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VISITA DO PAPA/ARTIGO
Apolitismo e teocentrismo
Opção pelos pobres está implícita na fé, diz papa, que conclama fiéis a ação pública
PAULO DANIEL FARAH
ESPECIAL PARA A FOLHA
"COMO A IGREJA pode contribuir para a
solução dos urgentes problemas sociais e políticos e responder ao grande desafio da pobreza e da miséria?" A pergunta que o papa Bento 16
formulou em seu pronunciamento inaugural da 5ª Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano e do Caribe exterioriza um questionamento
que importa à maior parte dos
fiéis católicos da região.
O pontífice argumentou, em
resposta à questão que a igreja
latino-americana se colocou
nas últimas décadas, que as "estruturas justas" são uma condição fundamental para uma "ordem justa na sociedade", mas
tanto o capitalismo quanto o
marxismo fracassaram na obtenção dessas estruturas porque descartaram a importância
de uma moralidade individual e
porque a estruturas justas são
uma condição indispensável,
"mas não nascem nem funcionam sem um consenso moral
da sociedade sobre os valores
fundamentais e sobre a necessidade de viver esses valores".
A mensagem indica que apenas a crença e o respeito a Deus
podem transformar a sociedade ("Uma sociedade na qual
Deus está ausente não encontra o consenso necessário sobre
os valores morais"), e não se deve reduzir as tentativas de mudanças à atuação política. "Esse
trabalho político não é competência imediata da igreja... Se a
igreja começar a se transformar diretamente no sujeito político, não faria mais pelos pobres e pela justiça. Ao contrário, faria menos, pois perderia
sua independência e sua autoridade moral, identificando-se
com uma única via política."
Após o Concilio Vaticano 2º
(1962-1965), na conferência de
Medellín, em 1968, a igreja latino-americana formalizou sua
"opção preferencial pelos pobres". Embora no início do
pontificado de João Paulo 2º,
na conferência de Puebla, em
1979, a mesma igreja tenha ratificado sua opção pela pastoral
social, nos anos seguintes essa
linha foi alterada. Ontem o
atual pontífice reafirmou a
identidade católica e a ênfase
na ação estritamente religiosa
em um continente que produziu uma teologia que se propunha a responder às suas necessidades locais em articulação com as proposições do catolicismo social dos anos 60 e 70.
No discurso, o papa citou a
Bíblia para alegar que a "opção
preferencial pelos pobres está
implícita na fé cristológica naquele Deus que se fez pobre por
nós para nos enriquecer com
sua pobreza".
Teólogo reconhecido por sua
erudição, por 25 anos Ratzinger foi prefeito da Congregação
para a Doutrina da Fé, a voz da
ortodoxia católica. No livro
"Dogma e Anúncio", questiona
a descrição de Jesus Cristo como um revolucionário e argumenta que, se fosse esse o motivo de ele ter atraído tantos seguidores, revolucionários como Che Guevara teriam atraído
mais fiéis e teriam sido suficientes para conduzir a humanidade. Em seus escritos sobre
o cristocentrismo, embora
exalte a figura de Cristo, defende um monoteísmo puro.
Ratzinger elogiou os regimes
democráticos na América Latina e no Caribe, mas se mostrou
preocupado "ante formas de
governo autoritárias ou sujeitas a certas ideologias que se
acreditavam superadas e que
não correspondem à visão cristã do homem e da sociedade",
em referência provável à Venezuela de Hugo Chávez e à inclinação política de outros países
latino-americanos à esquerda
nos últimos anos.
O papa apresentou sua interpretação da religiosidade popular latino-americana, marcada
por características como a devoção aos santos, "o amor ao
papa" e "a profunda devoção à
Santíssima Virgem de Guadalupe e de Aparecida".
Recordou a declaração de
Nossa Senhora ao indígena
Juan Diego ("Não sou eu a fonte de tua alegria?") e rejeitou
toda a interpretação histórica
acerca do trauma e do apagamento da identidade impostos
aos indígenas por parte dos
missionários católicos no Brasil. "O anúncio de Jesus e de seu
Evangelho não supôs, em nenhum momento, uma alienação das culturas pré-colombianas. Nem foi uma imposição de
uma cultura estranha."
Embora rejeite o sincretismo
e a "utopia de dar vida às religiões pré-colombianas", disse
que "as autênticas culturas não
estão fechadas em si mesmas
nem petrificadas em um determinado ponto da história...
Cristo, ao ser realmente o logos
encarnado, "o amor até o extremo", não é distante de nenhuma cultura". O Santo Padre alegou que "a sabedoria dos povos
originais os levou, felizmente, a
formar uma síntese entre suas
culturas e a fé cristã que os missionários lhes ofereciam".
Ao mesmo tempo em que criticou o engajamento político
como ação primordial da igreja,
o papa ressaltou a "notável ausência, no âmbito político, comunicacional e universitário,
de vozes e iniciativas de líderes
católicos de forte personalidade e de vocação abnegada, que
sejam coerentes com suas convicções éticas e religiosas".
Também conclamou os fiéis católicos a uma participação mais
ativa na esfera pública, em oposição ao secularismo, e defendeu que os pastores fomentem
a "cultura da vida". "Os leigos
católicos devem estar conscientes de sua responsabilidade na vida pública."
Ao final, afirmou que os cristãos "não seguem uma personagem da história passada, mas
ao Cristo vivo, presente no hoje
e no agora de suas vidas". Na
obra "Dogma e Anúncio", escreve que, mesmo ele como
teólogo, conheceu a Deus em
uma relação pessoal e religiosa
antes de dedicar-se intelectualmente à sua compreensão.
"Deus é a realidade fundadora,
não um Deus pensado ou hipotético, mas o Deus de rosto humano", declarou Bento 16.
PAULO DANIEL FARAH é professor na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas
da Universidade de São Paulo
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