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IMPRENSA
François Pelou, jornalista banido do Brasil durante ditadura, diz que ato de presidente o faz parecido com militares
Expulso em 70, francês se desaponta com Lula
JOÃO BATISTA NATALI
DA REPORTAGEM LOCAL
O francês François Pelou, 77, foi
o último precedente de jornalista
estrangeiro expulso do Brasil. Ele
chefiava em dezembro de 1970 a
sucursal da AFP (Agence France
Presse) no Rio. "Estou desapontado ao saber que o governo brasileiro voltou a expulsar um correspondente estrangeiro", disse à
Folha. "Creio que quanto a isso o
presidente Lula se parece com o
regime dos militares."
"Naquela época havia os militares, de quem se pode esperar tudo. Mas do atual governo brasileiro eu não esperava algo do gênero. Estou surpreendido."
Pelou, que está há 13 anos aposentado, disse que, apesar da expulsão, tem boas recordações do
Brasil, mas não dos militares. Hoje ele divide seu tempo entre um
apartamento em Paris e uma casa
de campo no sul da França, de onde falou ontem à noite, por telefone, com a Folha.
A seguir, os principais trechos
da entrevista do jornalista.
Folha - Foi pessoalmente dolorido para o sr. deixar o Brasil às pressas, há quase 34 anos?
Pelou - Certamente, é sempre difícil do ponto de vista pessoal. Na
época haviam seqüestrado o embaixador suíço, e eu publiquei as
condições dos seqüestradores,
cuja divulgação o regime militar
havia proibido. Disse aos policiais
que me interrogaram que eu era
pago para enviar informações e
não para retê-las comigo.
Folha - Chegaram a prendê-lo?
Pelou - Infelizmente. Fui levado
ao Dops [polícia política] do Rio e
levei alguns safanões na cabeça.
Obrigaram-me depois a assinar
um papel segundo o qual eu havia
sido bem tratado. Não tive outra
alternativa a não ser assinar. Certa
noite, às 3h da madrugada, tiraram-me de minha cela e me levaram ao aeroporto do Galeão. Me
entregaram ao comandante de
um vôo que partia para Paris.
Folha - Naquela época sua família
estava por aqui também?
Pelou - Sim, certamente. Minha
mulher e meu filho estavam comigo havia três anos no Rio. Cheguei a ver o meu filho no momento em que a polícia me embarcou.
Ele e minha mulher seguiram para a França dois dias depois.
Folha - Alguém intercedeu para
que o sr. não fosse mais torturado?
Pelou - Eu havia sido correspondente em Saigon e conhecia muito bem o general Westmoreland
[comandante americano na
Guerra do Vietnã]. Ele intercedeu, e a embaixada americana se
interessou por mim. Havia também, é claro, minha própria embaixada, a francesa, que agiu por
determinação do então presidente, George Pompidou.
Folha - Não há mais ditadura militar. Mas eis que o governo tenta expulsar um outro jornalista. Qual o
seu sentimento?
Pelou - Fiquei bastante surpreendido. Estive hoje [ontem]
em Barcelona, na casa de amigos.
Fiquei sabendo do episódio ao ler
o "El País". Estou desapontado ao
saber que o governo brasileiro
voltou a expulsar um correspondente estrangeiro. Não sou partidário de nenhuma corrente política, mas creio que quanto a isso o
presidente Lula se parece com o
regime dos militares.
Folha - Qual é a seu ver a diferença do Brasil de hoje e do Brasil daquela época?
Pelou - Naquela época havia os
militares, de quem se pode esperar tudo. Mas do atual governo
brasileiro eu não esperava algo do
gênero. Estou surpreendido.
Folha - Depois do Brasil, onde
mais o sr. trabalhou?
Pelou - Fui para Hong Kong, em
seguida para a Espanha e terminei
minha carreira na AFP em Bruxelas, quando me aposentei.
Folha - O sr. guarda uma boa recordação do Brasil?
Pelou - Do Brasil, certamente.
Dos militares, um pouco menos.
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