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Polícia Militar oferece lição em Tauá
do enviado especial
Às 14h de terça-feira da semana
passada, o delegado Edmar Beserra Granja, 45 anos e 18 de polícia,
cercou um pequeno depósito próximo à BR-020, a 65 km de Tauá,
no sertão dos Inhamuns. Um policial entrou pelo telhado e abriu a
porta. Lá dentro, a prova do que
dizia há quase um mês: os saques
de caminhões ocorridos na localidade de Bom Jesus tinham se
transformado numa bandidagem
comercial. Junto com 400 maços
de cigarros contrabandeados, havia oito fardos com 240 kg da farinha amarelada do programa Comunidade Solidária. Haviam sido
tirados na noite anterior de uma
carreta que teve sangradas as 27 t
que transportava do Paraná a Crateús. O dono do depósito, Antonio
Haroldo Vieira de Almeida, está
foragido.
Pelas contas de Beserra, os saqueadores de Bom Jesus já coletaram 50 t de alimentos. No dia 21 de
abril, quando saqueou uma carreta de feijão e desafiou agentes da
Polícia Rodoviária com quatro tiros para o ar, a turma de Bom Jesus enquadrava-se na categoria
dos saques amparados pela Suma
Teológica de Santo Tomás de
Aquino. Em 40 dias, obstruíram a
BR-020 pelo menos seis vezes.
"Hoje eu posso lhe garantir que
metade desse pessoal vem para a
estrada beber e se aproveitar. Aqui
houve outros saques, mas os trabalhadores não dão trabalho."
No dia 4 de maio, o depósito de
alimentos da Prefeitura de Tauá
foi saqueado pela manhã. À tarde,
num repique, levaram o material
de limpeza. Tauá pode ter sido o
município mais saqueado do Brasil. As obstruções de estrada foram
pelo menos sete. Os saques de depósitos do governo e de escolas,
12. É dificil estimar o tamanho do
butim, mas parece razoável supor
que ficou em torno de 200 t de alimentos. (Desprezando-se um aparelho de vídeo, cinco televisores e
as louças tirados das escolas.)
Em poucas cidades o metabolismo dos saques foi tão complexo e
seu controle tão delicado. No caso
dos piquetes de estrada, produzidos pelas comunidades vizinhas,
há um jogo sobre o asfalto.
De um lado estão piquetes, quase sempre com menos de cem pessoas. Do outro, filas de até 30 carretas esperando passagem segura.
Piqueteiros, carreteiros e policiais
sabem que a estrada pode ser aberta por alguns sacos de feijão e caixas de óleo.
Os carreteiros não arriscam,
porque podem perder toda a carga. Os piqueteiros não saem da estrada porque temem acabar na cadeia. A polícia não entra roncando
porque, sem licença para atirar,
não tem força para dissolver o piquete. Desse impasse resultou
uma mediação que entrou nos
costumes do tenente João Batista
Lima, 47 anos, 30 de PM, comandante do destacamento de Tauá. Já
chegou até a ajudar a distribuir a
comida: "Negociar é melhor. Eles
ficam satisfeitos e vão para casa. É
um povo pacato. Não tem violência nessas comunidades".
O tenente calcula que a dissolução de um piquete custa poucos
quilos de comida por cabeça, mas
nunca incluiu o pessoal de Bom
Jesus na sua benevolência. "Lá
tem cachaceiro."
Seu braço direito é o cabo José
Monteiro Neto, 32 anos, 18 de PM
e três negociações no currículo.
Na terça-feira estava na equipe
que varejou o depósito de farinha
roubada. Duas semanas antes, desobstruiu a BR-020. Ele explica como faz:
"Tem de ter jogo de cintura. Eu
chego, faço os cumprimentos. Em
seguida digo que estou lá para ajudá-los. Nós vamos ao local. Em geral fica a 3 km de onde se juntam
os caminhoneiros. Tem alguns
que se exaltam. Não confiam na
palavra da gente. Nós dizemos que
vamos negociar o que os caminhoneiros vão ofertar. Depois falamos com os caminhoneiros. Explicamos que é fome. Eles nunca
reclamaram. Às vezes, o caminhão
vem com lacre e eles dão dinheiro.
Na semana passada, um vinha
transportando carne e comprou
um saco de arroz."
"Eu digo ao piquete que nós não
estamos aqui para entrar em atrito
com eles, nem com os caminhoneiros. Queremos ajudar os dois.
Levo eles na Pampa e, às vezes,
eles mesmos fazem a negociação.
Eu levo eles para o acordo, mas
sempre trago alguns de volta, com
a mercadoria. Faço assim para que
depois não se venha com insinuações."
É certo que não se pode resolver
a fome da seca impondo pedágios
aos carreteiros das estradas, mas
as histórias de Tauá mostram que
nas cabeceiras da sociedade a
emergência produz fórmulas mais
engenhosas que os impasses e fantasias de Brasília. A 4 de maio, no
dia de todos os saques, o presidente Fernando Henrique Cardoso
ensinou ao país: "Custa mais caro
o avião da FAB levantar vôo do
que a comida que está dentro".
Nada mais racional, desde que se
faça de conta que um jatinho da
FAB não voou para a Costa Rica
levando os 80 quilos de cultura do
ministro Francisco Weffort, representante de FFHH nas cerimônias de posse do novo presidente.
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