São Paulo, Terça-feira, 14 de Setembro de 1999
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CELSO PINTO

Lições do novo milagre asiático


Os países asiáticos emergentes saíram da crise em grande estilo. O crescimento do PIB no segundo trimestre, em relação ao ano anterior, foi de 9,8% na Coréia, 8% na Tailândia, 4,1% na Malásia, 3,6% nas Filipinas e 1,8% na Indonésia.
Mais de um grande empresário brasileiro tem olhado com inveja esses resultados e se perguntado se não há lições a tirar para o Brasil. Afinal, os asiáticos não fizeram as "reformas estruturais" por inteiro, têm déficits fiscais enormes e, mesmo assim, voltaram os dólares dos investidores externos.
O entusiasmo com a Ásia, contudo, deve ser temperado com cautela. Em primeiro lugar, algumas taxas espetaculares de crescimento estão ocorrendo depois de recessões igualmente espetaculares. No ano passado, o PIB da Coréia caiu 5,8%, o da Tailândia, 9,4%, o da Malásia, 6,8%, o das Filipinas, 0,5%, e o da Indonésia, 13,7%. Exceto no caso das Filipinas, os países passaram por uma brutal recessão, nem de longe comparável à queda de 0,1% do PIB no Brasil em 98 e à previsão de algo próximo de zero neste ano.
Existe, ainda, uma ilusão estatística nos índices do segundo trimestre, pois a base de comparação é muito baixa. O consenso das projeções internacionais, hoje, é de um crescimento, neste ano, de 5,5% na Coréia, 2,2% na Tailândia, 2,4% na Malásia, 2,3% nas Filipinas e uma queda de 1,2% na Indonésia. Se as projeções estiverem minimamente corretas, só as Filipinas conseguirão recompor o nível do PIB de 97. Não há nenhum "milagre asiático" em curso.
A fortíssima recessão dos asiáticos foi consequência de uma debandada impressionante do capital externo, que obrigou os países a um ajuste profundo e rápido, por queda na demanda e nas importações. Dados do FMI mostram que os cinco países tiveram um fluxo líquido de capital positivo de US$ 62,4 bilhões em 96, antes da crise, dos quais US$ 32,9 bilhões em empréstimos bancários.
Em 97, houve uma saída líquida de US$ 19,7 bilhões, sendo US$ 44,5 bilhões dos bancos, toda concentrada no segundo semestre, depois da quebra da Tailândia. No ano passado, a saída líquida subiu para US$ 46,2 bilhões, sendo US$ 44,5 bilhões dos bancos. Quer dizer: entre 95 e 96, os bancos colocaram US$ 69,8 bilhões nesses países. Em 97 e 98, tiraram US$ 89 bilhões.
Em relação ao PIB, os números são ainda mais impressionantes. Em 96, o fluxo positivo foi equivalente a 5,8% do PIB. Em 97, a saída foi de 2% do PIB e, em 98, de 7,1% do PIB.
No Brasil, o fluxo líquido de capitais desacelerou, mas não foi negativo. Caiu de US$ 35,2 bilhões em 96, para US$ 20,5 bilhões em 97 e US$ 17,1 bilhões em 98. Em relação ao PIB, passou de 4,5% para 2,6% e 2,2%.
Na Ásia, o corte abrupto nas importações teve um impacto dramático sobre as contas externas porque são países muito abertos (em alguns, o comércio exterior supera 40% do PIB). A conta corrente passou de US$ 27 bilhões negativos em 97, para US$ 69,7 bilhões positivos em 98. É uma espantosa guinada de US$ 97 bilhões.
O Brasil, ao contrário, aumentou seu déficit em conta corrente de US$ 33,3 bilhões em 97 para US$ 34,9 bilhões em 98. Neste ano, deve reduzi-lo para US$ 25 bilhões, mas não há hipótese de zerá-lo nos próximos anos.
Os asiáticos sofreram uma queda de US$ 35,9 bilhões nas reservas em 97, mas, já em 98, houve um aumento de US$ 47 bilhões nas reservas, apesar da redução na entrada de capitais. Em outros termos, o ajuste externo foi tão forte, que foi possível reverter a queda de reservas e ainda produzir um ganho, mesmo com menos entrada de dólares.
Aí talvez haja uma lição interessante. Alguns países asiáticos, como Coréia, Malásia e Tailândia, fizeram um esforço genuíno para lidar com a crise bancária. No entanto, a reestruturação prometida não foi integralmente cumprida. Na Coréia, a reforma nos grandes conglomerados industriais (os "chaebols") ficou pela metade.
Mesmo assim, e apesar de déficits fiscais de 6% ou 7% do PIB em alguns países, os investidores externos voltaram e as Bolsas dispararam. O segredo está no ajuste das contas externas.
O caso dos asiáticos mostra que, quando o risco de não ser pago torna-se mínimo, pela mudança na conta corrente, a execução das reformas deixa de ser requisito tão essencial para guiar decisões de investimentos. Quando (e se) o Brasil voltar a gerar superávits comerciais mais expressivos, é possível que os bancos passem a olhar menos para os detalhes orçamentários.
O déficit fiscal dos asiáticos não quer dizer nada. Eles vinham de uma situação fiscal equilibrada ou superavitária antes da crise e, com a recessão, fazia todo o sentido tornar a política fiscal expansionista. É o contrário do Brasil, onde o desequilíbrio fiscal está no miolo dos problemas.
Isso não quer dizer, no entanto, que será fácil para os asiáticos repetir o milagre de décadas de crescimento anual de dois dígitos. Quebrou-se o encanto da infalibilidade da região e, sem uma reestruturação mais profunda da economia, provavelmente o crescimento não será tão brilhante.



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