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CELSO PINTO
Lições do novo milagre asiático
Os países asiáticos emergentes
saíram da crise em grande estilo.
O crescimento do PIB no segundo
trimestre, em relação ao ano anterior, foi de 9,8% na Coréia, 8% na
Tailândia, 4,1% na Malásia, 3,6%
nas Filipinas e 1,8% na Indonésia.
Mais de um grande empresário
brasileiro tem olhado com inveja
esses resultados e se perguntado se
não há lições a tirar para o Brasil.
Afinal, os asiáticos não fizeram as
"reformas estruturais" por inteiro, têm déficits fiscais enormes e,
mesmo assim, voltaram os dólares
dos investidores externos.
O entusiasmo com a Ásia, contudo, deve ser temperado com
cautela. Em primeiro lugar, algumas taxas espetaculares de crescimento estão ocorrendo depois de
recessões igualmente espetaculares. No ano passado, o PIB da Coréia caiu 5,8%, o da Tailândia,
9,4%, o da Malásia, 6,8%, o das
Filipinas, 0,5%, e o da Indonésia,
13,7%. Exceto no caso das Filipinas, os países passaram por uma
brutal recessão, nem de longe
comparável à queda de 0,1% do
PIB no Brasil em 98 e à previsão
de algo próximo de zero neste
ano.
Existe, ainda, uma ilusão estatística nos índices do segundo trimestre, pois a base de comparação é muito baixa. O consenso das
projeções internacionais, hoje, é
de um crescimento, neste ano, de
5,5% na Coréia, 2,2% na Tailândia, 2,4% na Malásia, 2,3% nas
Filipinas e uma queda de 1,2% na
Indonésia. Se as projeções estiverem minimamente corretas, só as
Filipinas conseguirão recompor o
nível do PIB de 97. Não há nenhum "milagre asiático" em curso.
A fortíssima recessão dos asiáticos foi consequência de uma debandada impressionante do capital externo, que obrigou os países
a um ajuste profundo e rápido,
por queda na demanda e nas importações. Dados do FMI mostram que os cinco países tiveram
um fluxo líquido de capital positivo de US$ 62,4 bilhões em 96, antes da crise, dos quais US$ 32,9 bilhões em empréstimos bancários.
Em 97, houve uma saída líquida
de US$ 19,7 bilhões, sendo US$
44,5 bilhões dos bancos, toda concentrada no segundo semestre,
depois da quebra da Tailândia.
No ano passado, a saída líquida
subiu para US$ 46,2 bilhões, sendo US$ 44,5 bilhões dos bancos.
Quer dizer: entre 95 e 96, os bancos colocaram US$ 69,8 bilhões
nesses países. Em 97 e 98, tiraram
US$ 89 bilhões.
Em relação ao PIB, os números
são ainda mais impressionantes.
Em 96, o fluxo positivo foi equivalente a 5,8% do PIB. Em 97, a saída foi de 2% do PIB e, em 98, de
7,1% do PIB.
No Brasil, o fluxo líquido de capitais desacelerou, mas não foi negativo. Caiu de US$ 35,2 bilhões
em 96, para US$ 20,5 bilhões em
97 e US$ 17,1 bilhões em 98. Em relação ao PIB, passou de 4,5% para
2,6% e 2,2%.
Na Ásia, o corte abrupto nas importações teve um impacto dramático sobre as contas externas
porque são países muito abertos
(em alguns, o comércio exterior
supera 40% do PIB). A conta corrente passou de US$ 27 bilhões negativos em 97, para US$ 69,7 bilhões positivos em 98. É uma espantosa guinada de US$ 97 bilhões.
O Brasil, ao contrário, aumentou seu déficit em conta corrente
de US$ 33,3 bilhões em 97 para
US$ 34,9 bilhões em 98. Neste ano,
deve reduzi-lo para US$ 25 bilhões, mas não há hipótese de zerá-lo nos próximos anos.
Os asiáticos sofreram uma queda de US$ 35,9 bilhões nas reservas em 97, mas, já em 98, houve
um aumento de US$ 47 bilhões
nas reservas, apesar da redução
na entrada de capitais. Em outros
termos, o ajuste externo foi tão
forte, que foi possível reverter a
queda de reservas e ainda produzir um ganho, mesmo com menos
entrada de dólares.
Aí talvez haja uma lição interessante. Alguns países asiáticos, como Coréia, Malásia e Tailândia,
fizeram um esforço genuíno para
lidar com a crise bancária. No entanto, a reestruturação prometida
não foi integralmente cumprida.
Na Coréia, a reforma nos grandes
conglomerados industriais (os
"chaebols") ficou pela metade.
Mesmo assim, e apesar de déficits fiscais de 6% ou 7% do PIB em
alguns países, os investidores externos voltaram e as Bolsas dispararam. O segredo está no ajuste
das contas externas.
O caso dos asiáticos mostra que,
quando o risco de não ser pago
torna-se mínimo, pela mudança
na conta corrente, a execução das
reformas deixa de ser requisito
tão essencial para guiar decisões
de investimentos. Quando (e se) o
Brasil voltar a gerar superávits comerciais mais expressivos, é possível que os bancos passem a olhar
menos para os detalhes orçamentários.
O déficit fiscal dos asiáticos não
quer dizer nada. Eles vinham de
uma situação fiscal equilibrada
ou superavitária antes da crise e,
com a recessão, fazia todo o sentido tornar a política fiscal expansionista. É o contrário do Brasil,
onde o desequilíbrio fiscal está no
miolo dos problemas.
Isso não quer dizer, no entanto,
que será fácil para os asiáticos repetir o milagre de décadas de crescimento anual de dois dígitos.
Quebrou-se o encanto da infalibilidade da região e, sem uma reestruturação mais profunda da economia, provavelmente o crescimento não será tão brilhante.
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