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ENTREVISTA DA 2ª
DONNA HRINAK
Diplomata defende união contra os subsídios agrícolas da UE e levar os resultados para a Alca
Embaixadora dos EUA quer aliança com o Brasil na OMC
ELIANE CANTANHÊDE
DIRETORA DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
A embaixadora dos EUA, Donna Hrinak, deixa claro que o Brasil não deve se impressionar com
a linha dura assumida até agora
pelos americanos nas negociações
para a Alca (Área de Livre Comércio das Américas). Isso porque
ainda há muito pela frente até o
prazo de implantação do acordo,
em janeiro de 2005.
"A proposta [dos EUA] de fevereiro foi uma oferta inicial, e oferta inicial é oferta inicial. O Brasil
também fez a sua. O bom negociador não põe todas as suas cartas na mesa na primeira rodada",
disse Hrinak à Folha, na quinta-feira passada.
Hrinak conclama o Brasil a se
unir com os EUA contra os subsídios agrícolas impostos por
União Européia e Japão e não deixa dúvidas: dessa aliança vai depender a boa vontade americana
e a evolução das negociações para
a Alca.
Em Brasília há 15 meses, Hrinak
circula com desenvoltura nos gabinetes petistas, inclusive do Planalto. Ela já foi embaixadora na
Bolívia, na República Dominicana e na Venezuela -de onde saiu
rompida com o presidente Hugo
Chávez.
Curiosidade do seu currículo resumido do site da embaixada
americana na internet: informa
que ela nasceu na Pensilvânia,
mas não diz quando.
Folha - A partir do encontro Bush-Lula, o governo brasileiro ficou
mais maleável nas negociações da
Alca? Houve um recuo nas posições anteriores, consideradas mais rígidas?
Donna Hrinak -
Não. Aliás, eu não
entendi a cobertura
da imprensa brasileira em relação ao
encontro e à nota
conjunta dos dois
países. Primeiro
porque essa declaração abordava
tanta coisa, mas a
cobertura enfocou
apenas a questão da
Alca. Segundo, porque não houve recuo, houve menção
à data [de janeiro
de 2005], e foi uma
reafirmação do
compromisso que
os 34 países do hemisfério têm de
construir a área de livre comércio
até lá. Portanto não houve nada
de excepcional.
Folha - O governo do PT, de esquerda e próximo à Igreja Católica,
não deixava no ar a sensação de
que imporia obstáculos à Alca?
Hrinak - O discurso do PT assim
pode ter sido no início da campanha passada e nos anos anteriores, mas não foi mais nos últimos
meses da própria campanha. E, já
imediatamente depois da eleição,
no primeiro pronunciamento de
Lula como presidente eleito, ele
confirmou o compromisso do
Brasil de negociar tratados de livre comércio, de participar das
negociações. Como o mundo tem
mudado, os discursos têm mudado também. Todos vêem as vantagens do livre comércio. O fato
de o Brasil ter assumido o compromisso de negociar é importante. A declaração conjunta refletia
esse compromisso.
Folha - Foi importante para o presidente Bush, internamente, às
vésperas das eleições americanas,
obter a reafirmação brasileira desse compromisso?
Hrinak - Foi importante, sim. Os
dois presidentes falaram dos interesses dos seus dois países, e isso
interessa também para os 32 outros países democráticos da região. Eles disseram assim: "Nós
somos os presidentes, nós estamos liderando esse processo, e o
nosso compromisso é com a data
de 1º de janeiro de 2005".
Folha - E as negociações, continuam duras?
Hrinak - Estão duras, claro. Faz
tempo que eu digo que são duras
e têm de ser, porque os benefícios
do livre comércio são óbvios. Os
estudos, inclusive do Banco Mundial e de universidades independentes, mostram
que os países que
têm livre comércio
crescem mais rápido e diminuem índices internos de
pobreza. Significa
que a pobreza some
imediatamente?
Não, mas ajuda
muito, os benefícios
são óbvios. Agora,
não dá para dizer
que as negociações
são fáceis, de um
dia para outro. Senão, já teríamos feito. É difícil, há muitos interesses, algumas pessoas vão ter
perdas. Temos de
tratar e analisar a
preocupação de alguns setores, porque são legítimas.
Folha - Já se fala
numa "Alca light", enxuta, aquém
do previsto. Essa é a tendência? E o
que a sra. entende por "Alca light"?
Hrinak - Eu não sei, porque ainda estamos num momento crítico
das negociações, entre o encontro
dos dois presidentes e a reunião
ministerial de Miami, em novembro. Ainda não está definido o
que vai ser possível.
Folha - Quem endureceu o jogo
primeiro não foram os EUA, com o
documento de fevereiro passado
propondo que a questão dos subsídios agrícolas, muito sensível para
o Brasil, ficasse com a OMC?
Hrinak - Os EUA têm dito inúmeras vezes que a questão dos
subsídios agrícolas tem de ser tratada na OMC. A Europa agora
tem mostrado certa flexibilidade
com os subsídios deles. Como eles
vão refletir essa flexibilidade?
Quais vão ser as propostas concretas deles dentro da OMC? Isso
vai nos ajudar a negociar alguns
pontos dentro da Alca, e esperamos já saber nos próximos meses.
Folha - A sra. admite, então, que
ainda pode haver um recuo e uma
flexibilização dos EUA na questão
dos subsídios?
Hrinak - Não podemos fazer nada sem algum progresso na OMC.
Se houver, vamos poder fazer algo. Qual é o algo? Não sei. No
acordo dos EUA com o Chile tratamos dos subsídios às exportações, o que já é um fator de distensão no comércio internacional, e
podemos fazer algo com respeito
à agricultura. Quanto aos subsídios domésticos, vamos ver o que
acontece. Os EUA e o Brasil deveriam ser os aliados mais fortes na
luta contra os subsídios na OMC.
Folha - Por que não na Alca?
Hrinak - Porque a Europa e o Japão são os que mais impõem subsídios. Os subsídios da União Européia são três vezes os dos EUA.
Folha - O Brasil, portanto, é punido duplamente: pelos subsídios deles e os dos EUA. E a Alca não vai
mudar nada?
Hrinak - Se eu estivesse tomando
as decisões, eu olharia para a
OMC, pensando: "Bom, eu posso
ganhar algo aqui, criando essa
aliança com os EUA, o que depois
vai ajudar dentro da Alca". O progresso que fizermos lá terá seu reflexo nas negociações da Alca.
Uma coisa que os europeus têm
feito muito bem, a meu ver, é difundir essa impressão de que o tema subsídios é somente entre eles
e os Estados Unidos. Mas o impacto é também muito grande
nos países em desenvolvimento,
que ainda estão desenvolvendo
sua agricultura, como o Brasil.
Por isso, acho que há uma aliança
natural e que devemos promovê-la mais, e ela vai nos favorecer
aqui no hemisfério.
Folha - A resposta do Brasil à proposta dos EUA de empurrar os subsídios para a OMC foi na mesma
moeda: sugeriu jogar também para a OMC tudo o que interessa aos
EUA, como serviços, propriedade
intelectual e compras governamentais. Os EUA aceitam? Qual sua
opinião sobre isso?
Hrinak - Nossa posição é ver que
progresso podemos fazer em cada
fórum. Em algumas coisas, podemos solucionar ou mesmo fazer
progressos somente na OMC.
Mas isso não quer dizer que não
possamos fazer nenhum progresso em relação à propriedade intelectual aqui no hemisfério. Não
podemos dizer, então, que todo esse
pacote tem de ir para a OMC. O melhor é dizer que vamos discutir lá na
OMC, mas também
bilateralmente ou
regionalmente.
Como parte da
reunião dos presidentes em Washington, por exemplo, os dois ministros da Agricultura
assinaram um
acordo estabelecendo uma comissão de consultas.
Há algumas questões, inclusive em
agricultura, que podem sair de negociações entre os
dois países, sem esperar a OMC.
Folha - Se subsídios, propriedade
intelectual e compras governamentais saírem da Alca, o que sobra? A Alca vira o quê?
Hrinak - Boa pergunta. Pode ser
que parte da resposta saia na próxima semana [nesta] da reunião
de negociadores em El Salvador.
Vamos ver. Há um campo enorme de negociações e, em cada um
desses setores, há elementos que
podem ser tratados de maneira
regional.
Folha - A proposta americana de
fevereiro foi muito mal recebida no
Brasil, não só porque jogava a
questão dos subsídios para a OMC
como também dividia o continente
em blocos e atribuía percentuais
de redução de tarifas diferenciados
para eles. Na visão brasileira, prejudicando o Mercosul e favorecendo outros parceiros.
Hrinak - Primeiro, vamos deixar
claro que a proposta de fevereiro
foi uma oferta inicial, e oferta inicial é oferta inicial. O Brasil também fez a dele. O bom negociador
não põe todas as suas cartas na
mesa na primeira rodada.
A nossa oferta se baseou na reunião de Quito, em que reconhecemos que alguns países não estão
tão preparados para o livre comércio quanto outros, têm economias menores e mais frágeis. O
fato de nossa oferta ser mais generosa para os caribenhos reflete esse reconhecimento. Eles vão precisar de uma ajuda especial.
Folha - Depois da oferta, os EUA
já fizeram acordos em separado
com o Chile e estão negociando
com a Colômbia. A diplomacia brasileira suspeita que seja uma forma
de cooptação de parcerias para negociar com o Mercosul.
Hrinak - Negociações sub-regionais, entre grupos ou entre dois
países, ajudam
muito na criação de
uma área de livre
comércio.
Folha - O acordo
com o Chile é emblemático porque, além
de ser uma economia mais estável que
a média do continente, é também o
mais próximo do
Mercosul. Coincidência?
Hrinak - Essa negociação com o
Chile foi iniciada
em dezembro de
1994. Não começamos agora, portanto, só para dizer:
"Ah, ah. Vamos
mostrar para o
Mercosul o que podemos". É uma negociação de nove
anos, e os países que buscam
acordos bilaterais com os EUA
vêem que somos o maior mercado do hemisfério. É natural que
eles tenham interesse em penetrar
nesse mercado.
Folha - Como promover a Alca e
estabelecer relações mais justas e
equilibradas numa negociação entre os EUA, sempre tão fortes, e um
Mercosul muito debilitado, com índices baixos de crescimento no Brasil, crise na Argentina, no Uruguai e
a situação crônica do Paraguai?
Hrinak - As negociações envolvem assuntos muito técnicos.
Acho que, politizando as negociações, talvez dificultemos o trabalho dos negociadores, que são sumamente capacitados. Os do Brasil são excelentes.
Folha - Depois de seis meses de
Lula, a sra. acha que já diminuiu o
medo dos americanos de um governo de esquerda no Brasil?
Hrinak - O medo existia mais entre colunistas, entre certos setores
fora do governo. Nunca vi medo
na Casa Branca. O presidente
George W. Bush sempre deixou
claro o interesse de trabalhar com
esse governo, como, de fato, vem
trabalhando. Fizemos acordos de
agricultura, energia e colaboração
trilateral para ajudar a África contra a Aids. Os dois presidentes se
sentem muito confortáveis um
com o outro, e os contatos entre
os ministros têm sido excelentes.
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