São Paulo, domingo, 14 de março de 2004

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ELIO GASPARI

Tunga de dinheiro e poder

Há uma tunga de poder e dinheiro no forno dos companheiros. Chama-se reforma sindical. Pretende avançar no bolso dos trabalhadores e criar uma nova esfera de poder no país: as centrais (leia-se CUT e Força Sindical). A tunga está no forno, mas isso não significa que será servida. Se alguém se mexer, ela pode queimar, ir ao lixo ou, na melhor das hipóteses, mudar de tempero e de ingredientes.
Para quem já ouviu falar em pluralidade sindical, a reforma prevê essa possibilidade, mas dá até cinco anos de sobrevida aos atuais monopólios da representação dos trabalhadores.
Falou-se no fim do Imposto Sindical (um dia de trabalho da choldra). O anteprojeto discutido por governo, sindicatos, centrais e empresários acaba com ele. Troca-o por outro. Hoje esse imposto equivale a 0,33% da folha. Pode-se estimar que outros penduricalhos sindicais tomem aos trabalhadores algo como 1,1% da folha de pagamento. O anteprojeto legitima as tunguinhas numa só tungona. É possível que, ao fim das contas, resulte em algo próximo a 1,1% da folha. Com mão de seda, o rascunho da reforma quer morder o bolso dos 10 milhões de funcionários públicos. Os 600 mil servidores civis federais podem render R$ 600 milhões anuais para os donos do aparelho sindical. O presidente do SindLegis, Ezequiel Nascimento, é claro: "Isso é assalto. Querem criar um novo centro de poder. Quem o controla?".
O anteprojeto de reforma dá às centrais poder de baraço e cutelo. Ficarão com 10% do ervanário e poderão se sobrepor às assembléias sindicais.
Há uma certa pressa em mandar ao Congresso as conclusões do anteprojeto do Fórum Nacional do Trabalho. Pena. As propostas deveriam ser submetidas a um debate mais amplo, sem nenhuma pressa. Para um sindicalismo que defendeu o fim de um imposto e agora aparece com outro, a novidade merece respeito.
O debate é necessário até porque o Brasil precisa de um sindicalismo forte (leia-se sem pelegos) e a massa das contribuições recebidas pelos sindicatos está entre as menores do mundo. É cinco vezes menor do que as vigentes nos Estados Unidos, Japão, França ou Argentina.

Os sábios recriaram a Casa Grande

Um estudo do professor Marcio Pochmann informa que a política Curupira (o índio de dentes verdes que tem os pés voltados para trás) revitalizou a figura dos agregados na sociedade brasileira. Agregado social é a tradução politicamente correta daquilo que já foi a senzala.
Desde 1980, o trabalho doméstico-familiar tem sido a ocupação que mais cresce no Brasil. Cresceu a 4% ao ano, quase o dobro da taxa de aumento do emprego geral. Desde a primeira metade do século 19, quando o tráfico negreiro estava a velas soltas, não acontecia coisa parecida.
A política Curupira levou o percentual de brasileiros em atividades domésticas em 2000 (19,6% da mão-de-obra) a números piores que os de 1940 (18,8%). Pochmann trabalhou com os números do Censo de 2000. Hoje, com mais quatro anos de ekipekonômica, a situação deve ter piorado.
Desde 1980, são as seguintes as profissões com maior demanda: copeiro, garçom, governanta (multiplicaram-se 9,3 vezes), vendedores ambulantes (4,3 vezes) e vigilantes (3,3 vezes).
Quem lê os discursos dos maganos vê um Brasil que anda para a frente. Quem presta atenção no rastro do Curupira vê que em 1980 os agregados eram 14% do total de ocupados. Em 2000, eram 20%.
Não é à toa que em "Celebridade" Gilberto Braga tem pelo menos dez agregados num elenco com 30 personagens relevantes. Na comissão de frente, seis craques: Darlene, Jacqueline Adauto, Eliete, Yolanda e Paulo César.

Uma obra federal: a reforma do palácio

É dura a vida de Lula. Continua rodando no Ômega australiano que herdou de FFHH, foi ao Taj Mahal e vai comprar um Airbus importado. Padecerá uma reforma do Alvorada porque o palácio está de um jeito que não se pode tomar banho de banheira no segundo andar, e o sistema de refrigeração anda meio caído. Nos últimos dez anos, os adultos do Alvorada passaram muito bem sem banheira.
Em 1999, quando havia 1,5 milhão de desempregados em São Paulo, FFHH arquivou um projeto de reforma que sairia por R$ 7,29 milhões. Planejava-se torrar R$ 50 mil só no banheiro do rei. Um montacargas para levar comidinhas ao andar de cima custaria R$ 300 mil. FFHH teve de trocar de quarto umas três vezes, por conta de pequenos consertos, mas não fez reforma alguma.
Ainda não se conhecem os detalhes da reforma-companheira.
Quando Lula chegou ao Alvorada, a Grande São Paulo tinha 823 mil jovens de 15 a 24 anos desempregados.
Com o programa Primeiro Emprego, do Ministério do Trabalho, e o Emprego Zero, da ekipekonômica, em dezembro passado os desocupados eram 829 mil. Seis mil a mais.

Obra municipal: palácio vira museu

Depois que a prefeita Marta Suplicy mudou seu gabinete para o antigo edifício Matarazzo, no centro de São Paulo, vagou o espaço que ela ocupava no Palácio das Indústrias, num bairro mais afastado. A prefeitura tinha ido para lá em 1992, pela mão petista de Luiza Erundina. A patuléia pagou a reforma do prédio que hospedou Erundina (US$ 8 milhões) e o novo gabinete de Marta. Agora pagará a conversão do Palácio das Indústrias em museu. Coisa entre R$ 10 milhões e R$ 15 milhões.
A prefeitura abriu a pré-qualificação dos empreiteiros com um edital meio girafa. Faz 25 exigências. Algumas são burocráticas, outras revelam rigor de quem não quer ser meter com predadores. Três exigências, que devem ser cumpridas cumulativamente, afastam as empresas que não tenham executado os seguintes serviços, numa mesma obra:
a) Restauração de um prédio tombado pelo Patrimônio para instalação de museu ou centro cultural, numa área construída de pelo menos 5.000 metros.
b) Instalação de elevador panorâmico para 12 passageiros e deficientes físicos.
c) Instalação de um sistema de ar-condicionado de termoacumulação de gelo. Essa tecnologia produz à noite o gelo que esfria os ambientes durante o dia.
A prefeitura aceita que empresas com capacitações diferentes formem consórcios, o que transforma as exigências de uma licitação em fontes de indução para a formação de sociedades.
Na boca do funil, quem defende o edital como um exemplo de rigor diz que o número de empresas capacitadas a passar pela prova da prefeitura chega a sete ou oito. Quem não gostou, fala em uma ou duas.

Jogo de domingo

Preencha os espaços. Seja um presidente de fim de semana e ajude o PT-Federal a manter o ritmo de sua administração:
Lula deu um puxão de orelha no ministro ................ porque ele plantou uma notícia contando que o ministro ................ tinha levado um puxão de orelha de Lula porque deu uma declaração condenando os recordes nas taxas de desemprego.
Lula está aborrecido porque a sua política de melhoria do ................ ainda não decolou. Reclamou duramente com os ministros .................. e ................ Marcou uma reunião para depois de sua viagem a ................ Quer discutir a centralização das receitas e a descentralização das iniciativas.

Pavio aceso

Vence no dia 1º de julho o prazo dado pela ONU (leia-se governo Bush) para que cerca de 200 terminais portuários brasileiros (e de outros 163 países) estejam nos conformes das exigências técnicas da segurança antiterrorista.
Se o governo não correr atrás do serviço que não fez, surgirão restrições para a entrada de navios brasileiros.
É possível que se consiga um refresco, mas é impossível que não se atenda ao arrocho da segurança.

Curso Madame Natasha de piano e português

Madame Natasha tem horror a música. Ela tem um grande interesse pelo idioma e acaba de dar mais uma de suas bolsas de estudo à Editora Ateliê, pelo seguinte trecho na apresentação do livro "Guimarães Rosa: Fronteiras, Margens, Passagens", da professora Marli Fantini:
"Neste início de século, marcado pelo crescente fenômeno de globalização e suas demandas de flexibilização de fronteiras econômicas, políticas e culturais, o Brasil e a América Latina patenteiam-se como modelo de heterogeneidade cultural, étnica e lingüística, valores imprescindíveis à ampliação dos circuitos comunitários transnacionais, aptos a desencadear uma nova aliança de singularidades e disponibilizar as bases utópicas para o redimensionamento de novas redes planetárias que cada vez mais requerem uma perspectiva multiidentitária".
Madame entendeu: Nonada.

Boa notícia

Há cerca de dois anos o hospital Albert Einstein e o Ministério da Saúde reduziram a macumba que pairava sobre um dos melhores centros médicos do país. Ele usufruía isenções tributárias e era acusado de não devolver em atendimento filantrópico o equivalente ao que a Viúva lhe dava. Os ventos da política universitária levaram para o Einstein a equipe de transplantes de fígado do Hospital das Clínicas.
A Unidade de Fígado do Einstein fez o seu 200º transplante, atendendo à clientela do SUS. Deles, 60 tiveram doadores vivos. Com isso, um hospital privado conseguiu um resultado inédito no atendimento de uma necessidade pública. A equipe do Einstein ficou com dois de cada dez transplantes realizados no Brasil. Três em dez em São Paulo.

ENTREVISTA

Ceci Juruá
(61 anos, economista)

A senhora escreveu um artigo comparando os projetos de Parcerias Público-Privadas (PPP) ao sistema de concessões de ferrovias de dom Pedro 2º. Ele garantia aos empresários uma remuneração fixa sobre o capital investido. Coisa entre 5% e 7%. Tudo bem, mas desse sistema resultaram as ferrovias brasileiras.

A garantia de juros dada pelo imperador aos investidores serviu para aniquilar financeiramente o Estado, criou uma dívida de 50 milhões de libras e deixou o Brasil com uma malha ferroviária de má qualidade. Os fazendeiros nacionais ficaram com mais lucros, os industriais ingleses com mais encomendas e os banqueiros Rothschild com mais dinheiro. O PPP é a terceirização do Estado. Eu me sinto à vontade para dizer essas coisas. Como diretora de transportes rodoviários do Rio de Janeiro, devolvi aos empresários as frotas de ônibus estatizadas. Devolvi porque o Estado prestava um serviço público de má qualidade. O PPP passa aos empresários um poder de decisão que é do Estado e que o povo delegou ao governo. É uma transferência de poder espúria, que acabará dando errado, como as ferrovias no modelo do imperador e no das privatizações de Fernando Henrique Cardoso.
O governo diz que os PPP atrairão, numa primeira coleta, R$ 5 bilhões que, de outra maneira, não seriam investidos.
Eu concordo com uma parceria na qual o governo planeje, decida e entregue as obras e a exploração às empresas privadas. O PPP que o governo quer passar pelo Congresso não é isso. É um sistema no qual o empresário decide de acordo com os seus interesses, o governo garante a remuneração e a sociedade garante o contrato. O que aconteceu com a ferrovias privatizadas pelos tucanos? Seus controladores dizem que as linhas estão dando prejuízo e pedem dinheiro do BNDES. Será que é prejuízo mesmo? Ou será que as ferrovias pertencem a empresas com interesses no transporte de certas cargas (digamos grãos) e dão prejuízo para que outro negócio (digamos soja) dê maiores lucros?
A questão continua do mesmo tamanho. De onde sairá o dinheiro para os investimentos. Em saneamento, por exemplo?
De uma economia que progrida, com juros baixos e normas para que o capital estrangeiro invista na produção, como faz na Ásia. Coisas como o PPP assentam-se na idéia falsa segundo a qual o mercado pode decidir onde se investe em saneamento. O mercado brasileiro é pobre. Aqui, a faixa dos 10% mais ricos começa com gente que tem R$ 3.300 de renda mensais. São 900 euros, o salário mínimo na Comunidade Européia. As multinacionais querem retorno para seus investimentos em transportes ou saneamento. Como o Brasil é pobre, pedem subsídios. A garantia dos juros de dom Pedro ou o PPP do atual governo. Quem decide onde saneia, como saneia e a que preço saneia? Quem determina o valor do subsídio? Essa decisão cabe ao Estado. O PPP delega-a às empresas. Se tivéssemos um plano de saneamento e chamássemos as empresas de acordo com as nossas prioridades, eu ficaria tranqüila. Isso não existe. Se as empresas determinarem as prioridades, as ferrovias atenderão aos interesses dos produtores, o saneamento atenderá aos especuladores imobiliários. A nós caberá pagar a conta, como no tempo do imperador.


O artigo de Ceci Juruá sobre os PPP está no seguinte endereço: www.outrobrasil.net


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