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ESCÂNDALO DO "MENSALÃO"/ANO BRASILEIRO
Presidente é elogiado por dirigentes e chamado de "símbolo mundial"; na Sorbonne, nem sequer foi aplaudido durante discurso
Em Paris, Lula já fala em "legado" de governo
DOS ENVIADOS ESPECIAIS A PARIS
O presidente brasileiro, Luiz
Inácio Lula da Silva, adotou um
tom de balanço de gestão em um
dos três discursos que fez ontem
em Paris, a ponto de ter usado a
expressão "legado" como se seu
governo estivesse para terminar.
Para Lula, "o maior legado que
um governo pode deixar ao seu
país é o estabelecimento de um
novo padrão de relacionamento
entre sociedade e Estado, entre
governo e sociedade, para que
qualquer governo que venha depois não tenha como virar as costas para a sociedade outra vez".
Ao anunciar "um improvisozinho", no encerramento do Fórum
Franco-Brasileiro da Sociedade
Civil, Lula disse que falaria "não o
presidente, mas o representante
da sociedade civil". Nesta condição, afirmou que, "no Brasil, o dado concreto é que em nenhum
momento a sociedade civil teve os
espaços de produção de políticas
como tem hoje no Brasil, junto
com o governo."
Acompanhado de dona Marisa
Letícia, dos ministros Luiz Dulci
(Secretaria de Governo), Luiz Fernando Furlan (Desenvolvimento)
e de frei Betto, ex-assessor, Lula
fez uma defesa da política econômica brasileira, rememorando
uma promessa de campanha.
"De vez em quando, eu leio e escuto pessoas falarem da contradição entre a política de juros altos
para conter a inflação e a política
de incentivo ao consumo, liberando crédito como jamais foi feito".
Lembrou que, na campanha, a
poupança externa estava em
23,5% do PIB (medida da produção econômica de um país),
quando, "hoje, a poupança externa está em 23,5%, que é um crescimento inesperado por qualquer
apoiador ou qualquer crítico do
governo". Ainda sobre críticas,
Lula afirmou que "a gente pode de
vez em quando não gostar da dureza das críticas. Afinal de contas
todos nós fomos preparados para
receber elogios, não críticas".
"Mas pode ficar certo que a compreensão que eu tenho e que o
meu governo tem é que a participação da sociedade civil é importante para aplaudir ou para vaiar".
Lula foi recebido com efusivas
boas-vindas pelo presidente do
Conselho Econômico e Social da
França, Jacques Demargne: "O senhor é um símbolo mundial de
um grande combatente por um
mundo melhor. Obrigado por ser
esse símbolo", disse Demargne.
Pouco mais tarde, na recepção
oferecida pelo prefeito de Paris,
Bertrand Delanöe, mais efusões:
"Você é um símbolo no Brasil e no
mundo todo", disse o prefeito a
Lula, saudado como "presidente
da República que foi operário e
sindicalista e permanece fiel a
seus ideais e compromissos".
Na Sorbonne, onde o presidente
brasileiro discursou durante 35
minutos pela manhã, a recepção
foi menos calorosa. Não houve
um só aplauso durante o discurso.
Só quando pediu apoio ao Haiti é
que as palmas apareceram na sala
lotada por cerca de 150 pessoas,
enquanto Lula falava de costas para o futuro, mais exatamente para
o afresco "L'Avenir".
Lula evitou responder uma pergunta sobre a possibilidade de a
corrupção ser um fator de descrédito da sociedade latino-americana na democracia, conforme atestam pesquisas recentes. O presidente preferiu fazer uma longa divagação sobre diferentes aspectos
da política externa brasileira, que
classificou de "suficientemente
inteligente para não ser "nem tímida nem temerária".
Pondo ênfase na integração sul-americana, Lula disse que, em
2006, "haverá em cada país da região uma obra de infra-estrutura
financiada pelo BNDES".
O presidente afirmou que o Brasil "não quer ser uma economia
cercada de pobres por todos os lados, olhado para a frente e vendo
a África e, olhando para trás, vendo toda a América do Sul". Lula
fez nova crítica aos subsídios agrícolas dos países desenvolvidos. "É
intolerável que US$ 1 bilhão seja
gasto a cada dia em subsídios à exportação e em medidas de apoio
doméstico à produção agrícola.
Não é humano e racional que uma
vaca tenha um subsídio superior à
renda individual de centenas de
milhões de homens e mulheres."
Ao comentar sua participação
neste mês no encontro do G-8, na
Escócia, Lula disse que, ao perceber a distância e o isolamento do
local do encontro, pensou: "Se estamos fazendo a coisa certa, por
que temos que fazer tão escondido?".
Da Sorbonne, o presidente seguiu para um almoço com empresários franceses reunidos no
Medef (Movimento das Empresas da França). A imprensa não
teve acesso à parte do encontro
em que os executivos fizeram perguntas a Lula, mas a Folha apurou que nenhuma delas versou
sobre a crise no Brasil.
O presidente, que chegou às
7h30 em Paris, reclamou de cansaço pela manhã. Antes de iniciar
seu discurso na Sorbonne, disse
que tentaria não dormir durante
a própria fala. "Vocês vão me desculpar, mas estou com cinco horas de fuso na cabeça", disse,
quando eram 11h20 na capital
francesa (6h20 em Brasília).
"Por mais que eu viaje de avião,
não perco o medo. E não durmo
em avião", afirmou Lula.
(CLÓVIS ROSSI e SILVANA ARANTES)
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