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ELIO GASPARI
O tucano quer o golpe do andar de cima
Basta que Lula tire a gravata e o andar de cima o acusa
de imitar o presidente venezuelano, Hugo Chávez.
Fica combinado assim: Lula
não pode brincar de Chávez, mas
o tucanato também não pode
brincar de Carmona.
Pedro Carmona é aquele empresário cheiroso que, em 2002, liderou o golpe que prendeu Chávez, dissolveu o Congresso e fechou o Supremo Tribunal. Teve
dois dias de fama. Abandonado
pelos militares, acabou preso e escafedeu-se para Miami.
Na última terça-feira, o grão-tucano Luiz Carlos Bresser-Pereira, ministro da Ciência e da Administração de FFHH, escreveu o
seguinte:
"Parece-me cada vez mais claro
que Lula não tem mais condições
de permanecer no Planalto e que
o impeachment é inevitável".
Direito dele achar isso. Bresser
acredita que a "variável fundamental" para que se deflagre o
impedimento será "a posição da
sociedade civil".
Ele explica: "Nas democracias,
embora o poder seja formalmente
do povo, na prática, está com a
sociedade civil, que dele se diferencia porque, no povo, cada cidadão tem um voto, na sociedade
civil o peso de cada cidadão depende de seu conhecimento, de
seu dinheiro e de sua capacidade
de comunicação e organização"."
Traduzindo:
Embora o andar de baixo vote,
quem manda na prática é o de cima, porque a patuléia é ignorante, não tem dinheiro, nem conhece jornalistas. Caberá ao andar
de cima decidir o impedimento de
Lula.
Poucas vezes o golpismo nacional expressou-se com tamanha
clareza social. Bresser dá à tal de
sociedade civil a condição de árbitro do alcance do sufrágio universal.
Segundo o doutor Bresser, o defenestramento de Lula justifica-se
porque "estamos ante a maior
crise moral da história brasileira". Estamos "ante" ou estamos
"na"? Tudo depende de onde o
doutor se coloca.
Registre-se que ele está na praça
desde os anos 70, sempre militando na causa democrática. Como
os golpistas dos anos 50 e 60 estiveram na frente democrática dos
40, não há nada de novo debaixo
do céu de anil deste grande Brasil.
Bresser fala de bruxas que existem. Há as malfeitorias do governo e do aparelho de Lula, com
cuecas, contas do Duda, mensalões e mesadinhas. Há a corrupção da base parlamentar e os caixas dois de campanhas eleitorais
passadas, presentes e futuras. Mas
há mais.
O tucanato faz de conta que
nunca ouviu falar no caixa da
campanha mineira de seu presidente, doutor Eduardo Azeredo,
em 1998. Segundo o seu tesoureiro, ela custou R$ 20 milhões, com
R$ 11,5 milhões rolando pelo caixa dois, no qual Marcos Valério
pingou R$ 9 milhões.
Há algo de escárnio na construção de Bresser. Aos fatos:
Em 1998, a agência SPMB de
Marcos Valério deu R$ 50 mil para a campanha de FFHH à reeleição. Cadê? O mimo não consta da
prestação de contas encaminhada ao Tribunal Superior Eleitoral
pela tesouraria tucana.
O caixa dois da campanha presidencial do PSDB em 1998 foi de
pelo menos R$ 10 milhões. Sabe-se
disso há cinco anos, desde que os
repórteres Andrea Michael e Wladimir Gramacho estouraram a
contabilidade do PSDB. À época,
o tesoureiro de FFHH informou
que tivera em seu computador algumas planilhas com listas de
doações, mas jogara-as fora. Não
se lembrava do conteúdo.
A tesouraria tucana disse à
Viúva que arrecadou R$ 77 milhões nas campanhas de 1994 e
1998, mas as planilhas indicavam
a entrada de pelo menos R$ 94
milhões. Uma diferença de R$ 17
milhões. O tesoureiro tucano, dono do laptop, era Luiz Carlos
Bresser-Pereira.
O comissariado petista usa as
contas tucanas de 1998 como
queijo na sua própria pizza. Coisa
assim: você pára de falar no
Eduardo Azeredo e eu desisto de
chamar o filho do Lula para contar na CPI como conseguiu que a
Telemar se associasse à sua empresa de informática. Os privatas
pagaram R$ 2,5 milhões por 35%
do negócio de Fábio Lula. Esse é o
jogo do andar de cima.
Para a patuléia, o melhor é que
se fale de Eduardo Azeredo e que
se conheça a história do filho de
Lula. Ele pode ensinar a garotada
a fazer novos empreendimentos.
Não é o estilo de Hugo Chávez
que ameaça a República. Faz
mais de um século que ela só é infelicitada pelas contas e pompas
dos Pedro Carmona da vida.
Malvadeza
Lula, um traído e indignado
ou um indignado e traído, fritou Paulo Okamotto, seu tesoureiro desde os anos 80. Okamotto foi o antecessor de Delúbio Soares sem se tornar personagem da República. Tornou-se caso raro de voluntário para
uma fritura por conta de algo
com que nada teve a ver.
Impeachment
Madame Natasha foi instrutora de guerrilha de José Dirceu. Atualmente zela pelo idioma e ensina boas maneiras às
moças da Jeanny Corner. Ela
concedeu uma de suas bolsas
de estudo às pessoas que usam
a palavra impeachment.
Trata-se de uma word existente na língua portuguesa:
"impedimento". Em inglês, soa
chique. Em português, é violento. Nas duas versões, é uma
reencarnação do golpe parlamentar, como o da Maioridade, em 1840, e o do parlamentarismo, em 1961. Natasha não
votou em Lula porque não se
mete com quem se orgulha de
não ter ido à escola. Exatamente por isso, quer que ele fique
no Planalto até o último dia de
seu mandato, para ver se
aprende alguma coisa.
Aviso de 2002
°°°O ex-deputado Valdemar
Costa Neto revelou aos repórteres Thomas Traumann e
Gustavo Krieger seu acerto
com José Dirceu, soldando a
aliança PT-PL, celebrado em 19
de junho de 2002. Eram R$ 10
milhões, mas o comissariado
teria entregue R$ 6,5 milhões.
Nesse dia, por conta de denúncias do irmão de Celso Daniel,
o prefeito de Santo André assassinado meses antes, os jornais tinham títulos assim: "PT é
acusado de cobrar propina para campanha"; "PT acusado de
cobrar propina". Dirceu foi ao
contra-ataque e insinuou que o
noticiário era armação. Prometeu processar todo mundo,
mas continuou a tocar sua rotina. Deu no que deu.
Duda Romanée
Duda Mendonça orgulha-se
do que fez nas campanhas peti$ta$ e do trabalho de seu amigo Lula. Ele talvez acredite que
receber pacotes de dinheiro e
plantar laranjais nas Bahamas
foram uma forma de inclusão
social dos brasileiros carentes.
A inclusão dele.
Nunca é demais lembrar
que, em outubro de 2002, o
marqueteiro teve a idéia de
abrir uma garrafa de vinho Romanée-Conti na mesa de Lula
(R$ 6.000 a garrafa). Tinham
acabado de sair do último debate com José Serra, durante o
qual o companheiro apresentou-se como defensor dos pobres e desvalidos. Agora toda a
culpa é dos Valérios e os bobos
são os outros.
PSDB calado
O deputado Luiz Antônio
Fleury Filho (PTB-SP) juntou-se ao esforço do senador Jorge
Bornhausen, presidente do
PFL, para jogar água sanitária
nas contas das campanhas eleitorais de Pindorama.
Tem pronto um projeto que
proíbe showmícios, cachês de
artistas e superproduções na
TV. Determina que os partidos
coloquem semanalmente na
internet as contas de seus candidatos. Providência semelhante o petista Chico Alencar
defende há dois anos. Foi a ele
que o doutor Delúbio Soares
disse a frase de sua vida:
"Transparência assim é burrice".
Cena histórica
Com o depoimento de Duda
Mendonça na CPI dos Correios, uma cena do documentário "Entreatos", de João Moreira Salles, entrou para a história nacional e para a crônica
mundial da mistificação política. É aquela em que Duda dirige algumas dezenas de parlamentares e notáveis, fazendo-os gritar "Lula" como se fossem macacas de auditório.
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