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NO PLANALTO
Lula diz em discurso que é apenas bobo, não corrupto
JOSIAS DE SOUZA
COLUNISTA DA FOLHA
O Brasil não conhecia direito o Lula que elegeu em
2002. Mas o destino do Lula de
2005 não lhe é estranho. O personagem de três anos atrás, não há
mais dúvidas, era apenas um novo desastre esperando para acontecer.
Lula passou os últimos 31 meses
tentando descobrir o que, afinal,
estava fazendo no Palácio do Planalto. Descobriu na noite da última quinta-feira: nada. Na manhã de sexta, em discurso compungido, revelou à nação que se
encontra em Brasília a passeio.
O pseudopresidente disse que se
sente "traído". Jamais soube das
"práticas inaceitáveis" que conspurcam o seu (des)governo e o seu
partido. "Temos que pedir desculpas", resignou-se. Em português
claro: pediu para ser visto como
bobo involuntário, não como corrupto espontâneo.
A fala de Lula, feita sob pressão
de Márcio Thomaz Bastos, Antonio Palocci e Tarso Genro, soou
insincera. Faltou-lhe o timbre indignado do inocente. De resto, ao
queixar-se do próprio partido,
portou-se como comandante de
navio que reclama do mar.
Seja como for, o Lula do discurso de ocasião, extraído a fórceps
num instante em que a lama toca-lhe os sapatos, não é o político
que seus eleitores supunham. Elegera-se como um presidente de
mostruário, um exemplo. Agora
se sabe de quê.
A história vem sendo caprichosa com Lula. Primeiro, escalou José Dirceu, seu braço-direito, para
fazê-lo de trouxa. Agora, designa
para desmascará-lo o mesmo Duda Mendonça que o havia construído na campanha de 2002.
Ao revelar as primeiras ramificações internacionais das arcas
podres do petismo, Duda transformou em tempestade os escândalos que chovem sobre o Planalto há dois meses. Ao acomodar a
contabilidade da campanha presidencial na zona de suspeição,
trovejou sobre a cabeça de Lula.
Não foram os primeiros raios.
Na véspera, o companheiro Paulo
Okamotto apresentara-se como
feliz patrocinador de uma espécie
de "Bolsa Lula". Disse ter quitado
dívida de R$ 29 mil de Lula com o
ex-PT. Matou no peito, diria Roberto Jefferson. E teve a delicadeza de não incomodar o devedor. É
o japonês que todo brasileiro pediu a Deus. Paga dívida alheia
sem dar um pio.
A oposição, sempre maledicente, suspeita que, sob a generosidade de Okamotto, esteja escondida
a mão amiga de Marcos Valério.
Tenta-se provar que o empréstimo lançado nos livros do ex-PT é
uma espécie de Fiat Elba de Lula.
O que está em jogo nas CPIs que
desnudam diariamente o ex-PT é
a sorte do mandato de Lula. Por
ora, o desejo do impeachment é
contido pelas conveniências da
oposição e do empresariado. Ao
PSDB e ao PFL interessa um Lula
ajoelhado, não uma vítima. À
plutocracia convém conservar o
conservadorismo de Palocci.
A crise, porém, vem sendo gerida por um ator invisível, o senhor
"Imponderável da Silva". As apurações correm em ritmo alucinante. O incômodo é ultrapassado pelo insuportável, que é vencido pelo inacreditável, que é superado pelo impensável, que é batido pelo inadmissível... Nada impede que o improvável venha a se
tornar inevitável.
De concreto, apenas o fato de
que Lula encontra-se acuado por
uma crise produzida nos arredores do seu gabinete. Tornou-se
um presidente terminal. Terá final menos sofrido se aposentar os
planos de reeleição. De resto, deve
torcer pela compaixão dos adversários e pelo silêncio dos aliados.
Os adversários estocam papéis.
As gavetas estão pela tampa. Os
aliados ruminam os próprios segredos. Alguns coçam a língua.
Vai abaixo, para orientar o leitor,
um resumo da encrenca que se
avizinha:
1) os diálogos travados nos subterrâneos do ex-PT são educativos. Ali, a tese da "traição" só é levada a sério como estratégia política. Dá-se de barato que a movimentação impudica de Dirceu foi
consentida por Lula. O futuro do
(des)governo está amarrado à
língua do ex-chefão da Casa Civil
mais do que a qualquer outra. As
inconfidências de Roberto Jefferson e Valdemar da Costa Neto incomodam. As de Dirceu incomodariam muito mais;
2) Dirceu e Cia. não seriam o
únicos "traidores". Um publicitário paulista contou a um expoente do tucanato que certos contratos governamentais na área de
publicidade não resistiriam a
uma boa investigação. O sobrepreço seria de até 20%. Algumas
agências viram-se forçadas a levar notas frias à contabilidade.
Seus gestores querem paz e sossego. Levados ao cadafalso, porém,
não parecem dispostos a assumir
culpas alheias;
3) abespinhado com o que vê,
um funcionário público que administra escrivaninha bem situada soprou nos ouvidos de um integrante da CPI dos Correios detalhes sobre investimentos que
unem a contabilidade de certos
fundos de pensão à tesouraria das
casas bancárias da crise. Encomendaram-se documentos. Estão
sendo providenciados.
Como se vê, toda aquela ânsia
de servir ao povo, o desejo de produzir justiça social, a vontade de
sacrificar-se em nome do bem comum, toda aquela conversa mole
estava subordinada ao combustível que move a política: o caixa
dois. Com o seu mea-culpa, Lula
pede um voto de confiança. É sinal de que o pseudopresidente ao
menos já se deu conta de que a
desconfiança corre solta.
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