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JANIO DE FREITAS
Dejetos da ditadura
As últimas afirmações do
general Francisco Albuquerque ainda não desmentidas
a respeito do episódio que protagonizou no aeroporto de Campinas ruíram como mais inverdades, sob constatações da Folha e
do "Estadão" em depoimentos e
no registro de ocorrências da
Infraero. Mas o que importa
nem é mais a palavra do comandante do Exército: o episódio excedeu-o.
Fosse um civil a comprometer o
governo com o escândalo de uma
carteirada ministerial, para sustar a partida do avião e nele tomar lugares alheios, alguém duvida de que já estivesse demitido
pelos rigores públicos do vice José
Alencar, seu chefe? Ou por ordem
de Lula? O José Alencar de várias
atitudes francas preferiu, no entanto, acobertar a carteirada e
enfeitá-la com reiterados elogios
ao "sentimento democrático" do
praticante de abuso de poder.
Lula, sem causar surpresa, apressou-se em fazer o mesmo.
O que se ergueu da obscuridade com o autoritarismo do general Francisco Albuquerque foi a
evidência do que todos fingem
não ver: os dejetos do regime militar que até hoje, passados mais
de 20 anos, minam a construção
de um sistema democrático. O
respeito ético e a obediência ao
dever legal que faltam ao presidente e ao vice, na hora de aplicar as apropriadas conseqüências a um militar faltoso, não se
explicam senão pela sobrevivência de temores e sujeições deixados no limbo, mas ativos.
Dejetos que levam não só a
complacências, mas a prepotências também. Um exemplo: Lula
disse muitas vezes, nos dois primeiros anos do mandato, não
haver razão para um projeto de
independência do Banco Central
porque em seu governo o Banco
Central já é independente, acima
de interferências do ministro da
Fazenda e mesmo suas, de presidente da República. Não há por
que o contestar. Mas resulta só
de arbitrariedade a entrega da
moeda do país, e portanto de
enorme influência sobre o futuro
nacional, a quem não foi eleito
para tanto, e só recebeu do Senado aprovação para presidir o BC
subordinado. O verdadeiro poder de decisão sobre toda a economia do Brasil foi entregue por
Lula, sem amparo nenhum para
tanto, fosse legal ou político, a
uma pessoa cuja política de juros
estagnantes é criticada pelo vice-presidente e pelo próprio presidente da República, que legalmente seriam as duas maiores
autoridades governamentais.
É a bagunça das prepotências e
outros abusos antidemocráticos.
Uma carteirada e as inverdades
que a socorrem estão de acordo
com as regras do autoritarismo.
Umas inapagadas por interesse,
outras por vocação, mas algumas por covardia. É só olhar à
volta, e logo se identificam esses
dejetos em ação nas decisões dos
governos e nas ruas, nas empresas e no convívio urbano, no país
todo. E ninguém os enfrenta
-outro resquício do legado ditatorial.
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