São Paulo, sábado, 14 de março de 1998

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ARTIGO PUBLICADO NA FOLHA EM 7 DE JUNHO DE 1990
Constituição ou prepotência?

FERNANDO HENRIQUE CARDOSO

O Executivo abusa da paciência e da inteligência do país quando insiste em editar medidas provisórias sob o pretexto de que, sem sua vigência imediata, o Plano Collor vai por água abaixo e, com ele, o combate à inflação.
Com esse ou com pretextos semelhantes, o governo afoga o Congresso numa enxurrada de "medidas provisórias". O resultado é lamentável: Câmara e Senado nada mais fazem do que apreciá-las aos borbotões. Nos últimos dois meses e meio, foram enviadas ao Congresso 42 medidas provisórias. O Congresso pode aprová-las ou rejeitá-las na íntegra e pode modificá-las. Se não as aprova no prazo de 30 dias, elas perdem validade. A partir daí surgem as complicações constitucionais. O que ocorre depois de eventual rejeição da medida provisória pelo Congresso?
A Constituição é muda sobre a matéria. Quando a elaboramos, o pressuposto era o de que tais medidas seriam remédio extremo, realmente urgente e relevante. O presidente Sarney foi o primeiro a abastardar tal entendimento. Enviou, de outubro de 89 a março de 90, 148 medidas provisórias. Elas passaram a ser editadas como se fossem os antigos "decretos-leis".
Diante disso o Congresso reagiu. Antes de julgar o mérito, o Congresso deve apreciar a "admissibilidade" da medida provisória, ou seja, se ela é constitucional, urgente e relevante. A responsabilidade pela enxurrada de medidas provisórias tem, portanto, co-responsabilidade: Executivo e Legislativo.
Ontem, a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara aprovou um projeto, de autoria do deputado Jobim, que torna claro o âmbito de matérias legislativas dentro do qual o presidente pode emitir medidas provisórias e, embora se admita a insistência delas quando não apreciadas pelo Congresso (o que já é uma demasia), não se permite -obviamente- que o presidente reedite medida rejeitada pelo Congresso.
E foi ontem também -dia glorioso para a democracia- que o Supremo Tribunal Federal concedeu liminar contra a edição da medida 190, em recurso de responsabilidade do procurador-geral da República, do PSDB (com petição magistral de Miguel Reale Júnior) e da OAB. Era flagrante a contrafação: a medida 190 é a mesma 185, disfarçada e piorada, o que é inconstitucional.
Por isso o líder do PSDB na Câmara, Euclides Scalco, e eu pedimos ao presidente do Congresso que devolvesse a referida medida provisória ao presidente da República. O presidente do Congresso não aceitou nossa sugestão. Recorremos de sua decisão à Comissão de Justiça do Senado, que deverá decidir hoje sobre o melhor procedimento a adotar.
É certo, porém, que, seja qual for o mecanismo, ou o Congresso põe ponto final no reiterado desrespeito a si próprio e à Constituição, ou então é melhor reconhecer que no país só existe um "poder de verdade", o do presidente. E daí por diante esqueçamo-nos também de falar em "democracia".
Quanto ao Plano Collor, nada há a temer: existem outros mecanismos legais que permitem ao presidente do Tribunal Superior do Trabalho sustar decisões de instâncias inferiores.



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