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São Paulo, segunda-feira, 14 de julho de 2003

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ENTREVISTA DA 2ª

DONNA HRINAK

Diplomata defende união contra os subsídios agrícolas da UE e levar os resultados para a Alca

Embaixadora dos EUA quer aliança com o Brasil na OMC

ELIANE CANTANHÊDE
DIRETORA DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

A embaixadora dos EUA, Donna Hrinak, deixa claro que o Brasil não deve se impressionar com a linha dura assumida até agora pelos americanos nas negociações para a Alca (Área de Livre Comércio das Américas). Isso porque ainda há muito pela frente até o prazo de implantação do acordo, em janeiro de 2005.
"A proposta [dos EUA] de fevereiro foi uma oferta inicial, e oferta inicial é oferta inicial. O Brasil também fez a sua. O bom negociador não põe todas as suas cartas na mesa na primeira rodada", disse Hrinak à Folha, na quinta-feira passada.
Hrinak conclama o Brasil a se unir com os EUA contra os subsídios agrícolas impostos por União Européia e Japão e não deixa dúvidas: dessa aliança vai depender a boa vontade americana e a evolução das negociações para a Alca.
Em Brasília há 15 meses, Hrinak circula com desenvoltura nos gabinetes petistas, inclusive do Planalto. Ela já foi embaixadora na Bolívia, na República Dominicana e na Venezuela -de onde saiu rompida com o presidente Hugo Chávez.
Curiosidade do seu currículo resumido do site da embaixada americana na internet: informa que ela nasceu na Pensilvânia, mas não diz quando.
 

Folha - A partir do encontro Bush-Lula, o governo brasileiro ficou mais maleável nas negociações da Alca? Houve um recuo nas posições anteriores, consideradas mais rígidas?
Donna Hrinak -
Não. Aliás, eu não entendi a cobertura da imprensa brasileira em relação ao encontro e à nota conjunta dos dois países. Primeiro porque essa declaração abordava tanta coisa, mas a cobertura enfocou apenas a questão da Alca. Segundo, porque não houve recuo, houve menção à data [de janeiro de 2005], e foi uma reafirmação do compromisso que os 34 países do hemisfério têm de construir a área de livre comércio até lá. Portanto não houve nada de excepcional.

Folha - O governo do PT, de esquerda e próximo à Igreja Católica, não deixava no ar a sensação de que imporia obstáculos à Alca?
Hrinak -
O discurso do PT assim pode ter sido no início da campanha passada e nos anos anteriores, mas não foi mais nos últimos meses da própria campanha. E, já imediatamente depois da eleição, no primeiro pronunciamento de Lula como presidente eleito, ele confirmou o compromisso do Brasil de negociar tratados de livre comércio, de participar das negociações. Como o mundo tem mudado, os discursos têm mudado também. Todos vêem as vantagens do livre comércio. O fato de o Brasil ter assumido o compromisso de negociar é importante. A declaração conjunta refletia esse compromisso.

Folha - Foi importante para o presidente Bush, internamente, às vésperas das eleições americanas, obter a reafirmação brasileira desse compromisso?
Hrinak -
Foi importante, sim. Os dois presidentes falaram dos interesses dos seus dois países, e isso interessa também para os 32 outros países democráticos da região. Eles disseram assim: "Nós somos os presidentes, nós estamos liderando esse processo, e o nosso compromisso é com a data de 1º de janeiro de 2005".

Folha - E as negociações, continuam duras?
Hrinak -
Estão duras, claro. Faz tempo que eu digo que são duras e têm de ser, porque os benefícios do livre comércio são óbvios. Os estudos, inclusive do Banco Mundial e de universidades independentes, mostram que os países que têm livre comércio crescem mais rápido e diminuem índices internos de pobreza. Significa que a pobreza some imediatamente? Não, mas ajuda muito, os benefícios são óbvios. Agora, não dá para dizer que as negociações são fáceis, de um dia para outro. Senão, já teríamos feito. É difícil, há muitos interesses, algumas pessoas vão ter perdas. Temos de tratar e analisar a preocupação de alguns setores, porque são legítimas.

Folha - Já se fala numa "Alca light", enxuta, aquém do previsto. Essa é a tendência? E o que a sra. entende por "Alca light"?
Hrinak -
Eu não sei, porque ainda estamos num momento crítico das negociações, entre o encontro dos dois presidentes e a reunião ministerial de Miami, em novembro. Ainda não está definido o que vai ser possível.

Folha - Quem endureceu o jogo primeiro não foram os EUA, com o documento de fevereiro passado propondo que a questão dos subsídios agrícolas, muito sensível para o Brasil, ficasse com a OMC?
Hrinak -
Os EUA têm dito inúmeras vezes que a questão dos subsídios agrícolas tem de ser tratada na OMC. A Europa agora tem mostrado certa flexibilidade com os subsídios deles. Como eles vão refletir essa flexibilidade? Quais vão ser as propostas concretas deles dentro da OMC? Isso vai nos ajudar a negociar alguns pontos dentro da Alca, e esperamos já saber nos próximos meses.

Folha - A sra. admite, então, que ainda pode haver um recuo e uma flexibilização dos EUA na questão dos subsídios?
Hrinak -
Não podemos fazer nada sem algum progresso na OMC. Se houver, vamos poder fazer algo. Qual é o algo? Não sei. No acordo dos EUA com o Chile tratamos dos subsídios às exportações, o que já é um fator de distensão no comércio internacional, e podemos fazer algo com respeito à agricultura. Quanto aos subsídios domésticos, vamos ver o que acontece. Os EUA e o Brasil deveriam ser os aliados mais fortes na luta contra os subsídios na OMC.

Folha - Por que não na Alca?
Hrinak -
Porque a Europa e o Japão são os que mais impõem subsídios. Os subsídios da União Européia são três vezes os dos EUA.

Folha - O Brasil, portanto, é punido duplamente: pelos subsídios deles e os dos EUA. E a Alca não vai mudar nada?
Hrinak -
Se eu estivesse tomando as decisões, eu olharia para a OMC, pensando: "Bom, eu posso ganhar algo aqui, criando essa aliança com os EUA, o que depois vai ajudar dentro da Alca". O progresso que fizermos lá terá seu reflexo nas negociações da Alca.
Uma coisa que os europeus têm feito muito bem, a meu ver, é difundir essa impressão de que o tema subsídios é somente entre eles e os Estados Unidos. Mas o impacto é também muito grande nos países em desenvolvimento, que ainda estão desenvolvendo sua agricultura, como o Brasil. Por isso, acho que há uma aliança natural e que devemos promovê-la mais, e ela vai nos favorecer aqui no hemisfério.

Folha - A resposta do Brasil à proposta dos EUA de empurrar os subsídios para a OMC foi na mesma moeda: sugeriu jogar também para a OMC tudo o que interessa aos EUA, como serviços, propriedade intelectual e compras governamentais. Os EUA aceitam? Qual sua opinião sobre isso?
Hrinak -
Nossa posição é ver que progresso podemos fazer em cada fórum. Em algumas coisas, podemos solucionar ou mesmo fazer progressos somente na OMC. Mas isso não quer dizer que não possamos fazer nenhum progresso em relação à propriedade intelectual aqui no hemisfério. Não podemos dizer, então, que todo esse pacote tem de ir para a OMC. O melhor é dizer que vamos discutir lá na OMC, mas também bilateralmente ou regionalmente.
Como parte da reunião dos presidentes em Washington, por exemplo, os dois ministros da Agricultura assinaram um acordo estabelecendo uma comissão de consultas. Há algumas questões, inclusive em agricultura, que podem sair de negociações entre os dois países, sem esperar a OMC.

Folha - Se subsídios, propriedade intelectual e compras governamentais saírem da Alca, o que sobra? A Alca vira o quê?
Hrinak -
Boa pergunta. Pode ser que parte da resposta saia na próxima semana [nesta] da reunião de negociadores em El Salvador. Vamos ver. Há um campo enorme de negociações e, em cada um desses setores, há elementos que podem ser tratados de maneira regional.

Folha - A proposta americana de fevereiro foi muito mal recebida no Brasil, não só porque jogava a questão dos subsídios para a OMC como também dividia o continente em blocos e atribuía percentuais de redução de tarifas diferenciados para eles. Na visão brasileira, prejudicando o Mercosul e favorecendo outros parceiros.
Hrinak -
Primeiro, vamos deixar claro que a proposta de fevereiro foi uma oferta inicial, e oferta inicial é oferta inicial. O Brasil também fez a dele. O bom negociador não põe todas as suas cartas na mesa na primeira rodada.
A nossa oferta se baseou na reunião de Quito, em que reconhecemos que alguns países não estão tão preparados para o livre comércio quanto outros, têm economias menores e mais frágeis. O fato de nossa oferta ser mais generosa para os caribenhos reflete esse reconhecimento. Eles vão precisar de uma ajuda especial.

Folha - Depois da oferta, os EUA já fizeram acordos em separado com o Chile e estão negociando com a Colômbia. A diplomacia brasileira suspeita que seja uma forma de cooptação de parcerias para negociar com o Mercosul.
Hrinak -
Negociações sub-regionais, entre grupos ou entre dois países, ajudam muito na criação de uma área de livre comércio.

Folha - O acordo com o Chile é emblemático porque, além de ser uma economia mais estável que a média do continente, é também o mais próximo do Mercosul. Coincidência?
Hrinak -
Essa negociação com o Chile foi iniciada em dezembro de 1994. Não começamos agora, portanto, só para dizer: "Ah, ah. Vamos mostrar para o Mercosul o que podemos". É uma negociação de nove anos, e os países que buscam acordos bilaterais com os EUA vêem que somos o maior mercado do hemisfério. É natural que eles tenham interesse em penetrar nesse mercado.

Folha - Como promover a Alca e estabelecer relações mais justas e equilibradas numa negociação entre os EUA, sempre tão fortes, e um Mercosul muito debilitado, com índices baixos de crescimento no Brasil, crise na Argentina, no Uruguai e a situação crônica do Paraguai?
Hrinak -
As negociações envolvem assuntos muito técnicos. Acho que, politizando as negociações, talvez dificultemos o trabalho dos negociadores, que são sumamente capacitados. Os do Brasil são excelentes.

Folha - Depois de seis meses de Lula, a sra. acha que já diminuiu o medo dos americanos de um governo de esquerda no Brasil?
Hrinak -
O medo existia mais entre colunistas, entre certos setores fora do governo. Nunca vi medo na Casa Branca. O presidente George W. Bush sempre deixou claro o interesse de trabalhar com esse governo, como, de fato, vem trabalhando. Fizemos acordos de agricultura, energia e colaboração trilateral para ajudar a África contra a Aids. Os dois presidentes se sentem muito confortáveis um com o outro, e os contatos entre os ministros têm sido excelentes.


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