores mais pobres da população. "O PT tinha que elaborar uma lista de metas "abolicionistas" e não apenas assistenciais, como é o caso da extinção do analfabetismo entre os adultos", disse.
E foi além: o fato de o escândalo gerado pelo caso Waldomiro também ter abalado o Palácio do Planalto é típico de "um governo que não tem metas claras".
Para Cristovam, o caso do ex-subchefe de Assuntos Parlamentares da Presidência, flagrado em vídeo gravado em 2002 pedindo propina a um empresário do ramo de jogos, é grave, mas localizado e não tem relação com o governo de Luiz Inácio Lula da Silva, já que o episódio divulgado agora aconteceu quando Waldomiro era presidente da Loterj (Loteria do Estado do Rio de Janeiro) na gestão Benedita da Silva (PT).
"O caso é grave, mas não é histórico, não é nacional e não vai repercutir daqui a 20 anos."
Waldomiro Diniz, que era homem de confiança do ministro José Dirceu (Casa Civil), também trabalhou como assessor parlamentar de Cristovam, quando o senador foi governador do Distrito Federal entre 1995 e 1998.
Só a falta de metas do PT e do governo explicam o fato de o assunto ter dominado as discussões do Congresso Nacional, avalia Cristovam. "Se o governo estivesse criando mais uma zona franca no Amazonas, o Arthur Virgílio teria outros assuntos para pensar e não apenas no Waldomiro", disse referindo-se ao líder do PSDB no Senado e um dos críticos mais ferrenhos da gestão Lula.
"Se o governo tivesse obrigado todas as prefeituras do país a matricularem as crianças de quatro anos na escola, os prefeitos estariam no Congresso, reclamando por verbas. Mas, nesse caso, estaríamos tendo um debate sobre quais são as prioridades de investimento do governo", afirmou.
Cristovam foi exonerado do cargo de ministro da Educação, no último mês de janeiro, durante a reforma ministerial. O presidente o demitiu por telefone, quando o senador estava em viagem a Portugal. O ex-governador do DF saiu do ministério fazendo críticas à condução da área social.
Cristovam diz ainda que o discurso dos políticos do PT e dos congressistas de tendência mais à direita deveria ser distinto. "É preciso haver diferença entre o discurso do Renan Calheiros [líder do PMDB no Senado] e o do José Genoino [presidente do PT], e o Lula seria o ponto de equilíbrio, mas está tudo igual."


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