São Paulo, domingo, 14 de agosto de 2005

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ELIO GASPARI

O tucano quer o golpe do andar de cima

Basta que Lula tire a gravata e o andar de cima o acusa de imitar o presidente venezuelano, Hugo Chávez.
Fica combinado assim: Lula não pode brincar de Chávez, mas o tucanato também não pode brincar de Carmona.
Pedro Carmona é aquele empresário cheiroso que, em 2002, liderou o golpe que prendeu Chávez, dissolveu o Congresso e fechou o Supremo Tribunal. Teve dois dias de fama. Abandonado pelos militares, acabou preso e escafedeu-se para Miami.
Na última terça-feira, o grão-tucano Luiz Carlos Bresser-Pereira, ministro da Ciência e da Administração de FFHH, escreveu o seguinte:
"Parece-me cada vez mais claro que Lula não tem mais condições de permanecer no Planalto e que o impeachment é inevitável".
Direito dele achar isso. Bresser acredita que a "variável fundamental" para que se deflagre o impedimento será "a posição da sociedade civil".
Ele explica: "Nas democracias, embora o poder seja formalmente do povo, na prática, está com a sociedade civil, que dele se diferencia porque, no povo, cada cidadão tem um voto, na sociedade civil o peso de cada cidadão depende de seu conhecimento, de seu dinheiro e de sua capacidade de comunicação e organização"."
Traduzindo:
Embora o andar de baixo vote, quem manda na prática é o de cima, porque a patuléia é ignorante, não tem dinheiro, nem conhece jornalistas. Caberá ao andar de cima decidir o impedimento de Lula.
Poucas vezes o golpismo nacional expressou-se com tamanha clareza social. Bresser dá à tal de sociedade civil a condição de árbitro do alcance do sufrágio universal.
Segundo o doutor Bresser, o defenestramento de Lula justifica-se porque "estamos ante a maior crise moral da história brasileira". Estamos "ante" ou estamos "na"? Tudo depende de onde o doutor se coloca.
Registre-se que ele está na praça desde os anos 70, sempre militando na causa democrática. Como os golpistas dos anos 50 e 60 estiveram na frente democrática dos 40, não há nada de novo debaixo do céu de anil deste grande Brasil.
Bresser fala de bruxas que existem. Há as malfeitorias do governo e do aparelho de Lula, com cuecas, contas do Duda, mensalões e mesadinhas. Há a corrupção da base parlamentar e os caixas dois de campanhas eleitorais passadas, presentes e futuras. Mas há mais.
O tucanato faz de conta que nunca ouviu falar no caixa da campanha mineira de seu presidente, doutor Eduardo Azeredo, em 1998. Segundo o seu tesoureiro, ela custou R$ 20 milhões, com R$ 11,5 milhões rolando pelo caixa dois, no qual Marcos Valério pingou R$ 9 milhões.
Há algo de escárnio na construção de Bresser. Aos fatos:
Em 1998, a agência SPMB de Marcos Valério deu R$ 50 mil para a campanha de FFHH à reeleição. Cadê? O mimo não consta da prestação de contas encaminhada ao Tribunal Superior Eleitoral pela tesouraria tucana.
O caixa dois da campanha presidencial do PSDB em 1998 foi de pelo menos R$ 10 milhões. Sabe-se disso há cinco anos, desde que os repórteres Andrea Michael e Wladimir Gramacho estouraram a contabilidade do PSDB. À época, o tesoureiro de FFHH informou que tivera em seu computador algumas planilhas com listas de doações, mas jogara-as fora. Não se lembrava do conteúdo.
A tesouraria tucana disse à Viúva que arrecadou R$ 77 milhões nas campanhas de 1994 e 1998, mas as planilhas indicavam a entrada de pelo menos R$ 94 milhões. Uma diferença de R$ 17 milhões. O tesoureiro tucano, dono do laptop, era Luiz Carlos Bresser-Pereira.
O comissariado petista usa as contas tucanas de 1998 como queijo na sua própria pizza. Coisa assim: você pára de falar no Eduardo Azeredo e eu desisto de chamar o filho do Lula para contar na CPI como conseguiu que a Telemar se associasse à sua empresa de informática. Os privatas pagaram R$ 2,5 milhões por 35% do negócio de Fábio Lula. Esse é o jogo do andar de cima.
Para a patuléia, o melhor é que se fale de Eduardo Azeredo e que se conheça a história do filho de Lula. Ele pode ensinar a garotada a fazer novos empreendimentos.
Não é o estilo de Hugo Chávez que ameaça a República. Faz mais de um século que ela só é infelicitada pelas contas e pompas dos Pedro Carmona da vida.

Malvadeza
Lula, um traído e indignado ou um indignado e traído, fritou Paulo Okamotto, seu tesoureiro desde os anos 80. Okamotto foi o antecessor de Delúbio Soares sem se tornar personagem da República. Tornou-se caso raro de voluntário para uma fritura por conta de algo com que nada teve a ver.

Impeachment
Madame Natasha foi instrutora de guerrilha de José Dirceu. Atualmente zela pelo idioma e ensina boas maneiras às moças da Jeanny Corner. Ela concedeu uma de suas bolsas de estudo às pessoas que usam a palavra impeachment. Trata-se de uma word existente na língua portuguesa: "impedimento". Em inglês, soa chique. Em português, é violento. Nas duas versões, é uma reencarnação do golpe parlamentar, como o da Maioridade, em 1840, e o do parlamentarismo, em 1961. Natasha não votou em Lula porque não se mete com quem se orgulha de não ter ido à escola. Exatamente por isso, quer que ele fique no Planalto até o último dia de seu mandato, para ver se aprende alguma coisa.

Aviso de 2002
°°°O ex-deputado Valdemar Costa Neto revelou aos repórteres Thomas Traumann e Gustavo Krieger seu acerto com José Dirceu, soldando a aliança PT-PL, celebrado em 19 de junho de 2002. Eram R$ 10 milhões, mas o comissariado teria entregue R$ 6,5 milhões. Nesse dia, por conta de denúncias do irmão de Celso Daniel, o prefeito de Santo André assassinado meses antes, os jornais tinham títulos assim: "PT é acusado de cobrar propina para campanha"; "PT acusado de cobrar propina". Dirceu foi ao contra-ataque e insinuou que o noticiário era armação. Prometeu processar todo mundo, mas continuou a tocar sua rotina. Deu no que deu.

Duda Romanée
Duda Mendonça orgulha-se do que fez nas campanhas peti$ta$ e do trabalho de seu amigo Lula. Ele talvez acredite que receber pacotes de dinheiro e plantar laranjais nas Bahamas foram uma forma de inclusão social dos brasileiros carentes. A inclusão dele. Nunca é demais lembrar que, em outubro de 2002, o marqueteiro teve a idéia de abrir uma garrafa de vinho Romanée-Conti na mesa de Lula (R$ 6.000 a garrafa). Tinham acabado de sair do último debate com José Serra, durante o qual o companheiro apresentou-se como defensor dos pobres e desvalidos. Agora toda a culpa é dos Valérios e os bobos são os outros.

PSDB calado
O deputado Luiz Antônio Fleury Filho (PTB-SP) juntou-se ao esforço do senador Jorge Bornhausen, presidente do PFL, para jogar água sanitária nas contas das campanhas eleitorais de Pindorama. Tem pronto um projeto que proíbe showmícios, cachês de artistas e superproduções na TV. Determina que os partidos coloquem semanalmente na internet as contas de seus candidatos. Providência semelhante o petista Chico Alencar defende há dois anos. Foi a ele que o doutor Delúbio Soares disse a frase de sua vida: "Transparência assim é burrice".

Cena histórica
Com o depoimento de Duda Mendonça na CPI dos Correios, uma cena do documentário "Entreatos", de João Moreira Salles, entrou para a história nacional e para a crônica mundial da mistificação política. É aquela em que Duda dirige algumas dezenas de parlamentares e notáveis, fazendo-os gritar "Lula" como se fossem macacas de auditório.

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