São Paulo, sexta-feira, 14 de maio de 2004

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IMPRENSA

François Pelou, jornalista banido do Brasil durante ditadura, diz que ato de presidente o faz parecido com militares

Expulso em 70, francês se desaponta com Lula

JOÃO BATISTA NATALI
DA REPORTAGEM LOCAL

O francês François Pelou, 77, foi o último precedente de jornalista estrangeiro expulso do Brasil. Ele chefiava em dezembro de 1970 a sucursal da AFP (Agence France Presse) no Rio. "Estou desapontado ao saber que o governo brasileiro voltou a expulsar um correspondente estrangeiro", disse à Folha. "Creio que quanto a isso o presidente Lula se parece com o regime dos militares."
"Naquela época havia os militares, de quem se pode esperar tudo. Mas do atual governo brasileiro eu não esperava algo do gênero. Estou surpreendido."
Pelou, que está há 13 anos aposentado, disse que, apesar da expulsão, tem boas recordações do Brasil, mas não dos militares. Hoje ele divide seu tempo entre um apartamento em Paris e uma casa de campo no sul da França, de onde falou ontem à noite, por telefone, com a Folha.
A seguir, os principais trechos da entrevista do jornalista.
 

Folha - Foi pessoalmente dolorido para o sr. deixar o Brasil às pressas, há quase 34 anos?
Pelou -
Certamente, é sempre difícil do ponto de vista pessoal. Na época haviam seqüestrado o embaixador suíço, e eu publiquei as condições dos seqüestradores, cuja divulgação o regime militar havia proibido. Disse aos policiais que me interrogaram que eu era pago para enviar informações e não para retê-las comigo.

Folha - Chegaram a prendê-lo?
Pelou -
Infelizmente. Fui levado ao Dops [polícia política] do Rio e levei alguns safanões na cabeça. Obrigaram-me depois a assinar um papel segundo o qual eu havia sido bem tratado. Não tive outra alternativa a não ser assinar. Certa noite, às 3h da madrugada, tiraram-me de minha cela e me levaram ao aeroporto do Galeão. Me entregaram ao comandante de um vôo que partia para Paris.

Folha - Naquela época sua família estava por aqui também?
Pelou -
Sim, certamente. Minha mulher e meu filho estavam comigo havia três anos no Rio. Cheguei a ver o meu filho no momento em que a polícia me embarcou. Ele e minha mulher seguiram para a França dois dias depois.

Folha - Alguém intercedeu para que o sr. não fosse mais torturado?
Pelou -
Eu havia sido correspondente em Saigon e conhecia muito bem o general Westmoreland [comandante americano na Guerra do Vietnã]. Ele intercedeu, e a embaixada americana se interessou por mim. Havia também, é claro, minha própria embaixada, a francesa, que agiu por determinação do então presidente, George Pompidou.

Folha - Não há mais ditadura militar. Mas eis que o governo tenta expulsar um outro jornalista. Qual o seu sentimento?
Pelou -
Fiquei bastante surpreendido. Estive hoje [ontem] em Barcelona, na casa de amigos. Fiquei sabendo do episódio ao ler o "El País". Estou desapontado ao saber que o governo brasileiro voltou a expulsar um correspondente estrangeiro. Não sou partidário de nenhuma corrente política, mas creio que quanto a isso o presidente Lula se parece com o regime dos militares.

Folha - Qual é a seu ver a diferença do Brasil de hoje e do Brasil daquela época?
Pelou -
Naquela época havia os militares, de quem se pode esperar tudo. Mas do atual governo brasileiro eu não esperava algo do gênero. Estou surpreendido.

Folha - Depois do Brasil, onde mais o sr. trabalhou?
Pelou -
Fui para Hong Kong, em seguida para a Espanha e terminei minha carreira na AFP em Bruxelas, quando me aposentei.

Folha - O sr. guarda uma boa recordação do Brasil?
Pelou -
Do Brasil, certamente. Dos militares, um pouco menos.


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