São Paulo, quinta-feira, 14 de julho de 2005

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ESCÂNDALO DO "MENSALÃO"/ANO BRASILEIRO

Presidente é elogiado por dirigentes e chamado de "símbolo mundial"; na Sorbonne, nem sequer foi aplaudido durante discurso

Em Paris, Lula já fala em "legado" de governo

DOS ENVIADOS ESPECIAIS A PARIS

O presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, adotou um tom de balanço de gestão em um dos três discursos que fez ontem em Paris, a ponto de ter usado a expressão "legado" como se seu governo estivesse para terminar.
Para Lula, "o maior legado que um governo pode deixar ao seu país é o estabelecimento de um novo padrão de relacionamento entre sociedade e Estado, entre governo e sociedade, para que qualquer governo que venha depois não tenha como virar as costas para a sociedade outra vez".
Ao anunciar "um improvisozinho", no encerramento do Fórum Franco-Brasileiro da Sociedade Civil, Lula disse que falaria "não o presidente, mas o representante da sociedade civil". Nesta condição, afirmou que, "no Brasil, o dado concreto é que em nenhum momento a sociedade civil teve os espaços de produção de políticas como tem hoje no Brasil, junto com o governo."
Acompanhado de dona Marisa Letícia, dos ministros Luiz Dulci (Secretaria de Governo), Luiz Fernando Furlan (Desenvolvimento) e de frei Betto, ex-assessor, Lula fez uma defesa da política econômica brasileira, rememorando uma promessa de campanha.
"De vez em quando, eu leio e escuto pessoas falarem da contradição entre a política de juros altos para conter a inflação e a política de incentivo ao consumo, liberando crédito como jamais foi feito".
Lembrou que, na campanha, a poupança externa estava em 23,5% do PIB (medida da produção econômica de um país), quando, "hoje, a poupança externa está em 23,5%, que é um crescimento inesperado por qualquer apoiador ou qualquer crítico do governo". Ainda sobre críticas, Lula afirmou que "a gente pode de vez em quando não gostar da dureza das críticas. Afinal de contas todos nós fomos preparados para receber elogios, não críticas". "Mas pode ficar certo que a compreensão que eu tenho e que o meu governo tem é que a participação da sociedade civil é importante para aplaudir ou para vaiar".
Lula foi recebido com efusivas boas-vindas pelo presidente do Conselho Econômico e Social da França, Jacques Demargne: "O senhor é um símbolo mundial de um grande combatente por um mundo melhor. Obrigado por ser esse símbolo", disse Demargne.
Pouco mais tarde, na recepção oferecida pelo prefeito de Paris, Bertrand Delanöe, mais efusões: "Você é um símbolo no Brasil e no mundo todo", disse o prefeito a Lula, saudado como "presidente da República que foi operário e sindicalista e permanece fiel a seus ideais e compromissos".
Na Sorbonne, onde o presidente brasileiro discursou durante 35 minutos pela manhã, a recepção foi menos calorosa. Não houve um só aplauso durante o discurso. Só quando pediu apoio ao Haiti é que as palmas apareceram na sala lotada por cerca de 150 pessoas, enquanto Lula falava de costas para o futuro, mais exatamente para o afresco "L'Avenir".
Lula evitou responder uma pergunta sobre a possibilidade de a corrupção ser um fator de descrédito da sociedade latino-americana na democracia, conforme atestam pesquisas recentes. O presidente preferiu fazer uma longa divagação sobre diferentes aspectos da política externa brasileira, que classificou de "suficientemente inteligente para não ser "nem tímida nem temerária".
Pondo ênfase na integração sul-americana, Lula disse que, em 2006, "haverá em cada país da região uma obra de infra-estrutura financiada pelo BNDES".
O presidente afirmou que o Brasil "não quer ser uma economia cercada de pobres por todos os lados, olhado para a frente e vendo a África e, olhando para trás, vendo toda a América do Sul". Lula fez nova crítica aos subsídios agrícolas dos países desenvolvidos. "É intolerável que US$ 1 bilhão seja gasto a cada dia em subsídios à exportação e em medidas de apoio doméstico à produção agrícola. Não é humano e racional que uma vaca tenha um subsídio superior à renda individual de centenas de milhões de homens e mulheres."
Ao comentar sua participação neste mês no encontro do G-8, na Escócia, Lula disse que, ao perceber a distância e o isolamento do local do encontro, pensou: "Se estamos fazendo a coisa certa, por que temos que fazer tão escondido?".
Da Sorbonne, o presidente seguiu para um almoço com empresários franceses reunidos no Medef (Movimento das Empresas da França). A imprensa não teve acesso à parte do encontro em que os executivos fizeram perguntas a Lula, mas a Folha apurou que nenhuma delas versou sobre a crise no Brasil.
O presidente, que chegou às 7h30 em Paris, reclamou de cansaço pela manhã. Antes de iniciar seu discurso na Sorbonne, disse que tentaria não dormir durante a própria fala. "Vocês vão me desculpar, mas estou com cinco horas de fuso na cabeça", disse, quando eram 11h20 na capital francesa (6h20 em Brasília).
"Por mais que eu viaje de avião, não perco o medo. E não durmo em avião", afirmou Lula. (CLÓVIS ROSSI e SILVANA ARANTES)

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