São Paulo, sexta-feira, 14 de abril de 2000


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JANIO DE FREITAS
A escalada

O continuado empenho da Presidência da República em reduzir a Polícia Federal a mera figurante na ação antidrogas -causa da queda de dois ministros da Justiça- advém de uma decisão que o governo não pode tornar pública. Precisa, ao contrário, escondê-la sob disfarces, pelo temor das repercussões que produziria entre os militares, no Congresso e na opinião pública.
A criação da Secretaria Nacional Antidrogas, claro que feita por Fernando Henrique Cardoso com uma medida provisória, incluiu-a no Gabinete de Segurança Institucional como um artifício. Poderia ter um civil como secretário para compor as aparências, porque, de fato, estaria entregue ao comando e controle de militares. O Gabinete de Segurança é só o novo nome do velho Gabinete Militar da Presidência. Com o artifício, o governo transgredia mais uma vez a Constituição.
Os militares estão longe da unanimidade em relação ao seu envolvimento na ação contra o narcotráfico. Onde quer que tenha havido esse envolvimento, as Forças Armadas foram atingidas pela corrupção proveniente do farto dinheiro usado para minar a repressão. Nem seriam necessários outros exemplos: a degradação na Colômbia e na Bolívia se passa ali ao lado.
A insistência dos Estados Unidos para o envolvimento não solucionou a divergência entre os militares brasileiros. Nem conseguiu eliminar, além de reservas idênticas às de militares, a impressão de que os americanos estavam exagerando na sem-cerimônia com a soberania nacional brasileira.
A pressão aumentou nos últimos dois anos, sobretudo no ano passado, quando militares e civis foram mandados ao Brasil, embora disfarçando com uma despropositada turnê por dois ou três dos nossos vizinhos. Seu trabalho, mesmo, era em Brasília. Foi no Planalto. Com os interlocutores Fernando Henrique Cardoso e Alberto Cardoso. Ainda no primeiro semestre do ano passado começou a montagem da Secretaria Nacional Antidrogas.
A queda de Renan Calheiros do Ministério da Justiça foi represália à sua recusa de policial ligado aos militares da repressão na ditadura, indicado pelo general Alberto Cardoso e logo nomeado por Fernando Henrique. O escândalo impediu um passo importante na montagem do artifício, que era ter na direção da PF um policial que não seria mais do que marionete operada pelos militares do Gabinete de Segurança Institucional.
A queda de José Carlos Dias deu-se, agora, por causa de uma operação antidrogas que seria feita nas proximidades da Bolívia. As razões verdadeiras da divergência entre o então ministro e a Secretaria Antidrogas ainda não estão estabelecidas com clareza. Mas sustaram a operação. E, com isso, frustraram o passo mais importante, desde a criação da secretaria, na escalada da adesão ao desejado pelos Estados Unidos: a soldadesca e seus oficiais, a presença mais volumosa incluída na operação, iriam consumar o envolvimento direto dos militares na ação antidrogas. Daí por diante, isso deixaria de ser novidade anormal.
Se aceitou o cargo deixado por Renan Calheiros e José Carlos Dias, José Gregori não pode ter restrições, a menos que tenha perdido todo o senso, aos ardis que acobertam a entrega da ação antidrogas às Forças Armadas. Não faltará muito para que o narcotráfico continue progredindo, enquanto o Brasil estará mais parecido com a Colômbia e a Bolívia em mais um aspecto.


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